Um novo estudo realizado em quase 100 mil infectados com o novo coronavírus concluiu que os medicamentos cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina, empregados há décadas contra a malária, não trazem benefícios no tratamento contra a covid-19. Pelo contrário, essas drogas aumentam o risco de morte para os pacientes nos hospitais.
A hidroxicloroquina, normalmente utilizada no tratamento contra a e artrite, vinha sendo alardeada por algumas figuras publicas, como o presidente americano, Donald Trump, como benéfica no combate à doença. Trump, inclusive, chegou a afirmar que estava se tratando preventivamente com o medicamento.
O uso da cloroquina, normalmente aplicada em tratamentos contra a malária, vem sendo defendido pelo presidente Jair Bolsonaro como sendo eficaz no combate à doença.
Entretanto, segundo um estudo divulgado no jornal científico The Lancet nesta sexta-feira (22/05), os dois medicamentos podem causar efeitos colaterais graves, em particular, arritmia cardíaca.
"O tratamento com cloroquina ou hidroxicloroquina não traz benefícios aos pacientes com covid-19", afirmou Mandeep Mehra, autor do estudo e diretor-executivo do Centro para Doenças Cardíacas Avançadas do Hospital Brigham and Women's em Boston, nos EUA. "Ao contrário, nossas conclusões sugerem que podem estar associados a um aumento no risco de problemas cardíacos graves e de morte."
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão após examinarem registros hospitalares de 96 mil pacientes em 671 de hospitais em seis continentes. Eles compararam os resultados de quatro grupos: pacientes tratados somente com hidroxicloroquina, somente com cloroquina, e outros dois grupos que receberam esses medicamentos em combinação com antibióticos.
Entre estes pacientes, 14.888 receberam hidroxicloroquina ou cloroquina com ou sem o antibiótico macrólido, enquanto 81.144 não foram medicados com nenhum destes fármacos.
"Não apenas não há benefício, mas também vimos sinais muito consistentes de danos à saúde", disse Mehra. Os pesquisadores calculam que a taxa de mortalidade entre os pacientes tratados com hidroxicloroquina é de 18% e, no caso da cloroquina, 16,4%. Sem a aplicação dessas drogas, essa taxa ficou em 9%.
Já entre os pacientes que receberam os medicamentos em combinação com antibióticos, a taxa foi muito maior, chegando a 22,8% com a cloroquina e 23,8% com a hidroxicloroquina.
O artigo publicado no The Lancet não é um teste específico do uso dos dois medicamentos, mas se trata da maior avaliação já feita sobre os resultados de suas aplicações em ambientes no mundo real.
Apesar de apenas observacional, o tamanho e a amplitude do estudo trazem um impacto significativo, segundo avalia o diretor do Centro Médico da Universidade Vanderbilt, David Aronoff. "Isso realmente nos dá um a grau de confiança de que é improvável que vejamos maiores benefícios desses medicamentos no tratamento da covid-19", afirmou.
"Vários países defendem o uso da cloroquina ou hidroxicloroquina, tanto isoladamente quanto em combinação, como um potencial tratamento para a covid-19", observou o diretor do Centro Cardíaco do Hospital de Zurique e coautor do estudo, Frank Ruschitzka. Ele avalia que as chances de esses medicamentos melhorarem o quadro dos pacientes infectados com o coronavírus são "bastante baixas".
Os autores do estudo ressaltam que esses tratamentos não devem ser aplicados fora dos testes clínicos, até que os resultados desses exames estejam disponíveis e confirmem a segurança e eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19.
Uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 pode aumentar
risco de morte, diz estudo
Ministério da Saúde liberou uso dos dois medicamentos
No Brasil, o Ministério da Saúde divulgou na última quarta-feira um novo protocolo permitindo que a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam administradas também em casos leves da doença. A medida, que visa ampliar a possibilidade do uso desses medicamentos, foi feita a pedido do próprio Bolsonaro.
O presidente vem defendendo insistentemente a substância para combater a pandemia do coronavírus, apesar de não haver comprovação científica da eficácia do medicamento em pacientes com covid-19.
A insistência de Bolsonaro em ampliar o uso da cloroquina foi um dos motivos de divergência que levou à demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, e menos de um mês depois de seu sucessor, Nelson Teich.
O presidente havia sinalizado que alteraria o protocolo sobre a cloroquina mesmo sem a concordância do titular da pasta.