Líder religioso islâmico não disse que mulheres devem ser tratadas como animais; vídeo foi editado

RELIGIOSO FAZIA CRÍTICAS A LIVRO QUE COMPARAVA MULHERES A CAVALOS, CAMELOS E BURROS; NA FALA COMPLETA, ELE AFIRMA QUE ESSE PENSAMENTO NÃO TEM BASE NO ISLÃ

22 out 2024 - 10h00
(atualizado às 14h04)

O que estão compartilhando: vídeo em que líder religioso do islã diz que mulheres são animais, como cavalos, camelos e burros, e que Deus as criou para serem usadas pelo homem.

Diretor religioso da Fambras desmente que a religião islâmica associe mulheres aos animais.
Diretor religioso da Fambras desmente que a religião islâmica associe mulheres aos animais.
Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O vídeo foi editado para parecer que o religioso se referia às mulheres como animais; na verdade, ele criticava essa ideia, que parece ter sido difundida por um pesquisador em um livro. Quem aparece no vídeo é Sayyid Sadiq Shirazi, uma autoridade islâmica xiita. O vídeo completo, sem edições e com legendas em inglês, foi compartilhado em canal no YouTube destinado a publicar conteúdos sobre o líder xiita. Vale ressaltar que o Alcorão, o livro sagrado para os muçulmanos, não compara mulheres a animais.

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Saiba mais: Vídeo publicado no Instagram apresenta discurso de um homem que compara mulheres a animais. Sobreposto ao conteúdo, um texto diz que aquilo é "como o Islã vê as mulheres". A peça original está em persa, mas há legendas em inglês e um trecho da fala foi traduzido para o português. A origem do idioma e a tradução foram confirmadas por meio da ferramenta de inteligência artificial do Estadão, Leia (saiba mais em nossa Política de IA).

Quem aparece no vídeo é Sayyid Sadiq Shirazi, uma autoridade islâmica xiita. No trecho viral, ele diz: "Estas (as mulheres) são como as vacas e as ovelhas, são animais, mas Deus os criou para serem usados pelos homens. Ele criou estas mulheres na forma de seres humanos, caso contrário, elas seriam como as vacas e as ovelhas, e também como os cavalos, camelos e burros". A repercussão causou revolta nos comentários: "Abominável isso! É a religião do amor assim como o governo do amor!", escreveu uma usuária. Outros comentários reproduziam discurso de ódio contra a religião islâmica.

Posts enganam ao afirmar que líderes islâmicos ao lado de Alckmin em foto foram mortos por Israel

No entanto, a fala foi tirada de contexto. Por meio de busca reversa de imagens (veja aqui como fazer) encontramos uma republicação dessa mensagem no YouTube. A tradução deste vídeo mostrou que, na realidade, o líder religioso estava criticando um estudioso que comparou mulheres aos animais; segundo Shirazi, uma distorção da religião muçulmana.

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A republicação apresenta a inscrição "MarjaeyatTV", um canal no YouTube destinado a divulgar conteúdos de Sayyid Sadiq Shirazi. No canal, há o trecho completo desta parte da mensagem, com legendas em inglês. O título diz: "A crítica do Grande Aiatolá Shirazi aos ditos estudiosos islâmicos". Fica claro que o líder religioso estava se referindo a uma citação e que ele faz críticas ao que foi dito. A fala completa, traduzida para o português é:

"Para onde vão aqueles que se desviam da Ahl al-Bayt (a família do Profeta)? Uma pessoa, em um livro que leva o nome de um famoso estudioso, cujo livro foi publicado e distribuído como um texto islâmico, traz essa ideia. Ele diz o seguinte:

'Deus, abençoado e exaltado, criou diferentes tipos de animais. Ele criou um tipo de animal para servir de meio de transporte para as pessoas, como cavalos e camelos. Estes são animais quadrúpedes que as pessoas usam para suas viagens. Outro tipo de animal que Deus criou é para servir de alimento para as pessoas, como vacas e ovelhas, que Deus criou como fonte de sustento. E há outro tipo de animal que Ele criou, que são as mulheres. Elas são como vacas e ovelhas, são animais, mas Deus as criou para o uso dos homens, apenas para que os homens não fiquem assustados. Ele as criou à semelhança dos seres humanos, caso contrário, elas seriam iguais às vacas, ovelhas, cavalos e camelos.'

Um estudioso, autointitulado islâmico, traz esse ponto de vista em seu livro, que é até ensinado em alguns círculos acadêmicos. As mulheres, que o Alcorão tanto respeita ao dizer: 'Criamos para vocês companheiras a partir de vocês mesmos, para que possam encontrar conforto nelas' (Alcorão 30:21).

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Deus disse que as mulheres foram criadas a partir dos homens e não têm diferença em essência. (...) Mas quando uma pessoa se desvia da Ahl al-Bayt, acaba fazendo tais afirmações, dizendo que as mulheres são como camelos, vacas e ovelhas, e que Deus apenas não as criou assim para que os homens não ficassem assustados. Que tipo de lógica é essa? Que interpretação é essa? Qual é o raciocínio por trás disso? Quando uma pessoa se afasta da Ahl al-Bayt, ela se inclina para tais interpretações".

Ideia difundida em vídeo não tem base no Alcorão, livro sagrado para muçulmanos

O Sheikh Ali Momade, diretor religioso da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras) confirmou ao Verifica que não há no Alcorão ou nos ensinamentos do profeta Muhammad nenhuma citação de que mulheres sejam semelhantes aos animais: "É um trecho que não existe nas nossas fontes. Nem no Alcorão nem nos ditos do profeta Muhammad, que são as únicas fontes que nós podemos encontrar declarações de Deus", explicou.

O diretor religioso da Fambras explica que segundo o Alcorão, que é o livro sagrado para os muçulmanos, Deus fez a mulher a partir da própria espécie do homem. Não há citação a espécies diferentes ou provenientes de animais - como afirma o vídeo aqui checado. Ainda segundo Ali Momade, o mandamento é que as mulheres sejam tratadas com "amor e piedade".

"O profeta Muhammad ordena os homens a tratarem bem as mulheres", disse. "O profeta, portanto, repudia o uso da violência da força, do machismo, digamos assim, da masculinidade hegemônica. O profeta reprova o uso dessas forças todas", afirmou.

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"Infelizmente existem pessoas que se dizem religiosas e que fomentam e fazem apologia ao ódio, a intolerância religiosa e trazem mais problemas para nossa sociedade" acrescentou o líder da Fambras.

O Estadão Verifica já desmentiu um texto com alegações falsas sobre o islamismo e que posts nas redes enganam ao afirmar que líderes islâmicos ao lado de Alckmin em foto foram mortos por Israel.

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