O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou por volta das 9h30 desta terça-feira o mais importante julgamento de sua história - é a primeira vez que a corte analisa um pedido de cassação contra um presidente da República.
O processo é resultado da unificação de quatro ações movidas pelo PSDB contra a eleição da chapa presidencial formada por Dilma Rousseff (PT) e seu vice, Michel Temer (PMDB), atual presidente do país. Os tucanos acusam a campanha vencedora de ilegalidades e pedem a anulação do pleito de 2014.
Apesar da grande expectativa em torno do início do julgamento, é possível que seu desfecho seja adiado, caso algum recurso da defesa seja acolhido pelos ministros. Confira o que esperar do julgamento:
1) Leitura do relatório
O julgamento estava marcado para começar às 9h. Pode ser interrompido à tarde e retomado durante a noite.
A primeira etapa será a leitura de um resumo do caso pelo relator do processo, ministro Herman Benjamin. O processo inteiro soma quase 8 mil folhas, enquanto o relatório final, encaminhado em sigilo na semana passada por Benjamin aos outros seis ministros da corte, tem pouco mais de mil páginas. A expectativa, porém, é que ele leia uma versão resumida.
Nesse momento, o público saberá quais provas foram levantadas ao longo da investigação conduzida pelo relator, como teor de depoimentos, documentos de testemunhas e resultado de perícias em gráficas da campanha de Dilma e Temer.
Diversos delatores da operação Lava Jato foram ouvidos no processo, entre eles ex-executivos do grupo Odebrecht.
Segundo informações vazadas do processo e publicadas na imprensa brasileira, o relatório deve dar destaque a acusações consideradas mais graves.
Uma delas é o suposto recebimento de propina de R$ 50 milhões da Odebrecht - essa doação, não registrada oficialmente (caixa 2), teria sido repassada em contrapartida à aprovação, em 2009, de uma medida provisória que beneficiava a empreiteira.
Outra é o suposto pagamento de R$ 25 milhões pela Odebrecht a partidos coligados à chapa Dilma-Temer, o que teria configurado compra de aliança em busca de tempo de TV.
2) Sustentações dos advogados e do Ministério Público
Após a leitura do relatório, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, concederá a palavra aos advogados de acusação (PSDB), de defesa (um para Dilma e outro para Temer) e ao Ministério Público, representado pelo vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino. Cada um terá direito a 15 minutos, mas Mendes analisa a possibilidade de autorizar cinco minutos adicionais.
Os advogados de Dilma e Temer negam ilegalidades na campanha. A defesa do presidente pede ainda que sua conduta seja analisada separadamente da de Dilma, tentando assim escapar de uma eventual cassação da chapa - o pleito contraria a jurisprudência do TSE, que considera a eleição do vice indivisível da eleição do cabeça de chapa.
As defesas também apresentaram "preliminares", que são recursos relacionados ao andamento do processo. Esses pedidos serão analisados antes de os ministros votarem de fato sobre a cassação. Se uma ou mais preliminares forem atendidas, o julgamento poderá ser suspenso por dias ou até semanas.
As duas partes pedem a anulação dos depoimentos dos executivos da Odebrecht, sob o argumento de que eles foram chamados a depor após trechos de seus acordos de delação na Lava Jato terem vazados ilegalmente. Além disso, sustentam que as acusações levantadas por essas testemunhas não constavam inicialmente nas ações movidas pelos PSDB, e não poderiam ser incluídas depois.
Os advogados de Dilma pedem ainda que sejam concedidos mais três dias para a defesa analisar o processo. Solicitam também, caso os depoimentos da Odebrecht não sejam anulados, a abertura de novo prazo para que testemunhas de defesa sejam ouvidas para contrapor as acusações desses executivos.
3) Análise das preliminares
Após as sustentações finais, os sete ministros irão analisar os pedidos preliminares da defesa. O relator, Herman Benjamin, negou esses recursos e provavelmente argumentará contra sua aceitação pelo plenário do TSE.
O pedido por mais três dias de análise para a defesa parece ser o que tem mais chances de ser aceito, segundo jornais e mídia.
As quatro ações movidas pelo PSDB foram unificadas em uma Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral). Nesse tipo de processo, a lei prevê que sejam concedidos apenas dois dias para o posicionamento final da defesa, após a conclusão da fase de investigação - o que foi determinado pelo relator.
No entanto, a defesa de Dilma argumenta que, em outros tipos de ações, são concedidos cinco dias. Como o atual processo resulta da unificação de diferentes tipos de ação, afirmam, deveria ser concedido o prazo mais largo.
Se recursos da defesa pedindo mais prazos ou que novas testemunhas sejam ouvidas forem aceitos, o julgamento poderá ser suspenso por dias ou semanas.
Nesse caso, o ministro Henrique Neves não deverá participar da decisão sobre a cassação da chapa, já que seu mandato termina em 16 de abril. O sucessor de Neves será o ministro Admar Gonzaga. Ele é atualmente ministro substituto e já foi nomeado por Temer para se tornar titular, o que segue a tradição da corte.
Já a ministra Luciana Lóssio conclui seu mandato em 5 de maio e em seu lugar provavelmente entrará o hoje ministro substituto Tarcisio Vieira.
Se os ministros decidirem pela anulação dos depoimentos de executivos da Odebrecht, essas informações não poderão ser usadas como provas.
4) Votos sobre a cassação
Caso o julgamento não seja suspenso na análise das questões preliminares, o relator finalmente lerá o seu voto.
Herman Benjamin deve decidir se a campanha de fato cometeu ilegalidades e se elas foram graves o suficiente para justificar a anulação da eleição e cassação da chapa.
Além disso, ele irá analisar se Dilma e Temer são culpados pelas eventuais ilegalidades e devem ficar inelegíveis por oito anos.
O relator pode tanto decidir que apenas um é culpado, que ambos são culpados, ou mesmo que nenhum deles têm responsabilidade - a conclusão poderia ser, por exemplo, que os crimes foram cometidos pelos tesoureiros da campanha, sem o conhecimento dos candidatos.
Após o relator, na sequência votam os ministros Napoleão Nunes Maia, Henrique Neves, Luciana Lóssio, Luiz Fux (vice-presidente do TSE), Rosa Weber e, por último, o presidente da corte, Gilmar Mendes.
Segundo a imprensa brasileira, espera-se que Nunes Maia peça vista do processo, com objetivo de analisar melhor a ação. Isso suspenderia o julgamento. Não há prazo para que o ministro retorne seu voto, mas, em geral, pedidos de vista no TSE duram poucas semanas.
No entanto, após o relator ler sua decisão, mesmo que haja pedido de vista, outros ministros podem antecipar seus votos. Dessa forma, se assim desejarem, Neves e Lóssio poderiam votar antes de deixar a corte devido ao término dos seus mandatos.
5) Quando o julgamento termina e o que acontece se Temer for cassado?
Não há previsão de duração do julgamento. Se ele não for suspenso por algum motivo, o caso continuará sendo analisado nesta semana, em sessões já marcadas para quarta e quinta-feira.
Caso Temer seja cassado, é certo que haverá recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se o Supremo confirmar uma eventual cassação, a própria corte terá que decidir se o sucessor de Temer deve ser escolhido pelo Congresso em eleição indireta ou se haverá convocação de eleição direta, para que a população escolha nas urnas um novo presidente.
Em ambos os casos, o eleito só governaria até 2018, concluindo o mandato de Temer.
A Constituição Federal prevê que, após decorrida metade do mandato presidencial, se os cargos de presidente e vice ficarem vagos, é o Congresso que deve escolher o novo mandatário do país.
No entanto, conforme mostrou a BBC Brasil, há uma ação pronta para ser julgada no STF que pede que o pleito seja direto no caso de a eleição ser anulada pela Justiça Eleitoral, quando faltarem ao menos seis meses para a conclusão do mandato.