Ciro diz que tática pró-Lula do PT custará mais eleições

Ex-ministro critica o que chama de 'burocracia' petista e descarta unidade na centro-esquerda

17 set 2019 - 05h32
(atualizado às 08h54)

BELO HORIZONTE - Candidato à Presidência derrotado pelo PDT em 2018, o ex-ministro Ciro Gomes afirmou que o "campo progressista" perderá as próximas três ou quatro eleições caso o que ele chama de "burocracia do PT" mantenha uma estratégia em "nome da direção imperial" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Como mostrou a Coluna do Estadão, cresceu entre políticos e analistas a percepção que Ciro decidiu radicalizar o discurso de defesa da democracia e romper com a "frente de esquerda". "Agora ninguém mais vai enganar ninguém porque o que eu tinha para dar de engolir, de ter que fazer silêncio em nome da unidade, eles acabaram de liquidar", disse Ciro ao Estado.

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Ele esteve em Belo Horizonte para participar da filiação ao PDT da professora Duda Salabert, a primeira transexual a se candidatar ao Senado, nas eleições do ano passado - ela estava sem partido desde que se desfiliou do PSOL. Abaixo, os principais trechos da entrevista, feita por telefone.

O ex-ministro Ciro Gomes
O ex-ministro Ciro Gomes
Foto: DARIO OLIVEIRA / Estadão Conteúdo

O deputado Alexandre Frota lhe pediu desculpas sobre comentários que fez contra o senhor. O pedido foi aceito?

Não vou atribuir nenhuma relevância política a isso. Mas eu aceito as desculpas e reconheço nisso um gesto humano muito nobre. Porque eu, quando erro, gosto também de pedir desculpas. Aceito as desculpas dele e bola para frente.

O PT não apoiou o sr. na eleição presidencial de 2018 e lançou um candidato próprio. Agora, o sr. já se colocou como candidato para 2022. O sr. acredita que o PT pode, na próxima eleição presidencial, apoiar um candidato de outro partido?

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O PT são vários PTs. E é importante que você entenda essa premissa para o raciocínio que vou elaborar. Esta burocracia do PT e a estratégia que essa burocracia está fazendo em nome da direção imperial do Lula é certeza da derrota do campo progressista no Brasil agora e pelas próximas três ou quatro eleições. Por quê? Porque você explodiu sobre a cabeça do povo brasileiro, tal como nosso povo é, dois gravíssimos problemas. Um, a corrupção generalizada. Você pode relativizar, como petista fanático dessa burocracia faz. A segunda questão é econômica (a crise).

Ambos os lados agem da mesma maneira?

São rigorosamente as duas faces da mesma moeda. E aí você vê na caricatura. O Datafolha publica uma pesquisa em que há uma violenta deterioração da popularidade do Bolsonaro, e o Bolsonaro faz um discurso dizendo, 'tá bom, errei em alguma coisa', mas se vocês falarem mal de mim, o PT vai voltar. No mesmo dia, a (presidente do PT) Gleisi Hoffmann, que interpreta esse PT corrupto e incompetente, que é uma pau mandado do Lula, sem nenhum tipo de atitude crítica, simplesmente o partido mais importante do País é dirigido por essa mulher. Ela diz o quê? Que vai ser nós contra o Bolsonaro. Enquanto isso alguém ilude o Flávio Dino, alguém fala em unidade comigo, e tal.

Algum partido já conversou novamente em unidade com você? Alguém do PT?

Comigo unidade é o cacete. Unidade é na luta. E na luta em cima da mesa. Agora ninguém mais vai enganar ninguém porque o que eu tinha para dar de engolir, de ter que fazer silêncio em nome da unidade, eles acabaram de liquidar.

Quando isso foi liquidado, na eleição do ano passado?

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Quando entregaram o Brasil para o Bolsonaro. Ou você acha que o Bolsonaro se elegeria sem o que o PT fez? O Bolsonaro nunca foi o candidato da direita brasileira. O Bolsonaro foi engolido pela direita brasileira porque era o cara que foi identificado pelo nosso sofrido povo como o mais tosco intérprete do antipetismo que era a força dominante. Bolsonaro interpretou de forma tosca o sentimento de medo do povo. Porque também durante 14 anos não mexemos uma linha nas instituições para enfrentar o narcotráfico, o contrabando de armas, as facções criminosas comandando o crime. E a única política que foi implantada no Brasil foi a política do encarceramento do jovem pobre, negro.

Existe alguma possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro não terminar o governo?

Acho que ele não termina o governo. Isso é um mero palpite. Espero que não seja pelo suicídio. Meu palpite, é um mero palpite, é que vai ser por renúncia. Os políticos, que de alguma forma foram negados também pelo caráter antipolítico que o Bolsonaro impôs na retórica dele, estão muito ressabiados com a bobagem que fizeram no impedimento da Dilma. Então, por exemplo, o PSDB sabe que talvez tenha se liquidado mortalmente naquele gesto burro. Se tivesse esperado o tempo fluir, até o final do mandato ruidoso da Dilma, tinha ganho as eleições. O que aconteceu, interromperam o mandato e passaram a ser corresponsáveis pelo desastre que veio daí adiante com Michel Temer e agora com o Bolsonaro. Produziram o Bolsonaro. Isso o PT também está vendo. Então a probabilidade de um impeachment hoje é pequena. Mas as energias são tão negativas e tão rápidas que não vejo como Bolsonaro termine o governo.

O que vai ser mais fácil na sua campanha em 2022, atrair apoiadores do Bolsonaro ou do PT?

Quero produzir corrente de opinião. O Brasil vai passar por muita confusão. Acho que o Brasil vai passar por momentos terríveis nos próximos seis meses. O cenário internacional está se deteriorando de forma grave. O nível de paciência do Paulo Guedes para as irracionalidade do Bolsonaro, e para a orgânica contradição do Bolsonaro com o liberalismo que o Guedes representa, tudo isso provavelmente sinaliza para uma saída do Guedes em algum momento. A deterioração da economia é um fato. O teto de gastos será atingido no ano que vem. O Bolsonaro votou a favor disso. É uma aberração. O ano que vem vai ser terrível. E isso tem um poder de combustão muito grande. De provocar novos alinhamentos na vida brasileira. Como eu calculo? Acho que o bolsonarismo doente são 15% da população. Acho que o petismo doentio são 20% da população. E o grande problema é que essa grande maioria (65%) está atomizada, sem compreensão.

O senhor veio a Belo Horizonte para participar da filiação ao PDT da professora Duda Salabert, a primeira transexual a se candidatar ao Senado, nas eleições do ano passado. Há uma tentativa de o partido se aproximar das chamadas minorias?

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A professora Duda é uma figura extraordinária. Ela está saindo do PSOL. E escolheu o PDT. Isso para mim é uma grande honra. E, para nós, não é para reforçar luta identitária, é para reforçar a militância em torno de um projeto nacional que tenha compromisso com as diferenças, com a tolerância, com a igualdade, trabalhar para que seja respeita a fé, a preferência dessa ou aquela forma de amar, porque para nós todas elas são justas.

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