Com o recrudescimento da pandemia, ao menos nove Estados e quatro capitais endureceram nas últimas semanas medidas de isolamento social e permitem apenas serviços considerados essenciais, como mercados e farmácias. Mas variam de uma região para outra o modelo de fechamento e a lista de atividades prioritárias - alguns gestores incluem no rol igrejas ou o futebol profissional. Especialistas dizem que a falta de coordenação nacional pode tornar menos efetivas as ações de isolamento social. Crítico da quarentena, o presidente Jair Bolsonaro disse nesta quinta-feira, 18, que entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decretos de três governadores sobre toque de recolher.
São Paulo, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Minas, Goiás, Amapá, Rio Grande do Norte e Espírito Santo são os Estados onde o apenas setores essenciais podem funcionar. Os prefeitos de quatro capitais - Curitiba, Salvador, Belém e Palmas - também criaram regras locais de fechamento de setores econômicos. Em outros Estados, as restrições se limitam a toque de recolher noturno, paralisação do comércio durante feriados ou fim de semana, limite de horário para bares e restaurantes funcionarem, dentre outras medidas.
"Não haverá controle da pandemia até que exista estratégia de restrição de mobilidade coordenada nacionalmente para garantir que a transmissão esteja sob controle em todas as regiões e comunidades. Sem vacinas, com a pandemia avançando em ritmo alucinante e o sistema de saúde já começando a colapsar, só nos resta uma solução: adotar medidas restritivas de mobilidade em nível nacional", diz a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin Vaccine. "Intervenções limitadas - incluindo lockdowns curtos, não homogêneos e sem redução rigorosa da mobilidade - não previnem surtos virais ressurgentes e não terão o impacto que necessitamos."
A gestão João Doria (PSDB) colocou todo o Estado de São Paulo na fase vermelha, a mais rígida até então, em 3 de março. No entanto, com a pressão no sistema hospitalar, o governo enrijeceu ainda mais as medidas e criou a fase emergencial, implementada em 15 de março e com previsão de durar até dia 30. Além de o comércio não essencial ficar fechado e toque de recolher de 20h às 5h, ficam vedados o acesso a praias, celebrações religiosas coletivas, aulas presenciais e torneios de futebol.
No Rio Grande do Sul, onde a ocupação de UTIs já alcançou 100%, o governo colocou o Estado na bandeira preta, mais próxima do lockdown, onde só os setores essenciais podem funcionar. Aulas presenciais são permitidas na educação infantil e nos 1º e 2º anos do fundamental. Apesar da situação grave, o governador Eduardo Leite (PSDB) disse esta semana que a pressão hospitalar "começa a ceder" e ele avalia retomar semana que vem o sistema de cogestão, em que o Estado divide decisões sobre restrições com os prefeitos, com possibilidades de flexibilização.
Minas Gerais colocou o Estado na onda roxa, a mais restritiva, por 15 dias, desde quarta-feira, 17. O Ceará decretou o chamado isolamento social rígido desde sábado, 13, até o dia 21. Pernambuco fechou o comércio desde quinta-feira, 18, mas liberou o futebol profissional.
Sob justificativa de alta ocupação de UTIs e das novas variantes do vírus, o Rio Grande do Norte terá regras mais duras de 20 de março a 2 de abril. O Espírito Santo iniciou quarentena de 14 dias, entre quinta-feira, 18, até o dia 31, mas deixou igrejas entre as atividades essenciais.
Já o governo de Goiás adota um sistema de revezamento, com restrição de atividades econômicas por 14 dias e liberação dos setores não essenciais nas duas semanas seguintes. Além do fechamento de serviços não essenciais e das escolas, o Amapá proibiu esta semana o consumo de bebida alcoólica em estabelecimentos comerciais, praças, calçadas e vias públicas.
Presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde e titular da pasta do Maranhão, Carlos Lula disse em carta dos gestores à população no início do mês que "a ausência de uma condução nacional unificada e coerente dificultou a adoção e implementação de medidas qualificadas para reduzir as interações sociais que se intensificaram no período eleitoral, nos encontros e festividades de final de ano, do veraneio e do carnaval."
Ainda segundo o texto, "o relaxamento das medidas de proteção e a circulação de novas cepas do vírus propiciaram o agravamento da crise sanitária e social, esta última intensificada pela suspensão do auxílio emergencial". Entre as medidas sugeridas pelos secretários, estão barreiras sanitárias nacionais e internacionais, considerados o fechamento dos aeroportos e do transporte interestadual, e a redução da superlotação do transporte público.
Capitais adotam medidas mais duras por conta própria
Após a gestão Ratinho Júnior (PSD) flexibilizar as atividades econômicas semana passada no Paraná, Estado com uma das maiores filas por leito no País, a prefeitura de Curitiba voltou a endurecer medidas. Além do veto a serviços não essenciais e escolas, a cidade proibiu atividades em parques e o consumo de bebidas alcoólicas em espaços de uso público. O transporte público pode funcionar com lotação máxima de até 50%.
Em Salvador e região metropolitana, as regras vedam o comércio não essencial foram prorrogadas até 22 de março. Além disso, há ainda um toque de recolher entre as 20h e 5h definido pelo governo estadual. Na cidade, estão proibidas shopping, lojas, bares, restaurantes, academias e praias. Mas cerimônias religiosas estão permitidas, se respeitados o distanciamento social e o uso de máscaras, com lotação máxima de 30%.
Belém e mais quatro cidades do Pará - Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Bárbara - iniciaram lockdown na segunda-feira, 15. A capital paraense chegou a atingir 110% de ocupação de leitos de terapia intensivo no último fim de semana. Em Palmas, onde as UTIs também chegaram na lotação máxima, iniciou as restrições da economia em 6 de março. A prefeitura do Rio ainda estuda o fechamento completo do comércio e das demais atividades, deixando apenas os serviços essenciais abertos.
Em algumas regiões, os gestores resistem ao lockdown e apostam em fechamentos temporários. Em Santa Catarina, onde há registros de mortes de pacientes na fila por UTI, as restrições de comércio foram adotadas nos fins de semana. O Ministério Público chegou a apontar omissão do governo Carlos Moisés (PSL) no controle da transmissão.
O Acre definiu que as medidas mais rígidas de fechamento de serviços ocorrerão só no fins de semana, feriados e pontos facultativos. Nestas datas, são permitidos só os serviços essenciais, como hospitais e farmácias, além de ser proibida a permanência de pessoas, em qualquer número, em espaços públicos e privados destinados à recreação e ao lazer. Durante a semana, bares, restaurantes, comércios e shoppings podem funcionar, respeitando os protocolos sanitários.
Modelos múltiplos criam desigualdades, diz especialista
"A descentralização dessa coordenação de combate está muito longe de ser o ideal, fere o princípio constitucional da união da federação. A falta de vontade política do governo Bolsonaro de conduzir o País diante da pandemia pode gerar uma série de problemas sociais.", afirma Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência. "Por mais que os Estados e municípios se esforcem para controlar isso localmente, cada esforço será diferente e isso pode gerar desigualdade de alguns Estados e municípios que conseguem controlar a pandemia e outros não", acrescenta ela.
"Chegarmos perto de 3 mil mortes nas últimas 24 horas é completamente inaceitável. Isso quer dizer que o sistema de saúde já colapsou, que temos um risco do sistema funerário colapsar também", diz a pesquisadora. Na quinta, o Brasil teve 2.659 óbitos registrados em um dia, o que já faz março ter mais vítimas do que todo o mês de fevereiro.
Para a epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel, a falta de uma padronização de quais são as atividades essenciais e das medidas prejudica a efetividade da quarentena. "Alguns restringem à noite, outros aos fins de semana, como se o vírus respeitasse as determinações de horários para não circular", critica.
A falta de suporte financeiro, segundo ela, é outro gargalo. "Não temos um plano para a pandemia. Não só da saúde, porque a coordenação teria de pensar em todos os aspectos, inclusive econômicos. A população só consegue realizar um confinamento se tiver auxílio emergencial mínimo para alimentação. E com R$ 150 (valor atualmente em discussão entre Congresso e Executivo), não há como uma pessoa sobreviver. Isso obriga as pessoas a saírem, pois elas têm de sobreviver de alguma forma", afirma Ethel.
A professora acredita que a aproximação das eleições do ano que vem faz com que governantes pensem na popularidade antes da saúde. "É a nossa tragédia, a falta de coragem de quem está no poder para tomar as medidas necessárias para salvar vidas, inclusive cobrando daqueles que devem fazer e não estão fazendo sua parte", completa Ethel.