O escândalo provocado pela Operação Carne Fraca, que na semana passada apontou fiscalização irregular em frigoríficos brasileiros, pode significar um duro golpe para a economia brasileira - e a concorrência sul-americana acompanha atenta.
Segundo divulgou o governo brasileiro nesta quarta-feira (22/03), as exportações de carne já despencaram dos usuais 63 milhões de dólares por dia para 74 mil dólares, enquanto compradores observam o desfecho do escândalo.
Até agora, Japão, México e Hong Kong, maior importador de carne bovina do Brasil, suspenderam totalmente a importação de carne brasileira. China, Chile, Suíça e União Europeia (UE) também anunciaram restrições a importações.
Eventuais fechamentos de mercados para o Brasil podem beneficiar diretamente os outros três grandes exportadores de carne bovina da região: Paraguai, Uruguai e Argentina.
Embora seus principais compradores sejam Rússia, China, Japão e EUA, o volume de negócios que a UE tem com os países produtores de carne é suficientemente alto para que o bloco se converta em um objetivo a ser conquistado, caso Bruxelas decida fechar as portas à produção brasileira.
"Se Argentina e Paraguai forem capazes de reagir, acredito que vão sair ganhando com isso. É uma oportunidade para se recuperar, no caso argentino", afirma Anna Ayuso, pesquisadora do Barcelona Centre for International Affairs (Cidob).
Novos horizontes
Segundo estatísticas da Comissão Europeia, em 2015 a UE comprou quase 360 milhões de euros em carne in natura da Argentina, 210 milhões de euros do Uruguai e somente 11 milhões de euros do Paraguai. Este se concentrou em vender sua produção a Rússia e Chile e em realizar convênios com empresas como a Qatar Airways, que serve em seus voos carne de origem paraguaia.
Na UE, os principais destinos da carne produzida pelos três países sul-americanos são Alemanha, Holanda, Itália e Reino Unido. Embora a Argentina seja o maior vendedor de carne in natura à Europa, no âmbito mundial sua posição no ranking caiu, ficando atrás de Brasil, Paraguai e Uruguai.
"A Argentina tem tido, inclusive, problemas de abastecimento interno nos últimos anos, devido à má gestão do governo, que proibiu as exportações e, com isso, perdeu força no mercado internacional", salienta Ayuso. Por isso, esta janela aberta pela crise no Brasil poderia ser muito importante.
As exportações de carne argentina, de fato, já tiveram um aumento de 177% em janeiro de 2017, em comparação com o ano anterior, graças ao impulso de compras dos mercados chinês, israelense e europeu. E este novo cenário internacional abre mais expectativas.
"O que pode acontecer é que, caso se concretize o fechamento às importações do Brasil na China e na União Europeia, será gerada uma demanda de carne nesses importadores, que seguramente vão recorrer a outros vendedores. Isso representa uma oportunidade para a Argentina", afirmou o diretor executivo da Associação de Frigoríficos e Industriais da Carne (Afic) da Argentina, Daniel Urcía, em entrevista ao jornal argentino Día a Día.
O Uruguai, por sua vez, já trabalhava para fortalecer sua participação no mercado europeu antes da crise da carne brasileira. No próximo 29 de março, as autoridades do país vão se reunir em Bruxelas com representantes da UE para abordar a possibilidade da adoção de uma cota especial de exportação de carne sob tarifa zero.
O Paraguai aposta em abrir seus mercados, visando se tornar o quinto maior exportador do mundo. Para isso, participará de feiras do setor de alimentos em Dubai, Israel, Taiwan, Rússia e Alemanha.
Crise sistêmica
No entanto, para além das boas notícias para a concorrência direta do Brasil no mercado de carnes, Ayuso alerta para um possível efeito negativo para o país e a região.
"Este escândalo deteriora a imagem do Brasil e o enfraquece não apenas para negociar com a União Europeia no âmbito das reuniões para o acordo comercial Mercosul-UE, mas também como um país líder na América Latina", afirma.
"Creio, porém, que isso da carne vai passar. Ainda mais grave é a crise política, que vem de um problema sistêmico no Brasil. Porque o que aconteceu agora foi devido a fiscalizações que não foram respeitadas. A carne é um sintoma a mais do que está acontecendo no país", conclui.