"Vou poder enterrá-lo com dignidade", diz viúva de Amarildo

Família de Amarildo parece ter reacendido uma chama que estava já apagada

24 jun 2015 - 17h44
(atualizado em 25/6/2015 às 13h37)
A mulher de Amarildo, Elizabeth Gomes da Silva
A mulher de Amarildo, Elizabeth Gomes da Silva
Foto: Ale Silva / Futura Press

Uma possível reviravolta nas investigações sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, em 2013, na Favela da Rocinha, no Rio, voltou a dar esperanças à família do pedreiro. Vítima de tortura e morto por policiais militares que atuavam na comunidade, o corpo de Amarildo nunca apareceu. Para a viúva da vítima, a dona de casa Elizabeth Gomes da Silva, desde o início das investigações, este talvez seja o momento onde eles podem ter mais alento de que o caso será totalmente desvendado. 

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Depois de meses de investigação do Ministério Público, novas imagens de câmeras de segurança obtidas mostram que o corpo do pedreiro pode ter sido levado da favela, na noite do crime, em uma viatura do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), grupo de elite da PM fluminense. Apesar de se tratar apenas de novas possibilidades, a família de Amarildo parece ter reacendido uma chama que estava já apagada. Beth, como é conhecida a esposa, diz que quer encontrar os restos mortais do marido e oferecer a ele um desfecho de história digno. Morando com os seis filhos na mesma casa na Rocinha, ela diz que vai "continuar gritando". Confira a entrevista que ela concedeu ao Terra:

Qual sua expectativa com essas novas revelações?

Olha, a minha ficha ainda não caiu. Mas a expectativa é que pelo menos surge uma esperança pra mim, pros meus filhos e pra família dele. São dois anos sem resposta. Achei que não ia dar em nada. Mesmo eu gritando achei que ia ficar impune. Afinal, gritamos tanto: ‘Cadê o Amarildo?’, todo mundo gritou. Mas a justiça do céu e a justiça do Brasil vão ajudar para que a gente tenha um motivo de paz no coração da nossa família. Se aparecer (o corpo) como estão falando, vamos poder enterrar com dignidade. Ele merece isso. Além de ser um ser humano, ele tem família, ele tem irmãos, sobrinhos....

Desde que surgiu o movimento das ruas denunciando o desaparecimento do Amarildo, este é o primeiro momento seu e da sua família de ter nova esperança?

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Sim, é a primeira vez que tenho uma esperança real. A gente não cala a boca. Somos de gritar pelos nossos direitos, o que não é crime. Tem gente que tem medo. O medo faz as pessoas calarem a boca e eu não sou de calar. Desde que abri o leque, que estava fechado, eu não posso parar. Eu vou até o fim.

Depois de tudo, você se sente segura?

Não. Temos medo de represália. Tanto eu quanto minha família e a família dele. Claro que bate o medo. Mas eu continuo gritando e não tenho medo de gritar. Eu só encarei tudo isso porque meu marido é pai de família. Torturam uma pessoa até a morte, não falam onde botaram, o motivo que fizeram isso... Eu fiquei muito revoltada. Ali eu pensei: tenho que abrir o leque que está fechado. O medo faz as pessoas calarem a boca. É uma coisa impressionante. Você para e pensa: Como pode isso? O ser humano ser tão ruim dessa maneira? Será que essas pessoas não têm mãe, filhos nem pais? A justiça de Deus é grande, tarda mas não falha. Não podemos fazer justiça com as próprias mãos. Eu tenho certeza que meu marido merecia isso (a solução do caso). No Brasil ainda existe uma ditadura. Quantos foram antes do Amarildo? Quantos Amarildos ainda vamos ter?

Como você está vivendo? Segue com a pensão, certo?

Sim, tem a pensão, indenização do Estado. É uma merreca. Mas... pouco com Deus é muito, e muito sem Deus é nada. Recebo um salário mínimo por mês. Só eu que tô ganhando. Meus filhos não recebem nada.

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Quando você olhou as novas imagens das câmeras de segurança pensou que pode mesmo ser o Amarildo?

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Eu não sei... Minha cabeça está tão confusa... Minha filha de 15 anos quando viu, caiu em prantos e falou: ‘é o meu pai’. Eu espero que seja mesmo pra isso acabar logo. Eu acho que pra ter a certeza mesmo se é o corpo dele, tem que pegar pela altura do Amarildo.

No começo chegaram muitas informações extraoficiais sobre algum suposto paradeiro do corpo? Ainda acontece?

Aconteceu muito isso no começo. Teve muita gente, muita suspeita, mas ninguém achou nada. Só a Polícia Civil fez reconstituição (do crime) duas vezes, mas nunca foi achado. Minha família andou a mata toda (na região da Rocinha). É uma coisa simbólica. A justiça do céu e a do Brasil não vão deixar isso barato. Se eu gritei e abri a boca não posso deixar barato.

Você acredita que, depois de abrir esse leque, como você mencionou, acabou virando exemplo pra outras pessoas?

Ah, sim. Viajei pra Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, participei de eventos para comentar sobre (o tema) mulheres em luta. Fui chamada por um grupo para isso. Nesses lugares, encontrei outras mulheres que perderam família, parentes... Casos parecidos, de outros lugares, de fora do Rio, estavam (nessas palestras). Sempre fui muito bem tratada. Meu caso chamou atenção no mundo inteiro.

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Fonte: Especial para Terra
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