O que estão compartilhando: que a boxeadora argelina Imane Khelif, medalhista de ouro na Olimpíada de Paris 2024, foi banida "para sempre" de competições esportivas, perdeu títulos - incluindo a medalha olímpica - e um prêmio de US$ 25 milhões após exames médicos apontarem que ela seria um homem.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Uma postagem que viralizou no Facebook se baseia em um texto com alegações inventadas, publicado em um suposto site de notícias baseado no Vietnã. A publicação cria declarações e as atribui ao presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, à própria Imane Khelif e a personagens fictícios. Não foi encontrada nenhuma notícia de que a pugilista argelina tenha perdido seus títulos ou premiações em dinheiro. Em nota, o COI disse que "não há absolutamente nenhuma verdade nestas alegações".
Saiba mais: Imane Khelif é uma boxeadora argelina de 25 anos de idade. Ela conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos Paris 2024 na categoria até 66 kg. Sua participação na competição começou a gerar polêmica na primeira luta, quando derrotou a italiana Angela Carini. A adversária desistiu da disputa aos 46 segundos de combate.
Após o confronto, veio à tona que a Associação Internacional de Boxe (IBA) havia decidido banir Khelif de suas competições por ela, supostamente, ter sido reprovada em um "exame de gênero". O presidente da Associação, o russo Umar Kremelev, disse que ela tinha os cromossomos XY. Ele não disse qual teste foi realizado e não apresentou o suposto resultado.
Imane cumpriu os requisitos exigidos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para disputar as Olimpíadas. O COI não contou com a organização da IBA por causa de desconfianças quanto a questões de governança, éticas e financeiras. Durante os jogos, Imane foi alvo de uma campanha frequente de desinformação e ódio que diziam que ela seria um homem.
Um suposto relatório médico foi divulgado para alegar que Imane Khelif seria do sexo masculino. O Estadão Verifica checou o conteúdo e mostrou que o documento não é capaz de chegar a esta conclusão. O médico citado no relatório negou a autoria à imprensa. Um porta-voz do COI já disse ao jornal britânico The Guardian que a pugilista prepara uma ação judicial contra o site que veiculou o relatório. O COI vem tomando medidas contra relatos recentes.
Declaração atribuída ao presidente do COI é falsa
Não há notícias ou registros públicos de que o presidente do COI, Thomas Bach, tenha dito que Imane Khelif "não atende aos requisitos para competir na categoria feminina", como alega falsamente a postagem checada. A única vez em que Bach fez uma declaração pública sobre o assunto, ele defendeu a participação de Imane e da taiwanesa Lin Yu-ting, também alvo de desinformação, nos Jogos Olímpicos (confira abaixo).
"Vamos ser bem claros aqui. Estamos falando de boxe feminino. E temos duas boxeadoras que nasceram como mulheres, que foram criadas como mulheres, que têm um passaporte como mulheres e que competiram por muitos anos como mulheres. E essa é a definição clara de uma mulher. Nunca houve qualquer dúvida sobre o fato de elas serem mulheres. O que estamos vendo agora é que alguns querem se apropriar da definição de quem é uma mulher. E eu só posso convidá-los a apresentar uma nova definição, com base científica, de quem é uma mulher. E como alguém que nasceu, cresceu, competiu e tem um passaporte como mulher não pode ser considerado uma mulher?", disse Bach.
O vídeo da declaração está disponível no canal do USA Today:
Não foram encontrados registros de que Imane tenha feito as declarações citadas na postagem checada.
Imane Khelif não perdeu títulos nem premiação de US$ 25 milhões
Também é falso que a boxeadora argelina tenha sido banida do esporte, perdido os títulos conquistados na carreira, a medalha olímpica e uma premiação em US$ 25 milhões. O texto investigado erra ao dizer que a atleta teria perdido a medalha de ouro conquista em Tóquio (Japão), e não a de Paris (França). Na realidade, Khelif ficou em 5º lugar em sua categoria nos jogos de Tóquio 2020, disputados em 2021 por conta da pandemia, não levando medalha. O ouro foi conquistado em Paris.
Em outubro deste ano, a Organização Mundial de Boxe (WBO) negou boatos de que havia banido a atleta. "O relatório alegando que a WBO baniu Khelif é obviamente falso. Não tivemos nenhuma comunicação com Khelif. Nós a parabenizamos e desejamos sorte em todos os seus empreendimentos futuros", disse o consultor jurídico da organização, Gustavo Olivieri. Ele negou que ela tenha perdido a medalha: "Ela trabalhou duro para ganhar essa medalha", completou.
Este ano, a premiação prevista para a dona da medalha de ouro na categoria de Khelif era de US$ 50 mil. Após a italiana Angela Carini abandonar a luta contra Khelif aos 46 segundos, o presidente da IBA anunciou que daria a ela o prêmio de campeã olímpica.
O que já checamos sobre o temaLutadora argelina é alvo de campanha de desinformação nas redes; entenda o caso
Alvo de desinformação, boxeadoras são de categorias diferentes e não vão competir entre si por ouro
Relatório não indica que Imane Khelif é do sexo masculino; médico negou autoria à imprensa
Postagem tem relato de personagens que não existem
O texto contém declarações de supostos personagens que teriam saído em defesa da pugilista argelina, mas eles são fictícios. Não foram encontrados registros de que haja uma comentarista esportiva chamada Rachel Adams. O mais próximo disso é uma atleta de vôlei dos Estados Unidos chamada Rachael Adams. Ela não se manifestou sobre o caso de Imane Khelif.
Não há uma "acadêmica líder em estudos de gênero e desporto" chamada Susan Harrington. A única médica localizada com este nome é do departamento de Patologia Clínica da Cleveland Clinic. Não foi possível encontrar nenhum posicionamento seu com relação ao caso de Imane.
Também não foi encontrada uma atleta transgênero defensora da inclusão nos esportes chamada Lena Sanchez. A única atleta com este nome é uma fisiculturista norte-americana. Não há nenhum indício de que ela seja uma mulher transgênero ou tenha se manifestado sobre o caso.
Apesar de o conteúdo verificado ter sido publicado em 3 de dezembro, uma alegação parecida foi desmentida em setembro deste ano pelo Observador, de Portugal.