Testemunhas ouvidas nesta segunda-feira pela Justiça Federal confirmaram a participação do coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, no sequestro de Edgar de Aquino Duarte, ocorrido em 1973, durante o período da ditadura militar (1964-1985). Duarte permanece desaparecido até hoje.
Ação penal proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em 17 de outubro do ano passado acusa o coronel reformado e os delegados de polícia Alcides Singillo e Carlos Alberto Augusto pelo sequestro qualificado de Duarte. Ustra comandou o Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) de São Paulo no período de 1970 a 1974. Esta é a primeira ação penal com instrução criminal de crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura militar.
Prestaram depoimentos hoje os ex-presos políticos José Damião de Lima Trindade, Artur Machado Scavone e Pedro Rocha Filho. Eles falaram na presença de dois dos três acusados. Ustra não compareceu. Ele alegou doença e morar em Brasília. No entanto, não apresentou nenhum laudo médico.
"(O que ficou claro nos depoimentos foi que) o Edgar foi preso totalmente em uma situação ilegal, clandestina, no Doi-Codi. Não era uma prisão legal, é uma situação clara de sequestro mesmo, porque a prisão dele era clandestina, sem ordem judicial, sem nenhum tipo de acusação formal. Ele nunca pertenceu a grupos armados, nunca participou de luta armada, não tinha nenhuma acusação contra ele", disse o procurador da República Sérgio Suiama, que assina a ação junto com mais seis procuradores.
Segundo o MPF, Duarte ficou preso ilegalmente nas dependências do Doi-Codi e, depois, no Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP) até meados de 1973. Ele era amigo de José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que tinha acabado de retornar de Cuba e com quem passou a dividir um apartamento no centro de São Paulo. A tese do Ministério Público é que Duarte foi sequestrado pelos agentes da ditadura porque conhecia a verdadeira identidade de Cabo Anselmo, que passara a atuar como informante dos órgãos de repressão.
"O Edgar ficou conosco durante alguma coisa perto de, eu imagino, um mês, um mês e meio, em 1972. Ustra nos visitava, ele passava nas celas, ele tinha domínio não só sobre os fatos, tinha domínio sobre o que ocorria lá dentro. O que nós fazíamos, o que era feito conosco ali. Ele tinha poder de ascendência sobre tudo que acontecia lá", disse Artur Machado Scavone, uma das testemunhas.
Durante as investigações, os procuradores encontraram documentos do 2º Exército que atestavam a prisão de Edgar de Aquino Duarte, que ele não pertencia a nenhuma organização política e que atuava como corretor de valores. A tese usada pelo Ministério Público Federal é de que Duarte foi sequestrado e permanece desaparecido, crime que, portanto, não prescreveu e não se encontra sob a Lei de Anistia.
Para o MPF, enquanto não se souber o paradeiro da vítima e o corpo não for encontrado, o crime de sequestro perdura. A Lei de Anistia não se aplicaria ao caso porque os crimes continuaram a ser cometidos após a lei ter sido editada, em 1979.
"Eu não sabia o nome dele, mas me chamou muito a atenção porque várias ocasiões quando os membros do Doi-Codi o chamavam, o chamavam de Ivan (nome de guerra de Edgar), e ele sistematicamente falava, meu nome não é Ivan, meu nome é Edgar de Aquino Duarte. Essa é uma situação inusitada. Disso eu nunca me esqueci, e, anos depois, quando eu fui solto, eu vi a fotografia dele nos jornais como desaparecido político", disse José Damião de Lima Trindade.
"Não resta a menor dúvida de que, entre 17 de fevereiro de 1972, e os 45 dias subsequentes em que estive no Doi-Codi, nesse período, Edgar de Aquino Duarte estava sob a custódia do coronel Carlos Brilhante Ustra, atualmente coronel, naquele tempo major", acrescentou.
Os advogados de defesa tentaram anular a denúncia do Ministério Público alegando inépcia, inexistência de provas, prescrição do crime, obediência hierárquica e ocorrência de anistia. Mas, em outubro deste ano, a Justiça Federal rejeitou essas alegações e determinou prosseguimento da ação penal. As audiências hoje foram conduzidas pelo juiz titular da 9ª Vara Criminal, Hélio Egydio Nogueira.
Carlos Alberto Augusto declarou não conhecer Edgar, e rebateu os questionamentos sobre tortura e assassinatos por partes dos agentes do Estado durante a ditadura. "Vocês jornalistas já foram, desde pequenos, preparados. Mentiram para vocês nas escolas, nas universidades. A verdade vai começar a aparecer agora com os meus depoimentos. São fatos de 1976. Se tivesse ocorrido crime estava prescrito. Depois disso, estão desrespeitando Lei de Anistia. A imprensa que quer me condenar? De jeito nenhum", disse ao fim da sessão.
"Estão me submetendo aqui a essa humilhação de estar sentado no banco dos réus. Tanto a Justiça Federal como os procuradores estão sendo manipulados pelo governo federal", acrescentou.
O acusado Alcides Singillo também negou a participação no sequestro e em tortura e assassinatos. "Sou completamente inocente, não serei preso, não fiz nada. Apenas trabalhei, salvei a pátria do proletarismo, fazendo inquéritos. Tenho orgulho de ser democrata, nunca soube de tortura", declarou.
Amanhã, mais três testemunhas de acusação deverão ser ouvidas: Ivan Seixas, Lenira Machado e César Augusto Teles. Na quarta-feira (11), Maria Amélia de Almeida Teles e Virgílio Egydio Lopes Enei deverão testemunhar sobre o desaparecimento de Duarte.