Terra de Zumbi dos Palmares lidera em assassinato de negros

Não faltam casos de jovens negros que morreram ou desapareceram durante ações da polícia

20 nov 2014 - 07h31

Na terra do líder negro Zumbi dos Palmares - preso e degolado há exatos 319 anos pelas tropas portuguesas de Domingos Jorge Velho - Alagoas ocupa, mais de três séculos depois, a liderança absoluta no assassinato de negros: são 327,6 mortos a cada 100 mil habitantes no Brasil. Os números são da Anistia Internacional, que na semana passada lançou a campanha "Jovem Negro Vivo", classificando a situação brasileira como de "extermínio".

Pelos números do Ministério da Justiça, a taxa de homicídio de jovens - entre 15 e 29 anos - em Alagoas é de 218 mortes por 100 mil habitantes. Também líder em matança no país. 

Publicidade

E o clima de tensão nas ruas de Maceió aumenta. A família de Davi da Silva, 17 anos, não sabe o paradeiro do jovem negro desde 25 de agosto, quando uma guarnição da Polícia Militar abordou o jovem, às sete e meia da manhã, no conjunto Cidade Sorriso I (parte alta da capital alagoana). Ele carregava uma bala de maconha. Para esconder a droga, colocou-a na boca. O rapaz era gago e, nervoso - dizem as investigações levadas adiante pela Polícia Civil - não conseguia se explicar. 

Obrigado a entrar na viatura, nunca mais foi localizado. A PC trabalha com o pior: ele foi executado pelos PMs. 

“Não sei mais o que fazer, nem a quem recorrer. Meu filho morava comigo e era a única companhia que eu tinha. Sei que ele estava errado quando foi abordado pelos policiais, porque estava com maconha, mas a função da polícia é prender, e não fazer com que uma pessoa desapareça deixando a família aflita”, disse a mãe, Maria José.

A família passou a procurar o jovem e a cobrar posição da PM. Oito militares estão sendo investigados e quatro devem ser indiciados. Há duas semanas, a mãe de Davi foi baleada. O caso é investigado.

Publicidade

No dia 3 de novembro, cinco acusados em crimes foram mortos em confronto com a Polícia Militar no bairro de Guaxuma, área norte da capital. A versão da PM é que havia informação que os jovens - também negros- invadiriam uma mansão e roubariam R$ 200 mil. Dos cinco mortos, dois não tinham histórico de crimes. O delegado Geral da Polícia Civil, Carlos Alberto Reis, nomeou três delegados para o caso, que deve ter o inquérito prorrogado por mais 30 dias. Porque uma das provas é considerada fundamental: o exame residuográfico. Ele vai identificar se os jovens atiraram nos PMs. Ou se houve confronto, versão dos militares.

"Temos dois depoimentos mostrando que foram ouvidos tiros 'mais fracos' e depois 'mais pesados'. Entende-se que os acusados em crimes começaram a atirar, mas isso ainda não é conclusivo", disse um dos envolvidos nas investigações.

Este crime gerou uma onda de protestos nas redes sociais por causa da cobrança por solução do caso. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Daniel Nunes, e o promotor da área militar no Ministério Público, Flávio Gomes, investigam o que aconteceu em Guaxuma. E uma minoria dos militares incentivou a tropa a "não conceder entrevistas a veículos de comunicação que defendem bandidos".

E à medida vigora desde o último final de semana: os militares respondem com o silêncio aos questionamentos dos jornalistas sobre outros crimes, em Maceió.

Publicidade

Uma profissional da imprensa sentiu o "peso" da medida no dia 18. Ao ser assaltada, procurou uma guarnição da Polícia Militar, que disse não poder "fazer muita coisa" para recuperar objetos pessoais furtados na ação criminosa. Na Central de Flagrantes, após registrar Boletim de Ocorrência, ouviu do policial: "Se eu fosse o militar, não correria atrás desse criminoso não. A polícia prende bandido e os Direitos Humanos vão lá para defendê-lo. No final das contas, quem sai de ruim é a gente". 

PMs assassinados

Números da Polícia Militar alagoana mostram que de 2013 até 18 de de novembro 11 militares foram mortos de maneira violenta, que incluem: acidentes de trânsito, suicídio, homicídio ou latrocínio, dentro e fora do serviço. Com ou sem confronto com os bandidos.

Na sexta-feira (14), o cabo da Polícia Militar, Edivaldo Teotonio Gomes, de 46 anos, estava em uma van, a paisana. Identificado por criminosos, foi executado próximo à Polícia Rodoviária Federal, no bairro Tabuleiro dos Martins.

No enterro, críticas à imprensa e pedidos de apoio à sociedade para "o combate ao crime".

Na terça-feira (18), o policial militar Adelson Santos da Silva - baleado com um tiro de escopeta morreu no Hospital Geral do Estado. No dia 3 de novembro, ele parou o carro para trocar um pneu em direção a Maceió, quando foi abordado por criminosos. Segundo testemunhas, o objetivo era eliminar Adelson "porque ele era militar".

Publicidade

"Alagoas está lidando com os reflexos do que se estabeleceu como política de violência estrutural", disse a cientista social Ana Cláudia Laurindo, autora de dois livros sobre a violência alagoana.

"E esta mesma violência estrutura a forma de Governo que temos em questão de política social. Ao invés de executar políticas sociais, temos um Governo que aposta muito mais na execução de pessoas: a polícia mata por ser bandido e há aqueles que que se destroem sem perspectiva. O que se sobressai em Alagoas é a destruição das pessoas. Quem é rico está na zona de conforto, a classe média busca alcançar isso. E o pobre está destinado a morrer ou se matar", explica. 

"A PM que vai à rua é a parte mais discriminada do Estado, porque se confronta com o povo. E deter a violência não é questão exclusiva dela. Temos um Estado que desde a morte de Zumbi dos Palmares funciona assim: exime as suas classes privilegiadas e a opinião pública é incitada a histeria coletiva. Por isso, temos o morticínio", analisa Laurindo.

A tese da cientista social se confirma na prática. Branco e de família tradicional na política alagoana, o deputado estadual Dudu Holanda é processado por arrancar, em 2009, durante uma briga, a orelha do então vereador Paulo Corintho. O caso começou a ser julgado na semana passada pelo Tribunal de Justiça, mas parou porque o desembargador Washington Luiz Damasceno Freitas pediu vistas. Na terça-feira (18), a Assembleia Legislativa decidiu trancar a ação penal contra Dudu Holanda.

Publicidade

Ajudado pelo foro por prerrogativa de função (a antiga imunidade parlamentar), o processo contra ele fica parado até ele perder o mandato. Foi reeleito em outubro para mais quatro anos. Na Assembleia - que reúne parte da elite branca e rica alagoana - há deputados acusados em homicídios, formação de quadrilha, peculato, furto de energia elétrica.

O presidente, Fernando Toledo (PSDB), processado por improbidade administrativa, vai assumir o Tribunal de Contas em janeiro. Também no TC- de elite branca e sobrenomes de destaque local- há conselheiros envolvidos em crimes.

Fonte: Especial para Terra
TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se