A Câmara dos Deputados não incluiu na pauta de votações da próxima semana o projeto aprovado pelo Senado que prevê a quebra temporária de patentes de vacinas contra a Covid-19, enquanto a proposta, que é rejeitada pelo governo federal, terá a temperatura medida pelas lideranças da Casa.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda vai avaliar com os líderes de bancada o clima a respeito do texto aprovado pelos senadores para avaliar qual encaminhamento, segundo uma fonte da Casa.
O primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), disse ter dúvidas quanto à viabilidade da proposta. Ele argumentou, inicialmente, que não adianta quebrar patentes se o país não tem condições de produzir vacinas por ausência dos insumos necessários para os imunizantes.
"A segunda coisa é: a consequência da quebra de patentes pode ser alguém decidir não vender mais vacina pronta para nós? Porque eu não sei se a gente quebrar patente os chineses vão continuar nos vendendo vacina", disse.
"Vamos quebrar patente, aquela festa, é um absurdo os laboratórios e tal. Só que até agora ninguém conseguiu me responder essa pergunta", afirmou.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-AL), afirmou à Reuters que o Executivo federal vai se posicionar contra a proposta e quer explicar as razões aos deputados. Ele ressaltou que há mecanismos na legislação atual para adotar medidas excepcionais nesse sentido.
"Dentro dos acordos multilaterais já há possibilidade e regras para quebra de patentes. O governo é contra a quebra de patentes por mudança na lei de patentes", disse Barros, que foi ministro da Saúde no governo Michel Temer.
"O que nós podemos fazer é explicar as razões", destacou.
O líder governista não quis opinar se a medida --caso seja aprovada-- poderia prejudicar o interesse do Brasil nas tratativas para a aquisição de imunizantes contra Covid-19.
RETALIAÇÃO
Nesta sexta, associações da indústria farmacêutica brasileira pediram que o Congresso rejeite o projeto, dizendo que a medida poderia provocar retaliação internacional e reduzir o fornecimento de suprimentos médicos ao Brasil. [L1N2MN2XN]
Em um comunicado conjunto, cinco das principais associações farmacêuticas do Brasil apoiaram a posição do governo.
"A eventual aprovação de um projeto de lei que permita o enfraquecimento do sistema de propriedade intelectual, poderia gerar retaliações internacionais e diminuir a oferta de insumos farmacêuticos", afirmaram.
No Senado, a proposta foi apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em fevereiro, mas só começou a tramitar para valer e de forma rápida no início de abril, quando recebeu um parecer diretamente em plenário e pouco depois foi aprovado.
Por ora, ainda não há um termômetro de como será a tramitação na Câmara. O líder do DEM, Efraim Filho (PB), afirmou à Reuters que ainda não há uma posição definida na bancada sobre o assunto. Entretanto, ele ponderou ser "bem favorável" a se respeitar a propriedade intelectual.
"Mas vamos analisar o cenário específico e os argumentos trazidos pelo projeto de lei", contou.
A proposta foi aprovada na quinta-feira pelo Senado por 55 votos a favor e 19 contra. Embora a liderança de governo na Casa tenha orientado a rejeição da matéria para a base, parlamentares alinhados ao Palácio do Planalto votaram a favor da matéria.
O projeto, conforme o autor, senador Paulo Paim (PT-RS), pretende agilizar a produção de imunizantes na tentativa de acelerar o processo de vacinação contra a doença no país. O texto cria uma série de ritos e exigências para que uma patente seja temporariamente quebrada.
Tido como um aliado do governo Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara disse nesta sexta que a Casa faz "todo o possível para viabilizar vacinas mais rápido no braço dos brasileiros". A fala dele foi em entrevista à Associação Brasileira dos Criadores de Zebu nesta sexta-feira, sem fazer menção a essa proposta especificamente de quebra de patentes.
Lira afirmou, no entanto, que os deputados não entrariam na discussão sobre uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara, por considerar que "o momento não seria agora".
TRAMITAÇÃO
Na Câmara, a tramitação do projeto ainda não foi definida. Ao menos na próxima semana, a proposta não consta da previsão da pauta de votações do plenário. Isso é comum até porque o texto foi aprovado na noite de quinta-feira na Câmara e também não foi definido se ele será votado diretamente em plenário ou terá uma tramitação mais demorada, passando antes por comissões.
O líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS), afirmou que o partido apoia a iniciativa da quebra de patentes e pedirá, na próxima reunião do colégio de líderes, que ela seja pautada. Segundo ele, boa parte da Casa posiciona-se favorável à quebra de patentes para vacinas e medicamentos relacionados à Covid-19, mas ainda será necessário sentir o clima entre os colegas para a proposta que vem do Senado.
O deputado lembrou ainda da trágica marca de mortes atingida pelo Brasil nesta semana.
"Esse debate já foi feito na Câmara, teve debate, sugerimos uma comissão geral. Tem projetos de deputados do PT nessa área. Todos nós defendemos a quebra de patentes, neste caso, porque nós temos que ter vacinas: mais gente fazendo e em custos menores. Frente a 400 mil mortes se justifica essa excepcionalidade. E então, da nossa parte, é votar o mais rapidamente possível", disse o líder à Reuters.
"Isso é o que vamos sentir agora, né. Eu acho que no debate esses dias, na comissão geral, a maior parte era das manifestações dos partidos foi favorável."