Ao receber no nesta segunda-feira (11) o prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2019, concedido pela Associação Nacional dos Jornais, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, defendeu a liberdade de expressão e repudiou tentativas de interferência do poder público na atuação dos veículos de comunicação. Em vídeo gravado para a cerimônia - o ministro não pode comparecer à solenidade no Rio de Janeiro -, Celso de Mello lembrou que a imprensa livre é um pilar para qualquer democracia.
"Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa, na exata medida em que esse direito, por traduzir uma prerrogativa inalienável dos cidadãos, não pode sofrer restrições nem limitações de qualquer ordem, especialmente quando impostas pelo Estado e por seus agentes", declarou o ministro.
Celso de Mello disse também que, no Supremo, sempre buscou proteger a liberdade de expressão e de imprensa. Segundo ele, a possibilidade de criticar o poder público e fazer eventuais denúncias é essencial para a liberdade dos jornalistas. Sua prática, afirmou, "não pode ser comprometida por interdições censórias ou por outros artifícios estatais utilizados para coibi-los".
Para o decano, o País não pode retroceder nos avanços conquistados pela democracia. "O peso da censura, ninguém o ignora, é algo insuportável e absolutamente intolerável", afirmou. "Por isso, não podemos - nem devemos - retroceder nesse processo de conquista e de reafirmação das liberdades democráticas."
Ele afirmou que o País vive "um momento em que vozes autoritárias se insurgem contra a liberdade de expressão" e criticou o governo do presidente Jair Bolsonaro. "Temos que nos insurgir contra tentativas, ensaios autoritários que buscam suprimir essa liberdade natural que deve conviver com sociedades fundadas com bases genuinamente democráticas."
A homenagem ao decano aconteceu na Conferência Digital Media LATAM, da Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA, na sigla em inglês). Vice-presidente da ANJ, o presidente do Grupo Estado, Francisco Mesquita Neto, participou da cerimônia, ao lado de Miriam Leitão, colunista de O Globo; Marcelo Rech, presidente da ANJ; e Fernando de Yarza López-Madrazo, presidente da WAN-IFRA. O Prêmio ANJ é concedido anualmente pela Associação Nacional dos Jornais. Celso de Mello foi escolhido por causa das muitas decisões favoráveis às liberdades de imprensa e de opinião que tomou desde seu ingresso no Supremo, em 1989.
Obstáculos à imprensa
Em discurso, Mesquita Neto ressaltou que o jornalismo e a liberdade de imprensa sempre enfrentaram resistência no Brasil. Ele citou a impunidade, que estimula crimes contra jornalistas, e decisões judiciais equivocadas, que favorecem a censura, como obstáculos ao trabalho dos veículos de comunicação.
"A entrega desse prêmio é sempre uma oportunidade para refletirmos sobre a liberdade de imprensa no país. Infelizmente tem sido também um momento em que constatamos as dificuldades e obstáculos com que nos defrontamos", disse Mesquita Neto.
Mesquita Neto lembrou também que o jornal O Estado de S. Paulo foi vítima de censura durante o Estado Novo, nos anos 1940 do século passado, e a ditadura militar, nos anos 1970. Então diretor do Estado, Júlio de Mesquita Filho foi preso pelo governo de Getúlio Vargas e teve que partir para o exílio em dois momentos do regime. O jornal ficou sob intervenção da ditadura getulista por cinco anos e meio, entre 1940 e 1945.
A ANJ listou, entre os casos que justificam a concessão do prêmio a Celso de Mello, a posição do ministro contrária ao episódio protagonizado pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), na última Bienal do Livro, no início de setembro. Crivella mandou recolher revistas em quadrinhos que mostravam um beijo entre dois personagens masculinos. Na ocasião, o ministro repudiou a atitude do prefeito do Rio e afirmou que a censura aos livros era um "fato gravíssimo".
Mello também é conhecido por criar uma jurisprudência consolidada em relação à liberdade de imprensa. O ministro assumiu sua cadeira na Corte um ano após a promulgação da Constituição de 1988.