O que estão compartilhando: vídeo em que um homem afirma que o café vira um "veneno" depois de ficar 20 minutos em uma garrafa térmica. O autor da gravação diz que "se você tomar esse café, você não vai ter vida, você vai ter morte". Ele argumenta que isso ocorre porque, após esse período, a bebida começa a oxidar e deixa de ser café puro.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Três especialistas ouvidos pela reportagem desmentem a alegação de que o café se torna tóxico, podendo levar à morte, se armazenado em uma garrafa térmica por mais de 20 minutos. Conforme os entrevistados, o processo de oxidação da bebida pode resultar em alterações sensoriais, como mudanças no sabor e no aroma, mas essas mudanças não tornam o preparo um "veneno".
O autor do post foi procurado pela reportagem via contato disponível em seu site, mas não respondeu.
Saiba mais: o vídeo foi publicado por uma conta que oferece "mentoria em saúde" e foi visualizado 8,4 milhões de vezes no Instagram até segunda, 20. O autor da alegação não apresenta qualquer fonte para a afirmação, como estudos científicos, por exemplo.
Oxidação resulta em mudanças de aroma e sabor
A pesquisadora Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, afirma que armazenar o café em garrafa térmica por mais de 20 minutos é uma prática comum nas casas brasileiras e não há registro de que isso tenha levado alguém à morte. "Essa é uma informação completamente inventada", disse.
Ela explica que o café preparado passa pelo processo natural de oxidação, uma reação química sofrida pela bebida em contato com o ar, mas que isso é completamente normal. "Na dieta brasileira, o café é o alimento com maior concentração de antioxidantes que a gente consome regularmente, então esse processo não vai ser um negócio absurdo, de oxidar tudo de uma vez e estragar", explicou.
Segundo Laura, o processo só altera o gosto do café. "A oxidação é simplesmente uma reação química que pode acontecer tanto pro bem quanto pro mal. Em alguns casos, o café pode até ficar melhor, em outros casos ele vai ficar com o gosto de café velho", completou.
Conforme ela, na oxidação, moléculas reagem com o oxigênio do ar e formam outros compostos. "Vamos exemplificar: ao invés de ser um composto com aroma de chocolate, vai ser um composto com aroma de queimado. No paladar, isso vai dar uma sensação desagradável, mas não tem absolutamente nada de tóxico", declarou.
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Ideal é consumir o café em duas horas
O mesmo diz o engenheiro químico Ensei Neto, especialista em café e colunista da Paladar. Ele acrescenta que testes em laboratório com garrafas de excelente qualidade demonstraram que o ideal é manter o café armazenado, em média, duas horas. Significa que a bebida vai ser prejudicial à saúde após esse período? Ensei diz que não: apenas ocorre a perda sensorial devido ao processo de oxidação.
"Quanto maior for o espaço vazio dentro da garrafa, maior vai ser a possibilidade de você ter essa oxidação. O que ela provoca nada mais é do que uma alteração de sabor, deixando de ser tão bom para ser menos agradável", explicou.
O engenheiro químico explica que o café pode, inclusive, ser preparado em um recipiente não térmico, como num jarro de vidro, e ser bebido aos poucos. Da mesma forma como é preparado o café gelado, por exemplo.
É recomendado escolher bons equipamentos e ter atenção à higiene
O doutor Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), também garante que a oxidação do café não é um processo tóxico. "Em uma garrafa térmica adequada ele não se torna um veneno. Ele pode perder alguma qualidade, mas não significa que vai se tornar um veneno. Ninguém vai morrer tomando o café depois de 20 minutos que ele foi feito", disse.
Para tentar diminuir as perdas sensoriais da bebida, o médico orienta utilizar recipientes adequados, herméticos, térmicos e com aço inoxidável, além de evitar aquecer o café depois de preparado. Para a segurança da saúde, orienta atenção às práticas adequadas de higiene e evitar o consumo de bebidas muito quentes.
