Deputados federais do PSL contrataram com dinheiro público da Câmara escritórios de advocacia que também prestam serviços para eles próprios em causas particulares. O Estado identificou que, dos 19 escritórios de advocacia contratados por esses congressistas com recursos da cota parlamentar, 11 são compostos por advogados que atuam ou já atuaram em causas privadas dos deputados. Nas causas particulares, os parlamentares alegam que utilizaram recursos do próprio bolso.
No domingo, o Estado revelou que 20 dos 53 deputados da bancada do partido do presidente Jair Bolsonaro gastaram verba da cota parlamentar em empresas que não funcionam nos endereços registrados em notas fiscais. A reportagem identificou um salão de beleza, lava a jato e lojas fechadas nos locais informados.
Os parlamentares do PSL foram eleitos com um discurso de renovação na política e moralidade nos gastos públicos. A cota parlamentar, mensal, varia de 39.503,61 a R$ 44.632,46, dependendo do Estado dos deputados. Eles contratam os serviços e depois apresentam notas à Câmara, para serem reembolsados. Podem pagar por advogados para prestar consultoria jurídica apenas relacionada às suas atividades no Congresso.
Na área de consultoria, o PSL foi o partido que mais gastou com advogados em 2019. Os parlamentares emitiram 73 notas fiscais em nome de escritórios de advocacia, que totalizaram uma despesa de R$ 768,1 mil aos cofres públicos. Desse total, mais da metade (R$ 423,8 mil) foi gasta em escritórios que já possuem vínculos com os deputados, conforme processos levantados pela reportagem em tribunais.
Em março, Dayane Pimentel (PSL-BA) contratou o escritório Bahia & Teles para atuar na área criminal contra o vereador David Salomão dos Santos Lima, do PRTB de Vitória da Conquista. Ela ingressou com ação na 3.ª Vara Criminal acusando Lima de imputar "fatos ofensivos" à sua honra.
Dois meses depois, Dayane contratou o mesmo escritório, por R$ 16 mil, agora utilizando recursos públicos, sob a alegação de que a firma prestou consultoria a ela sobre a reforma da Previdência. As notas fiscais apresentadas descrevem o serviço de forma genérica. A deputada nega que tenha utilizado a verba da Câmara para pagar os advogados pela atuação em causa privada. Ela não participou de nenhuma das duas comissões da Câmara que discutiram o projeto: a Especial e a de Constituição e Justiça. Nem mesmo apresentou qualquer emenda ao projeto que foi aprovado.
Eleito por Mato Grosso do Sul, Loester Trutis apresentou à Câmara notas num total de R$ 200 mil emitidas pelo Agneli & Andrade Advogados. São oito recibos, entre fevereiro e setembro, em valores que vão de R$ 12 mil a R$ 31,5 mil. No escritório atuam os advogados Fábio Coutinho de Andrade e Jozacar Durães de Angelli, que defendem o deputado em causas na 5.ª Vara do Trabalho de Campo Grande. Empresário do ramo de restaurantes, ele foi processado por quatro ex-funcionários.
Trutis nega ter utilizado recursos públicos para essa finalidade. Disse que contratou os mesmos advogados, com verba da Câmara, para prestar consultoria e auxiliá-lo em suas atividades na Casa. "Sou presidente em duas frentes parlamentares, com mais de 300 deputados. Teria direito a servidores, mas abri mão para terceirizar. Sai mais barato do que contratar. Estou até sugerindo para outros deputados fazerem o mesmo."
Já o deputado Felipe Francischini (PSL-PR) apresentou notas no valor total de R$ 80 mil em nome do advogado Manoel de Arruda Junior, que, segundo sua assessoria, "atua para a família Francischini" há mais de seis anos. O deputado, no entanto, diz que o dinheiro pago é para que o advogado o subsidie na atuação à frente da Comissão de Constituição e Justiça.
"Suas atribuições vão desde confecção de proposições legislativas à elaboração de proposituras de autoria quanto de relatorias. Acompanham o parlamentar tanto em reuniões e audiências internas no gabinete e na presidência da CCJ, quanto em agendas externas", informou a assessoria do deputado Francischini.
O deputado Delegado Pablo (PSL-AM), por sua vez, contratou três escritórios diferentes com dinheiro da cota parlamentar. Já gastou R$ 28 mil. Um dos beneficiados foi o escritório de Roque Lane Wilkens. O advogado também atua em ação particular para o político que corre no TRE do Amazonas. Delegado Pablo não respondeu aos contatos da reportagem.
Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas, diz que esse tipo de gasto é uma das práticas que mais dão margem para caixa 2. "Se for necessário assistência jurídica dentro do mandato, o parlamentar pode recorrer à estrutura da própria Câmara. Não era para ser necessário consultoria. Isso dá margem para caixa 2. Se é algo particular não pode ser pago com dinheiro público. O dinheiro público tem que ser vinculado ao interesse da sociedade."
Castello Branco vê como "brecha na legislação" a possibilidade de contratação de escritório de advocacia para prestação de consultoria parlamentar. "Por isso, é que os partidos se interessam tanto por manter esses serviços. O escritório registra essa atividade, mas não presta serviço algum e há a possibilidade de o dinheiro voltar para o bolso do parlamentar."