Temer parte para ofensiva em última chance de salvar mandato

29 mai 2017 - 14h12
(atualizado às 15h18)
Foto: Reuters

Michel Temer tomou neste domingo (28/05) a ação mais explícita para salvar seu mandato. Em meio à crise provocada pela delação da JBS, o presidente decidiu tirar Osmar Serraglio do Ministério da Justiça e colocar no seu lugar Torquato Jardim, que ocupava o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Serraglio deve ser remanejado para antiga pasta de Jardim.

Com pouco experiência em áreas cruciais da Justiça, como segurança pública e administração penitenciária, Torquato Jardim é mais conhecido pela sua atuação de décadas em questões eleitorais. Ele já foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 1988 e 1996 e é reconhecido por ter bom trânsito entre os membros do Supremo Tribunal Federal (STF).

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A troca de cargos promovida por Temer ocorreu justamente a menos de dez dias da retomada pelo TSE do julgamento da ação que pode resultar na cassação da chapa Dilma-Temer 2014.

Semanas atrás, o Planalto estava confiante que o resultado do julgamento seria favorável para Temer ou que a ação seria pelo menos postergada indefinidamente. Com a delação da JBS, que implicou diretamente o presidente, o cálculo parece ter mudado. O meio político aposta que é certo que a chapa agora será condenada.

Restam dúvidas se a presença de uma figura como Jardim em um ministério tao importante poderá mesmo influenciar de alguma maneira o julgamento. Tradicionalmente, a pasta da Justiça é o canal de interlocução entre o Executivo e o Judiciário.

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Influência na Polícia Federal

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Em outra frente, a sua nomeação causa preocupação. Como o ministro da Justiça é o responsável por nomear o diretor-geral da Polícia Federal, já foi levantada a hipótese de que Jardim pretende trocar a cúpula da corporação, justamente em um momento em que o presidente é investigado pelo seu comportamento em relação à JBS.

A nomeação de Jardim já acendeu o sinal amarelo entre os delegados. Em nota, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Policia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, disse "demonstrar preocupação" com a notícia da substituição:

"Os delegados de Policia Federal foram surpreendidos com a notícia da substituição, até mesmo porque desconhecem qualquer proposta de Torquato Jardim para a pasta."

A posição de Sobral é oposta a que ocorreu quando Serraglio foi indicado para o cargo, em fevereiro. À época, a nota do chefe da ADPF parabenizou Serraglio e fez elogios a sua atuação como deputado.

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Segundo o analista político Gaspard Estrada, da Sciences Po, de Paris, a troca do ministro evidencia que Temer se sente acuado. "Não é um presidente que tomou a decisão, mas um investigado pela Justiça que luta para preservar seu mandato", opina. "Ele tenta se preparar para o pior."

Serraglio, um deputado do Paraná ligado à bancada ruralista, raramente aparecia para defender o governo. Citado na Operação Carne Fraca, ele acabou se notabilizando pelas suas críticas a índios. Nos bastidores, era considerado fraco e sem controle sobre a Polícia Federal. Em uma das gravações da JBS, o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), principal promotor da entrada dos tucanos no governo Temer, chamou Serraglio de "bosta" e disse que sua nomeação foi um "erro" de Temer porque o então ministro não nomeou "delegados amigos".

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Cenas do governo Dilma

A troca do ministro da Justiça em um momento de desmoronamento do governo não é inédita. A presidente Dilma Rousseff tomou a mesma decisão no final de fevereiro de 2016, dois meses antes de perder o mandato. À época, saiu José Eduardo Cardozo e entrou Eugênio Aragão. Aragão tinha bastante atuação na área eleitoral, e sua nomeação também foi encarada como um movimento para defender os interesses do governo no andamento da ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE.

Também em comum, esses movimentos trouxeram figuras mais críticas a atuação da PF ou da força-tarefa da Lava Jato. Antes de assumir o cargo, em 2016, Aragão já era encarado como um crítico da operação e sua entrada no ministério foi vista com preocupação pela oposição e por delegados da PF.

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Mas Aragão nunca chegou a trocar a cúpula da PF nos seus dois meses à frente do cargo. Logo ao assumir e passar a ser alvo de críticas, ele tentou assegurar que o delegado-geral, Leandro Daiello Coimbra, permaneceria. Já Torquato ainda não manifestou a mesma preocupação. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo depois da sua nomeação, disse que "vai avaliar" a troca de comando da PF. Quando perguntando sobre como encarava o trabalho da corporação, foi seco: "eu não tenho nenhuma avaliação".

Nos seus 12 meses à frente do Ministério da Transparência, Jardim alterou profundamente os processos internos de escolha de pessoal. Em agosto, ele revogou a exigência de processo seletivo interno para a escolha de ocupantes de cargos de coordenação. Na prática, isso resultou em aumento do poder político do ministro para nomear coordenadores. Ao assumir a Transparência, também exonerou servidores - inclusive dois que cuidavam dos acordos de leniência com empresas investigadas na Lava Jato - e pediu para aqueles que não tivessem "compatibilidade política, filosófica e ideológica (...) com o governo de transição" que deixassem a pasta.

Defesa do governo

Jardim também afirmou em entrevista à Folha que seria "salutar" que outras entidades lancem nomes para disputar a chefia da Procuradoria-Geral da República, o que pode embaralhar o processo de escolha. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) é responsável por indicar uma lista tríplice, que é submetida ao presidente. Temer não é obrigado a escolher alguém dessa lista, mas, desde Lula, o presidente sempre escolheu o primeiro colocado.

O processo deve ocorrer mais uma vez no fim de junho, justamente em um momento que a Procuradoria-Geral pediu ao STF a abertura de uma investigação contra o presidente.

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O novo ministro também já passou a defender abertamente o governo. Sobre o encontro de Temer com o empresário Joesley Batista, que detonou a nova crise, minimizou a coisa toda afirmando: "O presidente é um parlamentar há 24 anos e tem uma conduta de informalidade que é própria de quem é do Congresso."

Em maio do ano passado, o ministro já havia demonstrado ceticismo com os resultados da Lava Jato no combate à corrupção em entrevista a um jornal do Piauí.

"O que mudou com o impeachment de Collor? O que mudou no Brasil depois da CPI do Orçamento, quando os sete anões foram cassados? O que mudou com o mensalão? O que vai mudar com a Lava Jato?", questionou o ministro.

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