A sonda europeia Schiaparelli poderá enfrentar condições climáticas adversas, incluindo tempestades de areia severas, quando chegar a Marte no próximo dia 19.
Parte do programa ExoMars, da Agência Espacial Europeia (Esa, na sigla em inglês), o módulo foi lançado no dia 14 de março e vai realizar estudos ambientais no planeta vermelho.
Segundo pesquisadores americanos, partículas de areia começarão a ser lançadas na atmosfera em breve, algo que ocorre regularmente em determinadas épocas do ano.
A Esa, entretanto, acredita que isso não deve atrapalhar a descida do aparelho na região conhecida como Meridiani Planum na semana que vem. Alguns cientistas estão inclusive animados com essa previsão.
"Sempre soubemos da possibilidade de aterrissagem durante uma tempestade de areia e a Schiaparelli foi projetada pensando nisso", disse Jorge Vago, cientista de projetos da agência europeia.
"Pode ser uma oportunidade interessante para coletar dados sobre a eletrificação de atmosferas com a presença de areia", explicou ele - a Schiaparelli está transportando para Marte o primeiro instrumento dedicado a esse propósito.
A Nasa, a agência espacial americana, divulgou na semana passada um comunicado alertando para a formação da tempestade de areia. O relatório ressaltou que o fenômeno pode chegar à proporção de criar um invólucro total do planeta, embora a possibilidade pareça remota no momento.
Preparação
De qualquer forma, os cientistas europeus garantem que estão preparados. Uma quantidade excessiva de areia no ar de Marte pode aumentar a abrasividade no escudo de calor da Schiaparelli e no paraquedas que será usado para reduzir a velocidade até a aterrissagem completa.
Ainda assim, a área escolhida para o pouso é plana e larga o suficiente para evitar acidentes, mesmo que o procedimento ocorra fora do local exato previsto por causa dos ventos fortes causados pela possível tempestade.
"A única coisa que pode ser afetada é a captação de imagens durante a descida", explica o diretor de voo Michel Denis. "Talvez a visibilidade da superfície seja afetada se a quantidade de vento e poeira for muito grande."
A Schiaparelli pesa 600 kg e, na prática, servirá como teste de procedimentos e tecnologias necessárias para a realização de pousos no planeta vermelho.
A única tentativa anterior de pouso em Marte realizada por cientistas europeus acabou fracassada. Em 2003, a nave Beagle-2 não foi ativada corretamente após o pouso, embora imagens captadas pelo equipamento tenham sido recuperadas no ano passado.
A expectativa é que a missão, do projeto ExoMars, agora tenha um final bem sucedido, embora a operação da Schiaparelli na superfície de Marte tenha duração prevista de apenas alguns dias.
Um dos objetivos é buscar vestígios de formas de vida no planeta. O projeto também inclui a "nave-mãe" batizada de Trace Gas Orbiter.
Apostas
O satélite deve investigar a atmosfera e a geologia de Marte assim que for lançado pelo módulo de entrada, que foi construído na Itália. A parte final do ExoMars ainda conta com um veículo de exploração espacial britânico, que deve chegar à superfície marciana em 2021.
Alguns dos elementos principais da Schiaparelli serão replicados na estrutura de seis rodas. Entre eles estão os algoritmos de localização, navegação e controle (GNC, na sigla em inglês), assim como o radar doppler, que determina a distância até o chão.
"Com o GNC e o radar, podemos dizer que vamos carregar o 'cérebro' da Schiaparelli", explica Vincenzo Georgio, da Thales Alenia Space, uma das empresas envolvidas no projeto.
A Schiaparelli e o Beagle-2 têm poucas semelhanças, uma vez que utilizam tecnologias muito diferentes para a aproximação final.
O Beagle contava com "airbags" que amorteceriam o momento de impacto com o solo. Já o novo modelo italiano utiliza retrofoguetes para flutuar acima da superfície até os dois metros finais da descida, antes de "pousar de barriga" - o assoalho da nave foi projetado para absorver o impacto da queda.
Um instrumento do projeto que falhou uma década atrás acabou reaproveitado: um sensor de vento. "Estou esperando por esses dados há 13 anos", contou Colin Wilson, pesquisador da Universidade de Oxford.
O cientista britânico é um dos que torcem para que as condições climáticas do pouso fiquem cada vez mais adversas.
"Para mim, o ideal seria estar à beira de uma tempestade de areia quando a frente chegar. É nesse momento que o vento gradiente fica mais amplo, com uma turbulência grande", detalha.
O Trace Gas Orbiter vai ejetar a Schiaparelli neste domingo em direção a Marte, onde a sonda deve chegar na quarta-feira. Se o escudo de calor, o paraquedas e os foguetes funcionarem como previsto, a ela deve pousar às 14:48 GMT (11:48 no horário de Brasília).
A distância entre a Terra e Marte (167 milhões de quilômetros) significa que qualquer sinal de rádio viajando na velocidade da luz levará mais de nove minutos para ser recebido. Dessa forma, a Esa saberá se a aterrissagem ocorreu com sucesso se a transmissão UHF da sonda seguir ininterrupta.
Essa transmissão UHF - tons simples, não telemétricos - será recebida por um telescópio gigante em Pune, na Índia, e retransmitida para o controle da missão em Darmstadt, na Alemanha.
Um relatório completo de telemetria enviado pela Schiaparelli só será recebido quando o contato for estabelecido com a Sonda Orbital de Reconhecimento de Marte, da Nasa, horas mais tarde.
Um pouso bem-sucedido será um grande alívio para o programa ExoMars, que tem sofrido com atrasos e problemas de orçamento nos últimos anos.
A Esa terá um encontro entre seus países-membros em novembro, onde os responsáveis pela missão pretendem apresentar resultados positivos da viagem a Marte, além das últimas revisões nos planos para o veículo de exploração espacial.
"Será a última grande reunião de conselho antes do encontro ministerial em dezembro, e queremos deixar o evento com resultados impressionantes", disse o Jorge Vago.