O que estão compartilhando: médico afirma que a Cleveland Clinic, centro médico e de pesquisa americano, emitiu um comunicado dizendo que haverá uma onda de mortes por miocardite nos próximos cinco anos, impulsionada pela vacinação em massa.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A Cleveland Clinic não emitiu comunicado sobre uma onda de mortes. Ao Verifica, o centro médico afirmou que as alegações sobre miocardite e mortes em massa são falsas e carecem de base científica. A clínica acrescentou que pesquisas mostram que a infecção pela covid traz mais riscos para o coração do que a vacinação. Dois cardiologistas consultados pela reportagem disseram o mesmo.
Procurado pelo Verifica, o autor da postagem falsa, o médico José Nasser, afirmou que enviaria dados da Cleveland Clinic que provariam sua alegação, o que não ocorreu até a publicação desta checagem. Ele apagou o post após o contato.
Saiba mais: Publicada por uma conta verificada no Instagram, a postagem acumulou 2,9 mil curtidas e 2,5 mil compartilhamentos diretos desde o dia 12 de novembro. O perfil tem cerca de 89 mil seguidores.
Na descrição da postagem, Nasser afirma que a Cleveland Clinic emitiu um comunicado alarmante sobre os potenciais riscos associados às vacinas de RNA mensageiro (mRNA) contra a covid-19. "Em uma atualização em seu site, o renomado centro médico indicou que uma onda de mortes pode ocorrer em decorrência da miocardiopatia, uma inflamação do músculo cardíaco que pode afetar aqueles vacinados", escreveu.
Uma pesquisa pelas palavras-chave da alegação levou a reportagem a um texto publicado pelo portal Slay News, com o mesmo título usado pelo médico brasileiro, mas em inglês. O site já havia publicado conteúdos falsos sobre vacinação, desmentidos pelo Verifica e por agências de checagem internacionais.
O site antivacina usa dados sobre expectativa de vida de pacientes diagnosticados com miocardite para afirmar que, nos próximos cinco anos, uma onda de óbitos atingiria pessoas vacinadas contra a covid-19.
Cleveland Clinic disse que uma onda de mortes em massa acabará com a vacina em 5 anos?
Isso não é verdade. O texto do portal Slay News se baseia na página sobre miocardite mantida pela Cleveland Clinic, revisada pela última vez em 2022. A página da clínica informa que, em casos raros, foi detectada miocardite em jovens que receberam as vacinas Pfizer-BioNTech ou Moderna para covid-19. O centro médico explica que a maioria das pessoas que têm essa reação se recupera rapidamente após o tratamento e pode retornar às atividades normais.
A clínica reforça que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos considera que a covid-19 apresenta um risco maior do que a vacina e recomenda a imunização. É importante lembrar que os efeitos colaterais mais comuns da vacina são leves, como dor de cabeça e febre. Os dados disponíveis indicam que a vacinação contra covid é muito segura.
Em resposta ao Verifica, a Cleveland Clinic negou a existência de qualquer comunicado em seu site que aponte para uma possível onda de óbitos por miocardite relacionada às vacinas da covid-19. De acordo com a clínica, "pesquisas demonstraram que contrair o coronavírus é um fator de risco maior para complicações relacionadas ao coração, incluindo a miocardite, do que a vacina".
É falso que remédios suramin e ivermectina eliminem vacina contra covid do corpo
Post distorce estudo científico para alegar que crianças vacinadas morrem mais que as não vacinadas
O que dizem os especialistas?
O cardiologista Maico Furlanetto, do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, explicou que vacinas de RNA mensageiro foram associadas a um risco de miocardite, especialmente em homens jovens, na faixa etária de 18 a 24 anos, após a segunda dose. No entanto, a chance de uma pessoa desenvolver miocardite por conta da infecção por covid-19 é 140 vezes maior quando comparada às vacinas de mRNA. Por isso, explicou ele, não há nenhuma recomendação para limitar a aplicação dos imunizantes ou indicar qualquer mudança nas políticas de vacinação.
Segundo o cardiologista Felix Ramires, do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a maioria dos casos de miocardite decorrente das vacinas de mRNA era "autolimitada". Ou seja, o paciente tinha uma recuperação rápida.
Um posicionamento do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia reforçou que a taxa de miocardite associada à covid-19 excede a taxa observada com as vacinas na maioria dos levantamentos populacionais. A exceção são homens mais jovens -- mas, em comparação com as taxas de mortalidade e de hospitalização da infecção pelo vírus, o benefício geral da vacina supera o risco de miocardite.
A entidade destacou que indivíduos infectados pelo vírus têm risco aumentado para outras condições cardiovasculares que não estão descritas como eventos adversos da vacinação. "As vacinas contra covid-19 são seguras e seus benefícios superam em larga escala os riscos de efeitos adversos relacionados", diz o documento.
O que são as vacinas de mRNA?
Os imunizantes que utilizam da tecnologia do mRNA simulam o mesmo processo de exposição ao coronavírus, mas sem causar a doença, ao ensinar as células do corpo humano a sintetizar a proteína spike, que é própria do vírus. Assim, o sistema imune se prepara para combater o vírus caso ele entre em contato com o corpo.
Como explicado recentemente pelo Verifica, na aplicação de qualquer vacina, a pessoa imunizada pode experimentar alguns efeitos colaterais, que são sinais de que o corpo está construindo proteção. São considerados normais os efeitos leves a moderados, como febre baixa ou dores musculares, que desaparecem dentro de alguns dias.
Os efeitos adversos graves são considerados raros. No caso da vacina de RNA mensageiro, incluem um risco baixo de ocorrência de miocardite e pericardite (inflamação do pericárdio, membrana que envolve o coração). A bula da vacina que lista os possíveis efeitos adversos pode ser consultada no site da Vigilância Sanitária.
O médico brasileiro que fez a publicação aqui checada é conhecido por disseminar desinformação para atacar as vacinas. O Verifica já checou outras alegações dele, como quando ele distorceu um estudo científico para alegar que crianças vacinadas morrem mais que as não vacinadas e quando disse que os remédios suramin e ivermectina eliminem vacina contra covid do corpo.