Relatório feito por congressistas americanos não prova que Bolsonaro 'tinha razão' sobre covid

DOCUMENTO CITADO EM POSTAGEM CONTÉM INFORMAÇÕES FALSAS SOBRE VACINAS E MÁSCARAS; ATÉ O MOMENTO, TEORIA MAIS ACEITA É QUE VÍRUS TERIA ORIGEM ANIMAL

16 dez 2024 - 17h20

O que estão compartilhando: que um relatório mostrou que a covid vazou de um laboratório de Wuhan, na China, o que prova que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava certo sobre a origem do vírus.

Teoria mais aceita é de que vírus tenha passado de animais para humanos, diz especialista.
Teoria mais aceita é de que vírus tenha passado de animais para humanos, diz especialista.
Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O relatório em questão foi produzido por um subcomitê do Congresso dos Estados Unidos e foi apresentado por parlamentares republicanos. O documento contém informações falsas sobre vacinas e máscaras, que já foram desbancadas por órgãos de saúde e estudos científicos.

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Ainda não se sabe ao certo a origem do SARS-CoV-2, que causa a covid. Até hoje, a teoria mais aceita pela comunidade científica é a de que o vírus teria passado de animais para humanos.

Saiba mais: Uma postagem publicada no Instagram reproduz a manchete de uma notícia publicada pelo portal americano Fox News. O título diz que um relatório concluiu que o vírus da covid-19 foi criado em um laboratório na China e que o isolamento social não tinha comprovação científica. Sobreposto ao conteúdo, um texto afirma que "Bolsonaro tinha razão" quanto à origem do vírus.

A postagem omite que o relatório reproduz teorias contestadas pela comunidade científica. O documento, produzido por congressistas, é político, e não científico.

O que é e o que diz o relatório de republicanos dos EUA

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O subcomitê do Congresso americano foi formado para investigar as origens da covid-19 e as possíveis falhas das políticas públicas dos Estados Unidos durante a pandemia. O grupo era composto por 16 parlamentares, divididos entre republicanos e democratas. O trabalho do subcomitê levou dois anos.

Em 2 de dezembro, os integrantes republicanos publicaram um relatório de 520 páginas. Segundo o presidente do subcomitê, Brad Wenstrup, foram feitas 38 entrevistas e 25 audiências ou reuniões. Anthony Fauci, principal autoridade pública no combate à pandemia, foi um dos ouvidos pelo subcomitê.

O documento (disponível aqui) reúne afirmações que não são amparadas pela comunidade científica. Por exemplo, a de que as vacinas não teriam sido eficientes e causariam mais "mal do que bem" e de que não haveria "evidências conclusivas de que as máscaras protegeram contra a doença".

Em contrapartida, os membros democratas publicaram um relatório diferente (disponível aqui). Os democratas acusaram os republicanos de "desperdiçar" dois anos que poderiam ser usados em preparação para uma nova pandemia e afirmaram que os rivais políticos "difamaram os cientistas e autoridades de saúde pública" do país. Para os democratas, o relatório republicano seria um esforço para encobrir a "resposta desastrosa" do ex-presidente Donald Trump à pandemia.

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Quais alegações falsas estão contidas no relatório

Muitas das teorias listadas no relatório republicano foram desmentidas por estudos e entidades médicas. Confira abaixo pontos falsos ou enganosos no documento.

"O distanciamento social não foi eficaz, nem teve embasamento científico".

Falso. Um artigo publicado na revista médica The Lancet concluiu, após revisar 44 estudos observacionais, que medidas como distanciamento físico de 1 metro e uso de máscaras faciais reduzem significativamente a transmissão do vírus da covid-19. O documento, financiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tinha o intuito de servir como guia para a formulação de políticas sobre as estratégias.

A médica Fernanda Grassi, imunologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explica que o intuito do isolamento é diminuir o número de pessoas que se infectam ao mesmo tempo. Na ausência de uma vacina, é uma medida eficaz.

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"(O distanciamento) não aumentou o excesso de mortalidade", explicou. "O que aumentou foi o fato das pessoas adoecerem todas ao mesmo tempo. Houve um colapso do sistema de saúde em várias regiões que adotaram tardiamente as medidas de isolamento social".

"Não há evidências conclusivas de que as máscaras protegeram contra a covid".

Falso. O uso de máscaras foi recomendado pela OMS durante a pandemia com base em evidências científicas. Atualmente, a organização entende que o uso de máscara reduz a propagação de doenças respiratórias e faz parte de um pacote de medidas de prevenção e controle da covid-19. Como mostrou uma checagem feita pelo Comprova, a OMS destaca que a utilização do item serve para evitar a infecção e a transmissão de doenças respiratórias e é amplamente recomendada por especialistas.

Um estudo citado pelo Comprova, publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostrou que uma pessoa não vacinada sem máscara a uma distância de até três metros de outra pessoa infectada pelo covid-19 e também sem máscara pode levar menos de cinco minutos para contrair a doença. Os resultados garantem a importância do uso do item de proteção numa situação de calamidade, como foi a pandemia.

"A vacinação obrigatória não foi apoiada pela ciência e causou mais mal do que bem".

Falso. Pesquisas científicas comprovam que o imunizante salvou vidas em todo o mundo. Um estudo do ano passado publicado na revista Journal of the Royal Society of Medicine mostrou que as vacinas contra a covid-19 protegem contra a hospitalização e morte. A proteção continua mesmo que a taxa de anticorpos medida no sangue apresente uma queda após seis meses - o que é considerado natural por especialistas. Indivíduos com a vacinação em dia também têm menor risco de morte pela doença em comparação aos não vacinados. O estudo foi realizado na Inglaterra, com dados obtidos pelo Sistema de Notificação de Paciente de Covid no país.

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No Brasil, o Ministério da Saúde considera que os benefícios da vacinação superam os riscos. Todas as vacinas ofertadas pelo Programa Nacional de Imunizações, como é o caso da covid, são seguras e possuem autorização de uso pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

"As crianças provavelmente não contribuíram para a disseminação da covid-19, nem sofreram com doenças graves ou mortalidade".

Enganoso. Durante os primeiros anos da pandemia, as crianças eram consideradas menos propensas a transmitir o coronavírus (aqui e aqui). No entanto, elas passaram a ser mais afetadas pela doença à medida que a taxa de vacinação nesse grupo etário diminuiu. Em março deste ano, foram 48 mortes de crianças ou adolescentes. Eram, em média, três mortes a cada quatro dias no país por complicações da covid.

Crianças e adolescentes são a maioria entre os não vacinados. Segundo médicos especialistas ouvidos pelo Estadão, a doença está se tornando cada vez mais uma "doença pediátrica", devido ao número significativo de casos graves nesse grupo.

O que se sabe sobre a origem do vírus da covid

Desde a crise sanitária causada pela covid-19, cientistas tentam descobrir o que poderia ter originado o vírus. Segundo Fernanda Grassi, da Fiocruz, a teoria mais aceita entre a comunidade científica é a de que o vírus tenha passado de animais para humanos.

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"Isso é uma coisa que acontece muito frequentemente", indicou. "(O vírus) tem uma origem animal e por conta do contato muito próximo entre os homens e esses animais, eles acabam quebrando a barreira de espécie e passando de uma espécie para outra. E isso acontece frequentemente com vírus respiratórios. A gripe, o HIV e a zika são exemplos disso".

A teoria de que o vírus teria sido criado em laboratório é divulgada desde o início da pandemia, mas não foi comprovada até o momento. Em junho do ano passado, um artigo no New England Journal of Medicine mapeou as investigações iniciadas desde 2020 e confirmou que "a maioria das evidências científicas identificadas até agora apoia a emergência natural" do vírus.

Segundo o artigo, mais da metade dos primeiros casos registrados de covid-19 foram conectados ao mercado de Huanan, na China. Além disso, um mapeamento epidemiológico revelou que havia concentração de casos no local.

Conforme mostrou o Comprova, o material genético dos primeiros casos de covid-19 na China constatou a presença de DNA animal. Isso é mais uma evidência de origem zoonótica.

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A revista científica Nature publicou neste mês que o virologista Shi Zhengli mostrou que nenhum dos vírus armazenados nos freezers do Instituto de Virologia de Wuhan eram ancestrais do vírus da SARS-Cov-2. Shi liderava uma pesquisa sobre a família de vírus do coronavírus quando os primeiros casos de covid-19 foram relatados. Isso motivou teorias de que a doença teria vazado, intencionalmente ou acidentalmente, do laboratório de Shi.

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