BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro defendeu nesta terça-feira, 26, a possibilidade de empresas comprarem vacinas contra covid-19 para vacinarem seus funcionários e repassarem uma parte ao sistema público de saúde.
Como mostrou ontem o Estadão, a compra do imunizante pela iniciativa privada esbarrou na discordância entre empresas sobre o modelo a ser adotado para distribuição. Segundo uma carta que circulou entre líderes de associações de diferentes setores, existiria um lote de 33 milhões de vacinas da Oxford/AstraZeneca disponível para compra, da Inglaterra, com a obrigação de aquisição de pelo menos 11 milhões de doses de uma só vez.
"O governo é favorável a esse grupo de empresários trazer vacina a custo zero pro governo", afirmou Bolsonaro ao participar nesta terça-feira de evento virtual organizado pelo banco Credit Suisse. Também participante do encontro com investidores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou a necessidade de contrapartida. "Para cada funcionário que vacinar, tem que entregar uma para o Sistema Único de Saúde (SUS)", disse Guedes.
A compra das vacinas pela iniciativa privada, e não pelo governo, levantou questionamentos entre parte do empresariado se a medida não representaria "furar a fila" de vacinação no País. Por enquanto, apenas grupos prioritários, como idosos e profissionais da saúde receberam doses do imunizante.
Há também dificuldade de governos ao redor do mundo em conseguir comprar mais doses das vacinas já aprovadas por autoridades de saúde. No Brasil, o Ministério da Saúde ainda aguarda a chegada de insumos da China para iniciar a produção da Coronavac, pelo Instituto Butantan, e da vacina de Oxford, pela Fundação Oswaldo Cruz.
A declaração de Bolsonaro também significa uma mudança de postura do governo em relação ao tema. Em reunião realizada há menos de duas semanas com os ministérios da Saúde, da Casa Civil e das Comunicações, empresas foram informadas de que o governo realizaria toda a imunização e de que não haveria necessidade de ajuda de empresários. À época, o governo disse que teria doses suficientes para vacinar a população e que a compra por empresas seria proibida.
'Tratamento precoce'
Após meses defendendo tratamentos sem eficácia comprovada contra covid-19, Bolsonaro também admitiu não haver qualquer medicamento atestado para combater a doença. "O médico e o paciente têm que ser respeitados, e quem decide o tratamento precoce de uma pessoa infectada, já que não temos medicamento ainda comprovado cientificamente. O médico pode, na ponta da linha, decidir, em comum acordo com paciente, o que vai receitar", afirmou aos investidores.
Ele ainda elogiou a posição do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a independência dos médicos para prescrever remédios ao paciente. A entidade é alvo de críticas de especialistas por não proibir que os profissionais receitem medicamentos sem eficácia comprovada.
Recentemente, o Ministério Público Federal cobrou explicações do Ministério da Saúde e do CFM sobre o aplicativo TrateCOV, lançado pelo governo federal para orientar o enfrentamento da covid-19. Como mostrou o Estadão, o aplicativo recomendava o uso de antibióticos e cloroquina, ivermectina e outros fármacos para náusea e diarreia ou para sintomas de uma ressaca, como fadiga e dor de cabeça. A prescrição era feita até mesmo para bebês. Após questionamentos, o aplicativo foi retirado do ar.