O que estão compartilhando: que a internação e as cirurgias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram um teatro, já que não é comum alguém passar por cirurgias no cérebro e um cateterismo invasivo na artéria femoral e estar andando no dia seguinte. O autor do vídeo acrescenta que, se aconteceu uma cirurgia, houve "falta de higiene" por parte do hospital por não raspar o cabelo do paciente e questiona se a pessoa operada foi mesmo Lula.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Embora o autor do vídeo use algumas informações verdadeiras sobre as cirurgias feitas no presidente nos dias 10 e 12 de dezembro, ele mente ao dizer que um dos procedimentos é invasivo e agressivo e que a recuperação, com o paciente andando no dia seguinte, não seria possível.
O Verifica conversou com especialistas em neurocirurgia e na intervenção médica em questão, chamada de embolização cerebral. Ambos afirmam que a recuperação do presidente ocorreu dentro do esperado e que os procedimentos foram realizados com sucesso. O Hospital Sírio-Libanês disse que todas as informações oficiais constam nos boletins médicos e nas coletivas de imprensa.
O autor do vídeo se apresenta nas redes sociais como pastor, advogado, professor, palestrante, radialista e comunicador. Ele foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta checagem.
Saiba mais: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi submetido a um tipo de craniotomia (operação para acessar o cérebro) no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, no dia 10 de dezembro. Na véspera à noite, ele sentiu dores de cabeça e passou por exames na unidade do mesmo hospital que fica em Brasília. Após ressonância magnética, foi constatada uma hemorragia intracraniana e a equipe médica decidiu que a cirurgia deveria ser feita na capital paulista.
O termo técnico para a cirurgia pela qual o presidente passou na madrugada do dia 10 de dezembro é trepanação - um tipo menos invasivo de craniotomia. Segundo o médico Mauro Suzuki, da equipe do Sírio-Libanês, neste procedimento, são feitas pequenas perfurações no crânio.
"São orifícios pequenos por onde foi introduzido, no caso, um único dreno", explicou. "É um procedimento padrão em neurocirurgia. Não é uma abertura, uma violação do crânio importante, e cursa, geralmente, uma cicatrização espontânea sem necessidade de nenhuma intervenção futura para fechamento".
A previsão inicial era que a alta ocorresse no início desta semana, o que de fato ocorreu.
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Alta é comum em poucos dias, dizem especialistas
Na entrevista coletiva em que falou sobre a primeira cirurgia, a equipe médica do Sírio-Libanês disse que, se tudo transcorresse bem, Lula deveria receber alta no início desta semana. A alta ocorreu no domingo, 15, no sexto dia após a internação.
O neurocirurgião Wuilker Knoner Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), explica que é comum que pacientes recebam alta em poucos dias após o procedimento feito por Lula, uma drenagem de hematoma subdural.
"Normalmente, o paciente tem alta no terceiro dia, isso já é uma prática comum", afirmou. "No dia seguinte, os pacientes que fazem isso, que chegam acordados no atendimento, vão sair acordados e vão sair melhores ainda".
"Existe até a possibilidade do paciente que chegou em coma sair acordado no dia seguinte e três dias depois receber alta", acrescentou. "Esse é um milagre da medicina, o milagre da neurocirurgia de se tirar pressão de dentro da cabeça".
No vídeo analisado pelo Verifica, o autor do conteúdo chega a questionar se o presidente tinha realmente feito o procedimento, alegando que o hospital não raspou a cabeça para a cirurgia. No entanto, em entrevista concedida ao Fantástico, da TV Globo, logo após receber alta, Lula mostrou que parte da sua cabeça estava raspada, com curativos (a imagem aparece aos 10 minutos e 40 segundos da reportagem).
Wuilker Knoner Campos, da SBN, afirma que o procedimento feito no presidente exige apenas pequenos furos no crânio, de modo que não é preciso raspar muito o cabelo.
"É uma pequena incisão e realmente não precisa raspar muito o cabelo para quem tem pouco cabelo, como é o caso do presidente", explicou. "Então se faz apenas uma pequena vez, só um pequeno trilho de uma incisão de mais ou menos 5 cm".
Ele afirma que, em muitos dos casos, a raspagem não fica aparente.
Procedimento a partir da da veia femoral é pouco invasivo
Outra alegação feita pelo autor do conteúdo é que, primeiramente, foi divulgado que o presidente estava bem, mas depois se decidiu fazer um novo procedimento, um cateterismo. O homem que aparece no vídeo diz que essa segunda intervenção médica é invasiva e agressiva: "A pessoa fica com dores na coxa, a pessoa fica com roxidão na coxa, não sai andando, um idoso de 79 anos, rápido, como o Lula está andando, mais rápido que o médico. Isso não existe".
Especialistas questionados pelo Verifica disseram que, pelo contrário, o procedimento é pouco invasivo e pouco agressivo; é perfeitamente normal que o paciente ande dentro de 24 horas. "Isso é o normal", explicou o neurorradiologista intervencionista Renato Tosello. "O problema é que a nossa área é pouco divulgada, então, muita gente não tem conhecimento do que acontece. O anormal seria o contrário: fazer isso e não estar bem no dia seguinte".
São profissionais da área dele que fazem o procedimento chamado de embolização cerebral, pelo qual o presidente passou no dia 12. A intervenção ocorreu dois dias após a trepanação para drenagem de um hematoma subdural, localizado na membrana que reveste o cérebro, a dura-máter. No caso de Lula, a embolização foi feita pelo neurorradiologista intervencionista José Guilherme Caldas.
"Da parte da neurorradiologia intervencionista, é dos procedimentos mais simples, é minimamente invasivo", explicou Tosello. "É um mínimo furinho de 2 ou 3 milímetros feito na artéria femoral, que segue até a carótida externa e atinge a meníngea média, onde se forma o hematoma".
Ele acrescenta que, pelo cateter inserido na veia femoral, se passa uma microguia que faz o cateterismo da artéria meníngea. "A partir disso, nós injetamos micropartículas de contornos irregulares de um polímero, um agente químico que vai entupindo as artérias que vascularizam o local onde se formou o hematoma", disse.
Esse procedimento reduz em até 30% as chances de formação de um novo hematoma, o que seria mais grave. Por isso, o fato de o presidente ter passado pela embolização cerebral após a craniotomia não significa que as coisas não foram bem no primeiro procedimento. Pelo contrário, esta é a conduta correta: são dois procedimentos complementares.
O neurocirurgião Wuilker Knoner Campos, da SBN, acrescenta que a recuperação do presidente após a embolização está dentro do previsto. "Todo cateterismo exige apenas 24 horas de repouso para não poder mexer a perna", disse. "Depois disso, o paciente é liberado para poder andar, sim, sem problemas. Não vejo porque não acreditar nessa recuperação do paciente. É bem comum fazer a embolização e receber alta, poder caminhar no dia seguinte".
De acordo com os boletins médicos do Hospital Sírio-Libanês, Lula fez uma embolização cerebral na manhã do dia 12 de dezembro e caminhou pelos corredores da unidade médica na manhã do dia 13.