"Devemos falar ao povo: calma, tranquilidade. 70% vai ser contaminado. Ou vocês querem que eu minta aqui?", disse Bolsonaro na segunda-feira, 20, ao defender o fim das quarentenas.
Já Merkel, mesmo reconhecendo a alta propagação do vírus, defende o isolamento para que os casos se espalhem ao longo do tempo. Sem "saturar" o sistema de saúde, disse ela em março.
Especialistas ouvidos pelo Estado dizem que, sem vacina, a doença irá se alastrar durante anos, mas não é possível prever quantas pessoas serão infectadas, porque deve-se considerar, inclusive, a eficiência das quarentenas.
"Não se pode afirmar com exatidão a porcentagem da população que será infectada. Epidemiologistas tentam estimar esse valor, através de modelos matemáticos, mas o comportamento do vírus ainda é incerto", afirma o infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
O Ministério da Saúde e alguns especialistas apontam que a transmissão da doença deve cair no País a partir do momento em que 50% da população já tiver sido contaminada e adquirir imunidade. A barreira será mais "efetiva", disse a pasta, quando 70% ganhar anticorpos para a doença.
A infectologista Eliana Bicudo disse que é possível chegar a 70% de infectados, mas nem todos irão desenvolver a doença. "Pode levar até 2, 3 anos para alcançar essa disseminação. Com isso uma grande parte da população realmente vai ser infectada. Lembrando que tudo isso se não tivermos uma vacina", disse a médica.
Para o infectologista Julival Ribeiro, como não há imunidade, todos podem pegar a doença. Ele concorda que o freio efetivo deve ocorrer com 70% de infectados. Segundo ele, especialistas ainda buscam respostas sobre se é seguro livrar do isolamento social pessoas que já tiveram a doença.
"O futuro vai dizer se a imunidade é definitiva", disse. Para ele, há risco ainda em apostar em exames em massa com testes rápidos, que ainda têm mostrado limitações de acurácia nos resultados. Como o Estado revelou, o governo federal apontou 75% de chance de erro em resultados negativos para o novo coronavírus nos 500 mil testes rápidos doados pela mineradora Vale.
Ribeiro também critica ideias de acabar com o distanciamento social para que a população pegue logo a imunidade contra a doença. "Além de sobrecarregar, o sistema de saúde, ia morrer muita gente. A gente está vendo que não é uma doença apenas de idosos", disse.
No começo de abril, o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, disse esperar que ao menos 50% da população se contamine "ao longo do tempo". "Isso vai acontecer lentamente. O fluxo só reduz quando tem 50% das pessoas já imunizadas", disse.
A covid-19 pode sumir?
Especialistas também discutem se a covid-19 pode deixar de circular, como ocorreu com a SARS, que tornou-se epidemia na China em 2003.
"Quando conseguir infectar a maioria das pessoas a covid-19 tende a desaparecer. Esse vírus vai ficar entre nós pelo menos até 2024, se não tiver vacinas e remédios", disse a médica Eliana Bicudo.
Já Ribeiro afirma que há forte preocupação de autoridades de saúde para uma "segunda onda" de casos da doença. Ele diz ainda que a covid-19 pode sofrer mutações e até tornar-se uma doença sazonal, como a gripe, que repete-se ano após ano.
"O SARS (epidemia de 2003) matou praticamente todo mundo. Foi um vírus burro. Quem pegava, matava. Esse, além de ser agressivo na transmissão, está fazendo a pior coisa. Está se mantendo. 80% das pessoas não ficam doente. Ele é esperto. Na minha opinião, acho que neste momento a gente não pode dizer que ele vai desaparecer. O que estamos esperando é que ele pode se tornar tipo o vírus da gripe. Outra preocupação é se ele sofrer mutação. Aí é grande problema", disse o infectologista.