O que estão compartilhando: vídeo em que a médica e deputada federal Mayra Pinheiro (PL-CE) afirma que a decisão de incluir as vacinas infantis para covid-19 no calendário oficial não foi baseada em dados científicos de segurança e eficácia. O conteúdo foi compartilhado nas redes sociais do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que escreveu, no post, que "efeitos negativos (da vacina) superam amplamente qualquer eventual efeito positivo de prevenção".
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: os políticos enganam ao afirmar que as vacinas para covid-19 são "experimentos" e que os riscos de imunização na faixa abaixo dos cinco anos são maiores que os benefícios.
A vacinação contra a doença continua sendo recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e os benefícios são muito maiores que os riscos. Conforme o Ministério da Saúde, a vacina contra a covid-19 para crianças é segura e contribuiu para a redução do número de casos graves, hospitalizações, mortes e para o fim da pandemia global.
O órgão informa que a aplicação segue recomendações da OMS, embasadas em estudos científicos que comprovam eficácia e segurança. "Todas as vacinas ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) cumprem critérios rigorosos de qualidade e têm aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além do Brasil, a vacinação infantil é recomendada em mais de 60 países", informou a pasta.
A Anvisa acrescentou que as vacinas contra a covid-19 passaram por estudos clínicos e análises rigorosas antes de serem aprovadas. Segundo o órgão de vigilância, classificá-las como "experimentos" é incorreto.
Dois especialistas em imunização e pediatria ouvidos pela reportagem reforçaram haver consenso entre a comunidade científica de que as vacinas são seguras e eficazes.
A deputada federal que fez as alegações e o senador que as repercutiu foram procurados, mas não responderam até essa publicação.
Saiba mais: a fala da deputada federal foi gravada durante reunião da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, realizada em 27 de novembro, para tratar da inclusão da vacina da covid-19 para crianças de até cinco anos no PNI.
O evento foi presidido pela deputada Julia Zanatta (PL-SC), autora do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 486/2023, que pretende suspender a Nota Técnica do Ministério da Saúde que incorpora as vacinas contra a covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação Infantil, pelo PNI, para crianças de 6 meses a menores de 5 anos de idade. A medida está em vigor há quase um ano, desde 1º de janeiro.
A inclusão da vacina para essa faixa etária no PNI a torna obrigatória. Como explicado pelo Estadão Verifica anteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou ações relacionadas à possibilidade de o Estado determinar a vacinação compulsória contra doenças infecciosas. Os ministros decidiram que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina. Assim, o Estado pode determinar a vacinação compulsória contra a covid-19. Nenhum cidadão é vacinado à força, mas quem recusa a vacinação pode sofrer com medidas restritivas previstas em lei, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e fazer matrícula em escola.
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Como informado mais de uma vez pelo Verifica (aqui e aqui) e pelo Ministério da Saúde, as vacinas aprovadas contra a covid-19 passaram por estudos clínicos de fases 1, 2 e 3 e foram testadas em um grande grupo de participantes para confirmar eficácia e segurança em uma amostra representativa da população. O processo seguiu as mesmas etapas de qualquer outro imunizante ou medicamento. Além disso, elas continuam sendo monitoradas na fase 4, de farmacovigilância.
"Todos os medicamentos passam por isso e, após os estudos clínicos, uma vez demonstradas segurança e eficácia, são colocados em uso", explicou o pediatra infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. "Aí vem os estudos de farmacovigilância, ou de fase 4, que é depois da vacina implementada, ou seja, o monitoramento do seu uso, da sua segurança e da sua efetividade em alta escala no mundo real".
Conforme a Anvisa, a aprovação do imunizante infantil Comirnaty, da Pfizer, foi fundamentada em análises rigorosas conduzidas pela agência. "Todas as vacinas em uso no Brasil, seja para covid ou para outras doenças, seguem o mesmo rito de exigência para sua demonstração se segurança e eficácia", informou.
De acordo com o órgão, o processo avaliou detalhadamente os dados de segurança, eficácia e qualidade apresentados pelo fabricante. Além disso, para garantir que a decisão fosse fundamentada nos mais altos padrões científicos, a Anvisa contou com a colaboração de especialistas de sociedades médicas, que analisaram os dados apresentados pela fabricante.
A rapidez na aprovação das vacinas contra o coronavírus costuma ser um dos motivos utilizados por desinformadores para atacar os imunizantes. Contudo, a pediatra Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que, em relação às vacinas contra o coronavírus, essa agilidade ocorreu devido ao cenário emergencial provocado pela pandemia, e não por terem sido puladas etapas.
"O que foi diferente em relação à covid-19 não foram os cuidados, mas sim a colaboração nunca antes vista entre todos os países, todos os órgãos regulatórios e as indústrias, que se juntaram", explicou. "Se juntaram universidades, pesquisadores e laboratórios. A questão da emergência pública fez com que aquela situação fosse colocada na frente de qualquer coisa".
Ela destaca que este cenário também permitiu grandes investimentos em pesquisas e promoveu a colaboração de voluntários. "Uma das maiores dificuldades para o pesquisador é o investimento e demora, inclusive, conseguir os voluntários", lembrou. "Com a covid, as pessoas queriam entrar nos estudos para poder se vacinar, porque não tinha vacina. As pessoas estavam ansiosas por se vacinar".
Kfouri complementa que a pandemia forçou uma mudança nas estratégias de pesquisa com intuito de se obter resultados mais ágeis. Houve, por exemplo, a sobreposição de fases das pesquisas e antes mesmo de finalizada a fase 3, laboratórios já se equipavam e começavam a produzir as doses com o intuito de fornecê-las rapidamente caso fossem aprovadas.
"É uma coisa que nunca se fez", apontou. "Ninguém vai começar a produzir vacina sem saber se os estudos vão culminar em uma substância eficaz e segura, mas na pandemia se correu riscos de todos os lados. Isso acelerou bastante o processo".
Ele acrescenta que, apesar de ter havido flexibilização de prazos, tanto das agências regulatórias como da sobreposição das fases para estudos, não se abriu mão da qualidade e da seriedade das pesquisas.
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Kfouri explica que a população pediátrica é desproporcionalmente acometida pela covid-19. Segundo ele, a covid-19 em adultos e idosos tem risco de internação, hospitalização e morte é maior. Mas isso não significa que a vacinação infantil deva ser ignorada. "(As crianças) se infectam da mesma maneira, porém o risco de forma grave é muito desproporcional", disse.
De acordo com o pediatra, na comparação entre a infecção pelo coronavírus e outras doenças na mesma faixa etária, o coronavírus se torna uma preocupação. "O mais justo seria comparar a covid-19 em crianças com as outras doenças infantis", afirmou. "Nesse cenário, a covid-19 continua sendo um problema importante na pediatria, porque você tem mais hospitalizações por essa doença do que por influenza, por exemplo, que é a gripe".
De acordo com ele, no Brasil, depois da faixa dos 80 anos de idade, os menores de um ano são os mais internados por covid-19, em um empate com idosos com idades entre 60 a 80. Esses dados, explica, basearam a inclusão dos imunizantes para crianças no PNI.
Distribuição de vacinas do PNI
Em setembro, uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) apontou que seis a cada 10 municípios brasileiros informaram falta de vacinas para imunizar a população, principalmente as crianças. Conforme a entidade, o levantamento foi produzido entre os dias 2 e 11 de setembro e contou com a participação de 2.415 municípios.
Ao Verifica, o Ministério da Saúde alegou nesta quinta, 5, que não há desabastecimento de vacinas no Brasil. Conforme a pasta, em outubro foram distribuídas 1,2 milhão de doses contra a covid-19 para todos os estados, com mais 8 milhões previstas para entrega ainda este mês. O quantitativo integra o contrato de 69 milhões de doses, que vai garantir abastecimento pelos próximos dois anos.
A médica Mayra Pinheiro foi secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde durante o governo de Jair Bolsonaro, na época da pandemia, e ficou conhecida como "Capitã Cloroquina" por ter defendido o chamado "tratamento precoce" contra a covid-19. Trata-se de um conjunto de medidas sem comprovação científica para tratar o vírus que inclui o uso de medicamentos como cloroquina e ivermectina. Ela já foi alvo de outras checagens do Verifica (aqui e aqui).