Cloroquina doada pelos EUA vira problema para os estados

Substância enviada pelos americanos precisa ser fracionada e a União quer que os governadores assumam a despesa

21 jul 2020 - 05h11
(atualizado às 07h21)

Doados pelos Estados Unidos e pela empresa Novartis ao Brasil para combate à covid-19, cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina podem virar gasto extra dos estados na pandemia. A droga precisa ser fracionada e o Ministério da Saúde quer que governadores assumam a despesa - ou seja, o "agrado" do presidente Donald Trump a Jair Bolsonaro acabou por se tornar, na visão de gestores locais, um "presente de grego".

Cloroquina doada pelos EUA ao Brasil será para 'prevenção' de profissionais de saúde
Cloroquina doada pelos EUA ao Brasil será para 'prevenção' de profissionais de saúde
Foto: George Frey / Reuters

Como as drogas entraram no País em frascos com 100 comprimidos, será preciso separar a dose exata indicada para pacientes do novo coronavírus - e, além disso, embalar o produto em caixa específica. O medicamento não pode ter contato com o meio externo e o processo precisa ser supervisionado por farmacêuticos.

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A sugestão para os Estados assumirem custos do fracionamento foi feita em reunião na última sexta-feira, 17, pela equipe do ministro interino, Eduardo Pazuello. A ideia desagradou aos secretários estaduais.

Reservadamente, os gestores dos Estados lembram que a Saúde sequer deu destino para cerca de 1,2 milhão de comprimidos estocados no Laboratório do Exército. O órgão turbinou a produção da cloroquina, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, e elaborou 3 milhões de comprimidos - o último lote, de 2016, foi de 265 mil unidades.

Também incomoda os secretários estaduais a insistência do Ministério da Saúde no tratamento com a hidroxicloroquina. Na mesma data em que informou aos gestores do SUS sobre a necessidade de fracionar o produto, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) reforçou que a droga é ineficaz para a prevenção e cura da covid-19. "A hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da covid-19" , afirmou a entidade.

Procurado, o ministério confirmou que o medicamento terá de ser fracionado. Com base em orientação divulgada em maio pela Saúde, após Pazuello assumir a pasta interinamente, a ideia é separar caixas de 6 comprimidos de hidroxicloroquina de 400 mg ou, então, com 12 comprimidos de 200 mg. Trata-se da dose indicada pelo ministério para o tratamento da covid-19. A Saúde afirma que a doação servirá para tratar 250 mil pacientes.

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Questionado, o ministério não disse quanto deve custar aos Estados o fracionamento da cloroquina. Segundo pessoas presentes a uma reunião sobre o tema, nem a equipe de Pazuello nem secretários estaduais sabem qual será o valor exato desse gasto.

"O ministério continua insistindo em orientações de dose e posologia do medicamento sem nenhuma comprovação e base científica. Cada vez mais vão se acumulando estudos mostrando a falta de eficácia", afirma o médico, advogado sanitarista e pesquisador da USP Daniel Dourado. Para ele, criar uma "bula paralela" do medicamento, registrado no Brasil apenas contra doenças como malária, é uma infração sanitária.

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) disse que "não há racionalidade em defender o uso desses produtos dentro de uma política pública de medicamentos, muito menos para uso de forma precoce".

A Anvisa deve aprovar nesta terça-feira, 21, em reunião da diretoria colegiada, uma orientação sobre o fracionamento e a distribuição da droga. Os 3 milhões de comprimidos foram fabricados pela Novartis, sendo que 2 milhões foram doados pelo governo de Donald Trump, em 31 de maio, e 1 milhão pela própria farmacêutica. O medicamento elaborado por essa empresa não tem registro no Brasil. A Novartis disse que "não endossa" o uso de nenhum dos seus produtos fora das especificações. E reforça que "qualquer início e interrupção de uso de medicamentos deve ser avaliado em conjunto com um profissional de saúde".

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