No melhor cenário estimado pelos pesquisadores, o País teria, em 26 de março, 2.314 casos; na hipótese mediana, 3.750. Em São Paulo, onde se concentram 68% dos casos do Covid-19 no Brasil, a previsão é de que o número de doentes seja, no cenário mediano, de 2.550 (podendo variar entre 1.573 e 3.380). No Rio, seriam 450 casos confirmados dentro de dez dias (variando de 278 a 596).
Mesmo nos piores cenários, as previsões tendem a ser tímidas. Até agora as orientações no Brasil têm sido no sentido de que apenas os casos mais graves sejam testados para coronavírus. Não são submetidos a testes os casos mais brandos e assintomáticos. Eles podem ser contagiosos e respondem por cerca de 80% do total.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado testar o maior número possível de pessoas. O País, porém, não tem ainda estrutura hospitalar ou mesmo kits de diagnóstico em número suficiente para fazer esses testes. Tem priorizado os casos graves. O Ministério da Saúde já admitiu rever o procedimento, mas, por enquanto, é a que vale no Brasil.
De acordo com os especialistas envolvidos no levantamento, a decisão de fazer previsões de apenas dez dias tem por objetivo ser o mais preciso possível. Eles também querem oferecer aos gestores um horizonte próximo para dimensionar recursos e insumos.
"É muito difícil fazer previsões a médio e longo prazo nesses casos", explicou o infectologista Fernando Bozza, chefe do Laboratório de Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz, e coordenador de pesquisa do Instituto D´Or. "Em previsões de três meses ou mesmo de um mês, os números seriam muito díspares. Por isso, optamos por fazer previsões mais curtas, de dez dias, e em três cenários diferentes, para que sejam mais seguras."
Os cientistas partiram do cenário em 15 de março, quando o Brasil tinha 200 casos confirmados. Para criar o modelo, eles se basearam na evolução da epidemia nos países que apresentavam as maiores séries históricas de dados: Irã, Itália, Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos, China e Coreia do Sul. Para o melhor cenário, por exemplo, os especialistas fizeram a previsão do Brasil com base nos dados da Coreia do Sul. Para o pior cenário, a evolução da curva seria similar à de Irã e Itália.
"A gente separou os países em grupos com comportamentos semelhantes e reproduzimos o comportamento do Brasil para aqueles padrões", explicou Bozza.
A adesão às medidas de distanciamento social já adotadas pelos estados será crucial para determinar a evolução da curva. O modelo matemático, criado pela equipe do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-RIO, será adaptado também na medida em que a realidade de cada país se alterar.
Fernando Bozza explica que ainda estamos muito no começo da epidemia. Diz que ainda é difícil prever que caminho o País vai seguir.
"Temos que ver como será a evolução nos próximos dias para entender qual curva o Brasil vai adotar", disse.
O grande risco gerado por um crescimento exponencial no número de casos, como aconteceu na Itália, é gerar um colapso do sistema de saúde. Em média, estima-se que cerca de 20% dos casos são de pacientes mais graves. No cenário mais pessimista, teríamos aproximadamente mil pessoas precisando de internação hospitalar.
"Nós temos uma capacidade hospitalar que não é desprezível, especialmente nos grandes centros", disse o pesquisador da Fiocruz. "Logicamente, essa capacidade não está distribuída de forma equânime entre o setor público e o privado, mas temos uma boa capacidade instalada (de leitos de UTI). Agora, se a epidemia atinge proporções muito maiores, não há capacidade instalada em nenhum lugar do mundo."
Para o especialista, as medidas preconizadas pelo Ministério da Saúde e as já adotadas em muitos estados são positivas e chegam num ponto ainda precoce da epidemia.
"A estratégia da testagem geral é muito boa, mas não é muito factível num país como o Brasil, que tem mais de 200 milhões de habitantes e limitações estruturais no sistema de saúde; em países menores é mais fácil", constatou Bozza.
O pesquisador criticou, no entanto, a postura adotada pelo presidente Jair Bolsonaro, que classificou a reação mundial à pandemia de "histeria".
"O ministro da Saúde (Henrique Mandetta) e os secretários têm sido muito enfáticos em sua mensagem", afirmou. "Mas a sinalização do Planalto é ruim e dificulta uma mensagem mais clara para a população."