Cinco meses após 1º caso, mortes aceleram em 12 estados

Após desacelerar nos primeiros epicentros brasileiros, doença respiratória avança no interior e em locais que a tinham sob controle

26 jul 2020 - 07h29
(atualizado às 09h21)

Há exatos cinco meses, o Brasil confirmava oficialmente seu primeiro caso de covid-19: um homem de 61 anos, de São Paulo, que havia chegado da Itália. Após mais de 2,3 milhões de infectados, 86 mil mortos - números que só ficam atrás dos vistos nos Estados Unidos - e três ministros da Saúde, o País parece ter chegado a uma relativa estabilidade de novos casos, conforme afirmou a Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 17 de julho - não sem um alerta.

Foto: Ellan Lustosa/Código 19 / Estadão Conteúdo

"Os números se estabilizaram. Mas o que eles não fizeram foi começar a cair de uma forma sistemática e diária", disse o diretor executivo da OMS, Michael Ryan, em coletiva de imprensa. "O Brasil ainda está no meio dessa luta."

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É um platô que vem, portanto, com uma lista de ressalvas. Uma delas é que a estabilidade resulta da soma de diferentes curvas: em alguns estados, a curva já superou o pico, e a doença desacelera; em outros, há estabilidade; e nos demais, o que se vê agora é uma aceleração da epidemia.

Em 12 unidades da federação há aceleração do número de mortes por covid-19, conforme dados do consórcio de veículos de imprensa brasileiros que apuram números junto às secretarias estaduais de saúde.

Quando considerados os municípios do país, 30,4% mostravam algum tipo de aceleração no número de novos casos em 21 de julho. Outros 24,5 % apresentavam estabilidade, e os 30,9% restantes, queda. O levantamento com recorte municipal foi feito com exclusividade para a DW Brasil por Renato Vicente, professor associado do Departamento de Matemática Aplicada da Universidade de São Paulo (USP) e Rodrigo Veiga, doutorando do Instituto de Física da USP, ambos membros da coalizão COVID Radar.

Na análise de municípios por estado, sete têm aceleração do número de novos casos diários. O ranking mostra Sergipe, onde 86,2% das cidades estão em aceleração, na pior situação, seguido por Bahia (75,8%), Roraima (72,7%), Santa Catarina (72,6%), Piauí (72,3%), Paraná (64,2%) e Minas Gerais (64,2%).

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Além disso, Amapá, Maranhão, Ceará e Rio de Janeiro já podem estar enfrentando uma segunda onda, dado o aumento de casos semanais de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), conforme o último boletim InfoGripe da Fiocruz, de 23 de julho.

Outra ressalva apontada para o platô brasileiro é que ele foi alcançado com um número relativamente alto de mortes diárias. "É como se estivéssemos em um carro na estrada e parássemos de acelerar, mas estamos correndo a 200 km/h; vamos tomar multa", afirma Domingos Alves, professor e pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), que trabalha com projeções no grupo Covid-19 Brasil.

"Estamos mantendo uma média diária de mil mortes, e a gente sabe que esses números estão subestimados", alerta o ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fiocruz José Gomes Temporão, que esteve à frente do combate à H1N1. Um estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que testou 89 mil pessoas pelo país, concluiu que os números oficiais estão subestimados em cerca de seis vezes.

Centro-Oeste e Sul viram novos focos

À medida que desacelera nos primeiros epicentros da doença no país, a epidemia de covid-19 avança para o interior e, ao mesmo tempo, se mostra mais forte em locais que tinham números relativamente baixos antes da flexibilização de medidas de quarentena.

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"O que nós vimos é que as capitais que estavam em situação mais aguda e que lideravam a epidemia, que são São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus, começaram a deixar de ter tanta importância, inclusive algumas têm observado uma estabilidade", explica Alves. "Agora, vemos uma interiorização da epidemia, principalmente para esses estados que tinham a capital em situação aguda, e um crescimento nas regiões Centro-Oeste e Sul e no estado de Minas Gerais."

Após a reabertura de suas economias, os três estados do Sul viram o número de casos sair de quase 50 mil no dia 20 de junho para pouco mais de 155 mil um mês depois, enquanto as mortes passaram de 1.095 para 3.264.

O novo cenário forçou os gestores estaduais a repensarem as medidas de relaxamento da quarentena. Em Santa Catarina, o governo voltou a restringir a circulação de pessoas em sete regiões classificadas como em situação gravíssima.

Desde junho, o Centro-Oeste é também um dos novos focos da epidemia. Entre 8 e 28 de junho, o número de mortes cresceu mais de 191% na região, e o de casos, 198%, segundo levantamento do consórcio dos veículos de imprensa. Foram as maiores altas do período entre as regiões do país. A ocupação de leitos de UTI subiu em todo o Centro-Oeste, com Mato Grosso tendo o pior cenário, 92% de ocupação, no começo de julho.

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Há aceleração do número de mortes diárias também no Tocantins, na Paraíba e em Minas Gerais. Somente em Belo Horizonte, a ocupação de leitos de UTI saltou de 45% para 85% em junho, forçando a prefeitura a recuar da flexibilização.

"Agora teria de fazer um lockdown no Sul e no Centro-Oeste. Nos lugares onde o número de casos diários ainda está subindo ou estabilizando num patamar muito alto, tem que fazer lockdown", considera o epidemiologista e reitor da UFPel, Pedro Hallal.

Manaus e capital paulista não veem repiques

O fato de haver cidades que foram duramente atingidas inicialmente nas quais a reabertura não veio acompanhada de um novo avanço da covid-19 intriga pesquisadores.

Mesmo após a reabertura do comércio de rua e shoppings no dia 10 de junho, a cidade de São Paulo não viu o repique que cientistas esperavam em relação ao número de novos casos e óbitos. A taxa de isolamento ajuda a explicar isso. No dia 9 de junho, a capital paulista registrava 47% de índice de isolamento, segundo dados do governo estadual. Esse número caiu, mas não de forma significativa: era de 43% em 20 de julho. No pico para um dia útil, a cidade registrou 57%, em 10 de abril.

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O professor aposentado da Faculdade de Bioquímica da USP e colunista do Estado de S. Paulo Fernando Reinach aponta, no entanto, que a taxa de isolamento não explica tudo. "Na Europa, a curva caiu porque teve um distanciamento social, então todo mundo falava que se relaxassem [as medidas de isolamento] ia subir de novo o número de casos [diários], e aparentemente em São Paulo não está subindo. É a primeira grande metrópole em que essa receita não foi feita, ou foi mal feita", diz.

Outro caso citado por Reinach e por mais pesquisadores é Manaus. A capital do Amazonas chegou a abrir covas coletivas para enterrar seus mortos no pico da epidemia, mas agora vive uma queda. Isso sem que tenham sido implementadas políticas públicas mais efetivas para conter o vírus ou que entre 60% e 70% da população tenha sido infectada, o que caracterizaria, segundo pesquisadores, a chamada imunidade de rebanho.

Para Hallal, que coordenou o estudo da UFPel, há a possibilidade de que a imunidade de rebanho possa ser atingida com uma parcela menor da população imunizada: "Nos últimos dias começaram a pipocar estudos sugerindo que nem todas as pessoas são suscetíveis. Pode ser que a imunidade de rebanho possa ser atingida com menos de 60% ou 70%."

Há estudos sobre a possibilidade de que a vacina BCG (para tuberculose) e a vacina da poliomielite ajudem a proteger contra o Sars-Cov-2, o coronavírus causador da covid-19. No entanto, ainda não existe nada comprovado a respeito.

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Entre abre e fecha, isolamento cai no país

Atualmente, o país vive, na média, uma queda do índice de isolamento social na comparação com o observado em março. Apesar da ausência de uma coordenação federal mais sólida para enfrentamento da epidemia, todos os estados adotaram medidas de distanciamento social a partir de março, tendo sido São Paulo e o Distrito Federal os primeiros.

A partir de abril, no entanto, já começou a haver flexibilização das regras. O pesquisador da Rede de Pesquisa Solidária e mestrando do Departamento de Ciência Política da USP Luiz Cantarello, que tem acompanhado e pesquisado o tema, ressalta, no entanto, que sempre houve diferentes níveis de rigidez: "Na Bahia, hoje, ainda não há flexibilização, e mesmo assim, as regras são menos rígidas que em Goiás, por exemplo, que já flexibilizou."

Independentemente das políticas públicas, o índice geral de isolamento social no Brasil ficou aquém do que é tido como efetivo, a partir de 70%. De acordo com a professora do Departamento de Ciência Política da USP e coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária, Lorena Barberia, os estados com os maiores índices de isolamento - Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás - chegaram perto de 70% entre o final de março e o começo de abril. No último levantamento, dos dias 2 e 3 de julho, todos as unidades da federação estavam com taxas entre 35% e 40%, com exceção do Tocantins, que registrava 33%.

"Como desde o início as políticas implantadas foram moderadas, isso nos colocou em um contexto que tivemos transmissão local por período contínuo. A gente nunca conseguiu atingir o objetivo que outros lugares [do mundo] com políticas mais rígidas conseguiram, ter o fator de transmissão abaixo de um", avalia Barberia. "Se tivéssemos fechado mais rigidamente inicialmente, talvez tivéssemos poupado a economia."

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