Ciência animal: O instinto de caça que faz cães e gatos gostarem tanto de brincar de buscar

Cerca de 80% dos cães e 40% dos gatos vão buscar, segundo um novo estudo. A domesticação transformou os métodos de caça desses carnívoros em um jogo.

18 set 2024 - 09h58
Throw it for me! Purple Collar Pet Photography/Moment, via Getty Images
Throw it for me! Purple Collar Pet Photography/Moment, via Getty Images
Foto: The Conversation

Cães de todos os tamanhos gostarem de brincar de buscar objetos é um lugar-comum mesmo para quem não é tutor de um deles. Mas os gatos também gostam de participar desse tipo de brincadeira. Apesar de terem estilos muito diferentes de caça e divertimento, o ato de buscar parece combinar elementos de comportamento predatório e social para ambas as espécies.

Em resumo, as histórias de domesticação e comportamentos naturais de cães e gatos são muito diferentes, mas eles compartilham várias semelhanças. Ambas as espécies são predadoras e, paralelamente, capazes de desfrutar de ricas experiências sociais e convivência conosco.

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Em nosso estudo publicado recentemente, descobrimos que mais de 40% dos gatos descritos nos dados brincavam de buscar, em comparação com quase 80% dos cães. Também delineamos razões possíveis para eles correrem para pegar alguma coisa longe, incluindo divertimento, seleção durante a domesticação e efeitos de aprendizado.

O ato de buscar reforça os laços que os cães e gatos formam com os humanos.

Pouca pesquisa

Nosso grupo de pesquisa ficou atento quando pesquisadores britânicos publicaram um estudo, em 2023, que explorou algumas características-chave da busca em gatos. Os cientistas entrevistaram 924 tutores de bichanos que tinham o hábito de buscar e descobriram que eles recuperavam uma grande variedade de objetos, desde brinquedos para animais de estimação e bolas de papel até canetas, tampas de garrafa e sapatos.

Talvez, o mais intrigante tenha sido o fato de que os gatos geralmente não eram treinados para isso - eles ofereciam o comportamento espontaneamente. Também preferiam ser os primeiros a iniciar o jogo e eram mais propensos a participar quando traziam um brinquedo para seu tutor, em vez de o humano jogar o brinquedo.

Antes desse estudo, o comportamento de buscar coisas, em gatos, não havia recebido muita atenção científica. Mas, como essa revisão pesquisou apenas os tutores de felinos domésticos que buscavam, não havia como comparar esses animais com os que não buscavam. Nós nos perguntamos se havia algo nos próprios gatos que tornava alguns mais propensos à essa interação do que outros.

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E quanto aos cães? Buscar é uma das formas mais comuns de brincadeira entre cães e humanos. Muitos foram criados e selecionados especificamente para ajudar nas caçadas, recuperando a presa. Esperávamos encontrar muitas pesquisas sobre o ato de busca em cães, mas descobrimos que ele raramente era abordado em estudos de comportamento canino.

"Pega a bola!

Para ajudar a preencher essa lacuna, nosso grupo se uniu ao pesquisador da Universidade da Pensilvânia, James Serpell, que desenvolveu duas ferramentas baseadas em pesquisas para avaliar o comportamento de cães e gatos. Elas incluem perguntas básicas sobre a raça, a idade e o ambiente de vida de cada animal, seguidas de dezenas de questionamentos sobre o comportamento, incluindo características predatórias, sociabilidade com humanos, nível de atividade e medo. E, ambos os levantamentos também incluíram perguntas sobre como buscar.

Usamos os resultados, a partir dos dados de milhares de proprietários de cães e gatos, para explorar o quão comum é a busca e quais os perfis de um cão ou gato podem prever esse comportamento.

Descobrimos que buscar era muito mais comum em gatos do que pensávamos. Mais de 40% dos tutores tinham um bichano que "às vezes, geralmente ou sempre" buscava. Para fins de comparação, também analisamos o mesmo em cães: quase 78% deles foram relatados como buscadores.

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É interessante notar que o fato de ser macho foi associado ao aumento do comportamento de buscar em ambas as espécies. Ser mais velho e ter problemas de saúde diminuiu a probabilidade. E, em ambas as espécies, o fato de compartilhar a casa com um cão também fez com que o animal representado na pesquisa tivesse menos probabilidade de buscar.

Havia diferenças entre as raças, especialmente entre os cães. As raças conhecidas por responderem às instruções humanas e se interessarem por brinquedos, como os cães pastores alemães,golden retrievers e labradores retrievers, estavam entre aquelas com maior probabilidade de buscar. Por outro lado, cães de caça e cães de guarda de gado estavam entre os menos propensos.

Buscar foi correlacionado com a capacidade de treinamento em cães, independentemente da raça, apontando para a possível importância da seleção precoce de animais para serem ajudantes humanos, muito antes de começarmos a desenvolver raças de cães.

Há muito menos raças de gatos do que de cães, e menos gatos de raça pura foram representados em nosso estudo, em comparação com os cães. Ainda assim, também encontramos diferenças de raça entre os gatos. Siamês, Tonquinês, Birmanês, e Bengalês foram os mais interessados em buscar.

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Este ato foi correlacionado com o nível de atividade: os gatos que tendiam a correr, pular, interagir com novos itens na casa e iniciar brincadeiras com seus tutores eram, também, mais possíveis de correr atrás de um objeto lançado à distância ou mesmo iniciar este jogo.

Da caça à brincadeira de pegar

As raízes do comportamento de buscar estão nas práticas de caça das duas espécies. Os gatos são conhecidos como caçadores de perseguição, o que significa que eles se aproximam sorrateiramente de suas presas e atacam em um momento oportuno. Acredita-se que os cães sejam predadores de perseguição que perseguem as presas por longas distâncias.

O desenvolvimento de raças alterou a sequência típica do comportamento predatório dos cães, que é a seguinte: orientar, olhar, perseguir, agarrar-morder, matar-morder. As raças de cães que foram criadas para um comportamento de "perseguição e/ou mordida" exagerado ou aumentado - como pointers e retrievers - têm maior probabilidade de buscar e menor de completar a sequência predatória e "matar-morder".

Mas, tanto os gatos quanto os cães, carregam os itens da presa para longe do local da matança, o que também pode explicar parcialmente o surgimento de um comportamento como o de buscar.

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Embora os gatos geralmente sejam vistos como independentes e distantes, estudos recentes descobriram que eles podem demonstrar apego aos humanos, captar sinais sociais dos tutores e até mesmo reconhecer a voz deles. Esperamos que nosso estudo incentive ainda mais as pessoas a entenderem que os gatos são capazes de ter relacionamentos amorosos com os seres humanos, especialmente quando esses animais de estimação populares são bem socializados e têm um ambiente enriquecido e seguro. Incluindo a busca, se o seu gato estiver inclinado a isso.

Apesar de todas as diferenças entre cães e gatos, achamos encantador que eles tenham convergido em um comportamento semelhante - buscar. O ato de buscar também destaca o efeito do relacionamento humano-animal. Os seres humanos claramente desempenham um papel importante na prática de buscar, mesmo que os cães e gatos simplesmente nos vejam como a coisa que faz o brinquedo se mover para que eles possam persegui-lo.

The Conversation
Foto: The Conversation

Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.

Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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