O período de escolas fechadas por causa da pandemia do novo coronavírus pode fazer com que 2 em 3 alunos do Brasil não consigam ler adequadamente um texto simples aos 10 anos. A conclusão é de um relatório do Banco Mundial que analisou o impacto da covid na educação dos países da América Latina e Caribe, divulgado nesta quarta-feira, 17.
Além disso, os prejuízos econômicos na região chegariam a US$ 1,7 trilhão de dólares, em perdas de produtividade dos cidadãos."Os efeitos prejudiciais sobre o capital humano são simplesmente uma tragédia", diz o relatório intitulado Agindo Agora para Proteger o Capital Humano de Nossas Crianças.
O estudo faz simulações para perdas depois de 7 meses de escolas fechadas, 10 meses e 13 meses, considerado o cenário mais pessimista. É esse, no entanto, que se aproxima da realidade em diversos Estados e municípios brasileiros que ainda não reabriram a educação, diante do quadro grave da pandemia no Brasil atualmente. Outros, como São Paulo, chegaram a voltar com aulas presenciais em fevereiro, mas anunciaram o fechamento, com adiantamento do recesso, depois da piora no número de casos e mortes.
"O ensino remoto não substitui o presencial", diz o relatório. "Os países precisam estar prontos para reabrir as escolas nacionalmente e investir os recursos necessários para que isso aconteça, para começarem a se recuperar das perdas dramáticas de aprendizagem e outros efeitos negativos da pandemia."
A defasagem de aprendizagem foi medida por meio de um índice do Banco Mundial chamado "pobreza de aprendizagem", que usa dados de avaliações educacionais. Ele indica o porcentual de crianças com 10 anos incapazes de ler e entender um texto simples. A pandemia aumentaria esse índice para 93% dos alunos na República Dominicana, que tem o pior quadro. O melhor dele é o Chile, que iria de 31% para 59% das crianças nessa situação.
O Brasil, que já tinha 50% dos alunos em pobreza de aprendizagem, iria para um índice semelhante à média da região, de 70%. Essas perdas correspondem a 1,3 ano de escolaridade, ou seja, o estudante teria o conhecimento de mais de uma série anterior a que é correspondente à sua idade. Com um tempo maior de escolas fechadas, a defasagem pode subir para 1,7 ano de escolaridade.
"O impacto no Brasil talvez seja mais devastador porque temos um nível de desigualdade maior que grande parte dos países da América Latina", diz o economista da Prática de Educação do Banco Mundial Ildo Lautharte. Ele ressalta que o "grande temor" é perder as conquistas que o País havia feito nos últimos anos de melhora da qualidade da educação, principalmente nos primeiros anos do ensino fundamental.
O relatório alerta que a pandemia pode fazer com que os sistemas educacionais da região voltem ao que eram nos anos 60, com consequências duradouras para toda uma geração. A América Latina e o Caribe têm hoje 170 milhões de estudantes e já vive a chamada "crise de aprendizagem", com sérios problemas na qualidade e equidade da educação.
O estudo ainda indica a piora dos países em exames internacionais como o Pisa, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil cairia 36 pontos com 10 meses de escolas fechadas e 50 pontos, com 13 meses. E a diferença de desempenho entre os mais ricos e mais pobres na avaliação aumentaria para até 105 pontos, o que representa um quarto de um ano de escolaridade. Segundo o relatório, as perdas são maiores para estudantes de escolas públicas e para meninas.
As estimativas consideram um efeito moderado do ensino remoto durante a pandemia para a aprendizagem das crianças. Lautharte diz, no entanto, que é difícil saber o quanto ele ajudou, já que houve diversas formas e qualidade diferentes da educação online oferecida no País. "O mais importante do ensino remoto foi manter o vínculo com a escola, o impacto mesmo só vamos ver com as escolas abertas e avaliação dos alunos."
Para ele, o momento também pode ser visto como uma oportunidade de melhoria nas escolas, com mais flexibilidade, inovação e com o uso da tecnologia. "O ensino híbrido pode ser uma ferramenta importante para aulas de projeto de vida, para grupos menores de alunos que precisam trabalhar dificuldades específicas", diz. Nas conclusões do relatório, o Banco Mundial ainda afirma que para resolver o problema, "o financiamento público para educação precisa ser priorizado e bem empregado".
Menina de 7 anos perdeu habilidades de leitura após o fechamento de escola
Sofia, de 7 anos, começou bem o ano de 2020: já nos primeiros meses juntava as letras do alfabeto e decifrava palavras simples e complexas sem dificuldade. Conseguia ler gibis, placas na rua, textos na televisão. Até que veio a pandemia e a escola estadual onde estudava, na zona norte de São Paulo, fechou. No meio do ano, Sofia começou a perder as habilidades de leitura e escrita que tinha conquistado.
"Foi uma situação devastadora, me senti muito fraca", diz a mãe Edineide da Franca, de 36 anos. Professora, ela se sente impotente porque não consegue ajudar a própria filha a formar as palavras. Quando pergunta à menina por que ela parou de ler, a resposta é sempre a falta que sente da escola. "Quero ir para a escola, quero ver meus amigos, quando voltar a ver meus amigos, volto a ler de novo", diz Sofia à mãe.
"As crianças aprendem umas com as outras, essa vivência na escola faz falta", afirma Edineide. A menina estuda em uma escola estadual de São Paulo. No ano passado, houve assistência da professora, mas o ensino remoto para uma criança tão nova não funcionou. "É difícil para ela se concentrar em frente ao computador. Ela queria fazer tudo menos a atividade."
O fechamento prolongado do colégio agravou o problema. "Ela via que a escola demoraria a voltar e perdeu interesse. Não queria assistir às aulas, falava que estava com dor de cabeça, chorava." No início deste ano, a escola reabriu, mas a mãe teve medo de mandar a filha de volta ao colégio por causa do agravamento da pandemia. Edineide tem medo de que a criança se infecte e transmita o vírus para professores ou dentro de casa.
A mãe quer aproveitar o período de recesso escolar, decretado para conter a disseminação do coronavírus, para retomar o que Sofia não aprendeu no ano passado e garantir que a filha passe a acompanhar a turma. "Pelo retrocesso que ela está, se eu não conseguir fazer com que volte de novo a ler, ter aquela vontade de novo, vou ter de mandar para a escola."