Paulistanos da periferia morrem até 23 anos mais cedo que moradores de áreas nobres, afirma Mapa da Desigualdade. No extremo leste da metrópole, idade média ao morrer é menor que a expectativa de vida no Congo. Os poucos 37 quilômetros de distância entre o suntuoso Shopping Iguatemi, na rica região dos Jardins, e a acanhada minipadaria Vieira, no coração do bairro periférico de Cidade Tiradentes, exemplificam a enorme desigualdade social que separa essas duas regiões da cidade de São Paulo.
Os afortunados paulistanos que moravam e morreram nos arredores do luxuoso shopping em 2017 viveram em média 81,58 anos, como se tivessem passado a vida num país como a Áustria.
Nos arredores da pequena padaria, a sorte não sorriu da mesma forma para os moradores da Cidade Tiradentes. Por lá, aqueles que partiram no ano passado não conseguiram nem mesmo alcançar a expectativa de vida que um cidadão da República Popular do Congo, um dos países mais pobres do mundo, tem ao nascer: 59,8 primaveras. Em Cidade Tiradentes morre-se, em média, 1,4 ano antes disso.
"Poucos indicadores explicitam com tanta clareza a desigualdade brasileira quanto a idade média ao morrer, que mostra que, dentro da maior cidade do Brasil, provavelmente a mais rica da América Latina, vive-se e morre-se com tanta disparidade em uma distância geográfica tão pequena", diz Jorge Abrahão, coordenador da Rede Nossa São Paulo, responsável pelo Mapa da Desigualdade 2018.
Lançado nesta quarta-feira (28/11), o estudo faz um mapa amplo das diferenças profundas que separam as áreas ricas e pobres de São Paulo, cuja região metropolitana concentra mais de 10% da população brasileira. Para o levantamento, além da idade média ao morrer, foram compilados outros 52 indicadores, que revelam a profunda desigualdade existente na cidade.
"Todos os indicativos - de renda, de saúde, de educação - quando reunidos, mostram que são capazes de tomar mais de 23 anos de vida de um cidadão. É chocante", afirma Abrahão.
Cidade Tiradentes e a periferia de São Paulo fazem parte de um Brasil de meio século atrás, quando a idade com que se morria no país era equivalente à média de 58,4 anos que os moradores do bairro periférico da capital paulista vivem atualmente.
Hoje, assim como nos anos iniciais da ditadura militar, contribuem para que a idade média ao morrer seja tão baixa indicadores como mortalidade infantil, falta de acesso à saúde básica, saneamento, violência e outras tantas mazelas que matam os cidadãos mais vulneráveis muito antes do que seus vizinhos afortunados.
"Esse é um retrato claro desse Brasil onde falta Estado e onde há pobreza", diz o sociólogo Paulo Silvino Ribeiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas da FESP/SP, que participou da elaboração do Mapa da Desigualdade 2018. "O conjunto de vulnerabilidades a que boa parte dessa população está exposta explica essa diferença brutal na longevidade", diz Silvino.
Uma análise superficial dos dados levantados pela Rede Nossa São Paulo ajuda a entender com mais clareza as razões pelas quais vive-se muito menos na periferia de uma grande cidade como São Paulo. Enquanto na região da Bela Vista, zona central de São Paulo, com grande concentração de hospitais, existem 48,4 leitos para cada mil habitantes, em São Rafael, um distrito vizinho à Cidade Tiradentes, esse número é de 0,04 leito para cada grupo de mil moradores.
Em Arthur Alvim, outro distrito da Zona Leste de São Paulo, a mortalidade infantil atinge 21,34 de cada mil bebês nascidos, uma realidade semelhante à da Coreia do Norte. Já no Socorro, bairro da Zona Sul de São Paulo, esse índice despenca para 2,54, algo como o registrado na Noruega, de acordo com as Nações Unidas.
Tantas mortes de bebês talvez possam ser explicadas pelo incrível número de mulheres que não realizam o pré-natal de forma adequada nos bairros periféricos. Em Moema, bairro nobre de São Paulo, apenas 4,17% das mães de bebês nascidos em 2017 não realizaram ao menos sete consultas com um obstetra durante a gestação. No Itaim Paulista, na periferia da Zona Leste paulistana, esse percentual dispara para 31,2%.
Números como esses se repetem à exaustão - e não apenas na área da saúde. As disparidades se espalham por cultura, habitação, educação e violência.
"Acho que a conclusão a que podemos chegar, analisando os dados de uma cidade tão representativa quanto São Paulo, num espaço territorial tão pequeno e com diferenças tão profundas, é que há um planejamento para a concentração de renda", diz Abrahão, da Rede Nossa São Paulo, que reúne mais de 700 organizações da sociedade civil.
"Acho que fica claro que, ao final, o que vemos é o Estado defendendo interesses privados em detrimento dos interesses públicos. Essa desigualdade absurda que vemos em todo o país surge, em grande medida, disso", diz ele.
Tanto Abrahão quanto Silvino veem o futuro com pessimismo. Para eles, a tendência é que a situação piore no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, que já deu sinais claros de que que combater a desigualdade não é uma de suas prioridades.