Um ano depois, Marielle continua presente

14 mar 2019 - 07h46
(atualizado às 09h10)

Negra, lésbica e autoconfiante - a política Marielle Franco, assassinada há um ano, tornou-se um símbolo da luta pelos direitos das mulheres e das pessoas LGBT, para desgosto de muitos conservadores brasileiros.Pouco antes do aniversário de um ano do assassinato foi anunciada a tão aguardada novidade no caso da execução de Marielle Franco. Na terça-feira (12/03), a polícia prendeu dois homens (um policial militar reformado e um ex-policial militar), que são acusados de executar Marielle e o motorista Anderson Gomes na noite de 14 de março de 2018, no centro do Rio de Janeiro. Ainda não se sabe, porém, quem está por trás do crime.

Marielle Franco: image da vereadora assassinada virou símbolo em protestos pelo Brasil
Marielle Franco: image da vereadora assassinada virou símbolo em protestos pelo Brasil
Foto: DW / Deutsche Welle

Desde aquela noite, cartazes com a expressão "Marielle presente" se multiplicam em manifestações pelos direitos das mulheres e das pessoas LGBT em todo o Brasil. O retrato de Marielle também pode ser visto em protestos em Berlim, Paris ou Lisboa, em cartazes e camisetas. Naquele 14 de março, uma política quase desconhecida fora do Rio de Janeiro foi morta - e um símbolo nasceu.

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A viúva de Marielle, Monica Benício, escreveu na quarta-feira, na Folha de S. Paulo, que mantém a luta para se sentir próxima de Marielle. "Mas é mais que isso, é não silenciar sobre o que acontece no Brasil. Nosso país mata pessoas, encarcera o povo negro, mata mulheres e LGBTs, violenta crianças e adolescentes. É um país que não reconhece o racismo entranhado na sua história."

Marielle foi, ao longo de dez anos, assessora do político de esquerda Marcelo Freixo, que ficou conhecido pela sua luta contra as milícias formadas por policiais e ex-policiais corruptos nas comunidades pobres do Rio de Janeiro. Há anos que Freixo está sob proteção policial. Em 2016, Marielle foi eleita para a Câmara Municipal, onde atacou a violência desenfreada da polícia e das milícias nas favelas e exigiu mais direitos para as mulheres negras que lá vivem.

Isso cria inimigos, como bem sabe a ex-vereadora de Niterói Talíria Petrone. Ela também foi ameaçada pelas milícias, que dão as cartas na política local. Desde janeiro, ela é deputada federal e uma das quatro representantes negras e oriundas de comunidades pobres, companheiras de luta de Marielle, que foram eleitas em outubro para o Congresso ou a Assembleia Estadual - um caso único na política brasileira.

"Marielle representa a agenda de enfrentar a criminalização e a militarização das favelas, onde o Estado por dia mata dezenas de jovens", diz Petrone à DW. Ela lembra que 70% das pessoas assassinadas no Brasil são negras. "São números do genocídio cometido pelo Estado."

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Além disso, Marielle representa a luta contra a crescente homofobia e o feminicídio. "Então é um conjunto de agendas que Marielle vivia no corpo, como mulher, negra, favelada, socialista, mas também enfrentava na sua luta política."

Em Brasília, Talíria já experimentou o racismo cotidiano. Ela diz que já foi várias vezes barrada no acesso ao Congresso e aos gabinetes dos deputados. A pele escura, o cabelo afro, as roupas coloridas - nos corredores do poder, tudo isso é visto com estranheza, relata.

São experiências que Marielle também teve na Câmara Municipal do Rio. Outros vereadores nem mesmo queriam entrar no mesmo elevador que ela, lembram antigos funcionários do gabinete.

Na terça-feira, Freixo foi interrompido pelo deputado Bibo Nunes, do PSL durante uma homenagem a Marielle no Congresso. Nunes disse rejeitar a violência contra a mulher, "apesar de discordar totalmente da maneira como vivia a Marielle". Ele não detalhou o que, "na maneira como vivia a Marielle", o incomodava.

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Marielle foi difamada pela direita conservadora logo após o seu assassinato e apontada como cúmplice de traficantes. Dois candidatos do PSL destruíram uma placa de rua com o nome da vereadora durante a campanha eleitoral.

Investigações mostram uma estranha proximidade de um do filhos do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, com uma milícia que pode estar envolvida no assassinato de Marielle. O próprio presidente, que é do PSL, defendeu milicianos quando ainda era deputado federal.

Para a pesquisadora em comunicação Ariadne Jacques, a rejeição a mulheres negras em posições de poder tem raízes culturais. "Não se tolera uma mulher combativa, uma mulher que questiona as estruturas do poder."

A imagem de autoconfiança, os discursos combativos e de denúncia e até a aparência - tudo em Marielle contradizia a imagem tradicional da mulher no Brasil. "A mulher tem que ser dócil. É uma cultura que favorece a proliferação de meninas de cabelo louro quase angelical, meninas que parecem inofensivas, que são mais dóceis, mais adaptáveis e seguidoras. É mais para Michelle e Marcela do que Marielle", diz Jacques, em referência à atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e a antecessora, Marcela Temer.

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As duas não se destacaram por suas posições políticas combativas. "Esta cultura não é uma cultura em que a mulher se empodera impunemente. Marielle representava um grande perigo para o poder instituído."

Petrone diz que não se deixa intimidar. "É perigoso viver no Brasil, é perigoso lutar no Brasil, mas nunca foi tão necessário ser firme nesta luta como agora."

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