TSE estuda adiar eleição municipal a pedido de políticos

Políticos argumentam que eventos preparatórios já serão prejudicados pela epidemia do novo coronavírus e pedem adiamento.

20 mar 2020 - 14h29
(atualizado às 15h02)
Defensores do adiamento argumentam que eventos preparatórios já serão prejudicados pela epidemia
Defensores do adiamento argumentam que eventos preparatórios já serão prejudicados pela epidemia
Foto: Elza Fiúza/ABr / BBC News Brasil

No dia 4 de outubro, os brasileiros deverão ir às urnas para eleger 5.570 prefeitos e quase 57 mil vereadores nas cidades do país.

Agora, a data da frase anterior começa a parecer incerta: com o avanço do número de casos do novo coronavírus no Brasil, políticos de diferentes partidos começam a defender o adiamento do calendário eleitoral.

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Nesta quinta-feira (19), os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recusaram um primeiro pedido deste tipo, para adiar um dos prazos da corrida eleitoral deste ano. Tal mudança precisaria ser aprovada pelo Congresso Nacional, decidiram os ministros.

No entanto, nos bastidores, ministros do TSE já estudam a possibilidade de ter de adiar pelo menos parte do cronograma do pleito, segundo apurou a BBC News Brasil.

Próximo presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso teria perguntado ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre a necessidade de postergar a votação por conta da disseminação do novo coronavírus.

Os dois conversaram brevemente sobre o assunto na segunda-feira (16), quando Mandetta participou de uma reunião sobre a pandemia no Supremo Tribunal Federal (STF).

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Além dos ministros do Supremo, também participaram do encontro os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Mandetta teria sinalizado a Barroso que o ideal seria aguardar mais três ou quatro semanas antes de decidir sobre um possível adiamento das eleições. Barroso assume a presidência do TSE no fim de maio, e comandará a corte durante as eleições deste ano.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o cronograma das eleições envolve, já nos próximos meses, uma série de trabalhos que mobilizam grande quantidade de servidores da Justiça Eleitoral.

A manutenção do calendário normal das eleições poderia colocar estes profissionais em risco, alertam.

Mandetta teria sinalizado ao STF que ideal seria aguardar entre três e quatro semanas antes de definir possível adiamento
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil / BBC News Brasil

Segundo o ministro da Saúde, a projeção atual é que a situação do país comece a se normalizar em agosto ou setembro deste ano — número de casos deve parar de crescer apenas em julho, disse Mandetta no começo desta semana.

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A afirmação do ministro é baseada na experiência de outros países que já passaram pelo surto de SARS-CoV-2.

Nos últimos dias, o número de casos de infecção pelo novo coronavírus têm crescido rapidamente no país. O Brasil já tem 621 casos confirmados de contágio pelo novo coronavírus, segundo o balanço mais recente do Ministério da Saúde.

A doença já estava presente em 23 Estados brasileiros e no distrito federal, e sete pessoas já tinham morrido em decorrência dela — duas no Rio de Janeiro e cinco em São Paulo.

Calendário será mantido por enquanto, diz TSE

Os ministros do TSE tomaram uma primeira decisão sobre o assunto na manhã desta quinta-feira (19) — e a resposta foi a de manter o calendário normal do pleito.

Os ministros responderam a um questionamento feito pelo deputado Glaustin Fokus (PSC-GO). Ele queria saber se era possível alterar o prazo para filiação partidária, que este ano se encerra no dia 4 de abril. Esta é a data limite para quem pretenda ser candidato em outubro estar filiado ao partido político pelo qual concorrerá.

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A atual presidente do TSE, ministra Rosa Weber, disse que este prazo está previsto na Lei das Eleições, de 1997, e não pode ser alterada pelo plenário do TSE — uma mudança deste tipo precisaria passar pelo Congresso.

Rosa Weber também disse que os partidos dispõem de meios alternativos para fazer as filiações: os documentos podem ser entregues à Justiça Eleitoral de forma eletrônica, por exemplo.

Em nota à reportagem da BBC News Brasil, o TSE reafirmou que o calendário eleitoral deste ano "está sendo cumprido e, por enquanto, não sofrerá alterações".

Presidente do TSE, Rosa Weber diz que caberia ao Congresso decidir sobre eventual adiamento das eleições
Foto: Nelson Jr./SCO/STF / BBC News Brasil

O novo coronavírus, no entanto, já afetou pelo menos um evento da Justiça Eleitoral. No começo da semana, o TSE adiou a eleição suplementar para o Senado, em Mato Grosso.

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O pleito era para a sucessão da senadora Selma Arruda (Pode-MT), e estava marcada para 26 de abril.

Conhecida como "Moro de Saias", Selma teve o seu mandato cassado pelo TSE em dezembro de 2019, depois de ser condenada pelos crimes de abuso do poder econômico e "caixa 2" nas eleições de 2018.

Uma nova data para a disputa não foi definida — e Selma continuará no cargo até que seja realizada.

Congressistas pedem adiamento

No Congresso, o deputado do PSC de Goiás não é o único a pedir uma extensão dos prazos. Políticos de diferentes partidos demonstraram preocupação nos últimos dias com os impactos do novo coronavírus nas eleições.

Líder do Podemos na Câmara, o deputado Léo Moraes (RO) diz ter conversado sobre o tema com outros coordenadores de partidos — e afirma que todos estão preocupados.

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"Pelo que o ministro (Mandetta) conversou conosco, nós atravessaremos um período muito delicado de quatro a seis meses. Então todos os atos preparatórios do TSE e dos TREs serão afetados", diz o deputado — ele propõe que a votação seja adiada, no mínimo, para dezembro. O deputado formulou o pedido de adiamento à Justiça Eleitoral.

Além disso, argumenta o líder do Podemos, os cerca de R$ 2 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), mais conhecido como "Fundão Eleitoral" poderiam ser usados para ações emergenciais de combate à epidemia. O mesmo poderia ser feito com cerca de R$ 1 bilhão destinado ao TSE para a organização das eleições.

"Os colegas também imaginam isso, que não teremos eleição na data prevista. Isto é, se se concretizar as informações sobre estes meses de dificuldades no Brasil", diz Léo Moraes.

Especialistas ressaltam que qualquer mudança no calendário eleitoral precisaria de aval do Congresso
Foto: Jane de Araújo/Ag. Senado / BBC News Brasil

Para Daniel Freitas (PSL-SC), o ideal seria postergar tudo, inclusive a própria eleição, por pelo menos 30 dias. "É o que o momento exige. O país parou. A palavra de ordem agora é responsabilidade", diz ele.

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Freitas estava na comitiva da viagem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Miami (EUA), e está em isolamento — ele recebeu o diagnóstico positivo para a covid-19 no começo da semana passada.

"Isso daí (o isolamento) vai enfraquecer o processo democrático. Pessoas que já têm suas estruturas eleitorais montadas; que já têm uma história na política, não estão preocupadas. Mas quem está entrando, quem está começando agora será prejudicado por causa do momento em que o Brasil e o mundo estão", disse ele à BBC News Brasil, por telefone. O deputado também já apresentou um pedido formal sobre isso ao TSE.

O líder do Solidariedade na Câmara, deputado Paulinho da Força (SP), disse ao jornal Folha de S.Paulo que começaria a discutir com outros congressistas as alternativas para adiar o pleito na próxima terça-feira (24).

Mudança depende do Parlamento, dizem especialistas

Marilda Silveira é advogada especialista em direito eleitoral e professora do Instituto de Direito Público (IDP). Segundo ela, a eleição pode começar a ficar comprometida caso as medidas de isolamento se prolonguem até julho, para quando está previsto o registro das candidaturas: até lá, os partidos políticos e a Justiça Eleitoral conseguiriam, em tese, se organizar para realizar as demais tarefas de forma remota.

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Mudar a data do registro das candidaturas seria algo "drástico", diz Marilda.

"Quanto mais você passar o registro (de candidaturas) para a frente, menos tempo de campanha você vai ter. E os políticos já costumam reclamar que o cronograma atual deixa pouco tempo para as campanhas", diz ela.

Segundo ela, uma mudança na data das eleições para algum dia dentro do ano de 2020 (em dezembro, por exemplo), já exigiria a aprovação de uma emenda constitucional — cujo trâmite já exige um número maior de votos de deputados e senadores.

O advogado eleitoral Fernando Neisser aponta uma outra data-chave para as eleições deste ano: no dia 6 de maio, para quando o calendário do TSE prevê o fechamento do cadastro de eleitores de cada localidade — o que dá início a uma série de tarefas que mobilizam grande número de servidores da Justiça Eleitoral.

"É em cima deste cadastro de eleitores que a Justiça Eleitoral começa a preparar uma série de coisas, inclusive os cadernos de votação. A gente não vê, mas é um volume de trabalho manual bastante grande. Todo o processo de conferir, e lacrar este material", explica ele, que é presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

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Portanto, se os servidores da Justiça Eleitoral estiverem recolhidos em casa, esta etapa das eleições pode sofrer atrasos, diz o advogado.

Neisser explica ainda que a Constituição brasileira traz, no Artigo 16, um princípio chamado de "anualidade eleitoral": as regras para a eleição de um determinado ano precisam ser alteradas com, no mínimo, um ano de antecedência.

O objetivo da regra é evitar que as eleições sejam manipuladas "em cima da hora" para favorecer o candidato A ou B. Por causa disso, diz Neisser, qualquer alteração na data do pleito necessitaria de uma mudança na Constituição, a ser aprovada pelo Congresso.

Apesar disso, algumas datas podem ser alteradas por decisão da própria Justiça Eleitoral. É o caso, por exemplo, do prazo para recadastramento biométrico de eleitores.

"Há alguns poucos exemplos como esses, de datas que a própria Justiça Eleitoral pode alterar. Mas tudo o mais depende do Congresso. É lá que está a bola", diz ele.

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