Por volta das 10h desta terça-feira (16), dois meninos de cerca de dez anos conversavam no início da rua Dr. Augusto do Amaral, na Vila Nina, região da Brasilândia. "Vou subir lá encontrar a mãe", disse um deles. "Toma cuidado 'pra' não tomar 'borrachada' nas costas", respondeu o outro. Eles estavam em meio a uma ação de reintegração de posse da Polícia Militar (PM) em um terreno ocupado no local.
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A ação começou por volta das 7h, mas durou mais do que o previsto. Um grupo de moradores se recusou a deixar seus barracos e, usando móveis e utensílios domésticos, bloqueou a única entrada da comunidade. Profissionais contratados pelas autoridades, então, começaram a quebrar o muro para conseguir invadir a área.
"A gente não quer briga. Os policiais ficam falando para a gente sair, mas ninguém tem para onde ir. Nossa coordenadora (líder comunitária) acabou de ir até o fórum. Vamos esperar ela voltar para ver se conseguiu alguma coisa. Temos que ter fé. A única coisa que queremos é continuar em nossas casas", disse Marcela Aparecida Neves, de 25 anos.
Ela contou à reportagem que fica incomodada com o tratamento que os moradores recebem dos vizinhos do bairro e também das autoridades. De acordo com ela, antes da ocupação, o terreno era abandonado e, por conta do mato alto e da água parada, vivia repleto de bichos. Além disso, costumava ser abrigo de usuários de drogas e criminosos.
"Eles acham que somos bandidos. Mas fomos nós que arrumamos isso tudo. Quando chegamos aqui, encontramos mato, ponto de tráfico, bichos. E fizemos disso uma comunidade. O pessoal é unido. Um ajudou a construir o barraco do outro. O mato aqui era enorme, tinha 1 metro de altura. Aí fomos carpindo, carpindo. Tinha uma moradora de rua que dormia com as cobras e os ratos. Nós conseguimos fazer uma casa para ela. Depois que chegamos e nos organizamos, melhorou 100%. Agora só tem gente de família", afirmou.
Marcela vive no local com o marido e três filhos. A única renda da casa é dele, que, como segurança, recebe R$ 700 por mês.
O espaço pertence à Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) e foi ocupado em abril de 2014 por cerca de 450 famílias. Assim como praticamente todos os outros moradores de ocupações da capital paulista, eles dizem não ter conseguido pagar aluguel em suas antigas residências e ter sido obrigados a construir um novo teto.
Durante a ação da PM, um homem que se recusou a sair recebeu um jato de spray de pimenta no rosto. Ele estava com uma filha pequena. Os dois foram socorridos pelos por outros moradores.
Na comunidade moram pessoas com dificuldade de locomoção, incluindo grávidas, idosos e deficientes. E mesmo eles, que enfrentam grandes ladeiras para entrar e sair da região, dizem gostar de morar no local e temer não ter para onde ir se forem obrigados a sair.
"Hoje foi um tumulto. Os PMs chegaram na deselegância, botando desespero em todo mundo. Eu infelizmente não consigo fazer nada, mas a comunidade tem que resistir. Temos que ficar aqui", declarou o cadeirante Fernando Dias, de 33 anos. Ele mora com a esposa e uma filha adolescente. Sua "motoca", como chama a cadeira elétrica que usa para se movimentar, já quebrou algumas vezes por causa do chão irregular. Mas sempre que precisou contou com ajuda de amigos, como o "irmão" Erdinani Felipe, de 23 anos. "Se a gente não se ajudar, ninguém vai", concluiu este último.
Por volta das 11h, os moradores, sem conseguir reverter a situação, começaram a deixar o local. Eles utilizaram caminhões da Prefeitura para tirar os pertences. Uma equipe da AES Eletropaulo também esteve por lá para desligar a energia elétrica.
Procurada, a Prefeitura enviou nota com um posicionamento oficial sobre a ação desta terça. Confira a íntegra:
A reintegração de posse aconteceu em um terreno na região da Brasilândia, localizado entre as ruas Doutor Augusto do Amaral com a Parapuã. A área pertence a Cohab. Em reunião no batalhão da Polícia Militar, ficou definido pelos oficias de justiça que a Cohab, como autora da reintegração, iria fornecer dez caminhões para ajudar na mudança das famílias, duas retro escavadeiras para demolição dos barracos e alimentação. As famílias foram cadastradas em programas habitacionais pela subprefeitura. No local haverá um empreendimento para moradia popular chamado Augusto do Amaral, que está em fase de elaboração de projeto. Serão 300 unidades habitacionais destinadas às famílias que já estão cadastradas e atendem aos critérios de vulnerabilidade social e que foram removidas de áreas de risco.