O presidente Jair Bolsonaro voltou a falar sobre a pandemia do novo coronavírus nessa quarta-feira, 8, por meio de um pronunciamento de rádio e TV. É a quinta aparição do presidente em rede nacional para se posicionar publicamente sobre a crise, entre recuos, reafirmações e ponderações quanto aos temas abordados.
No pronunciamento de quarta (assista à íntegra abaixo), o presidente defendeu o amplo uso da cloroquina no combate à pandemia, um dos pontos que vêm sendo reafirmados e intensificados a cada aparição. Desta vez, no entanto, Bolsonaro disse que a medicação deveria ser utilizada desde os estágios iniciais da doença, ao contrário do que vem sendo indicado pelo Ministério da Saúde.
O presidente também usou o momento em rede nacional para responsabilizar prefeitos e governadores pelas medidas que restringem a circulação de pessoas como forma de evitar a disseminação da doença. "O governo federal não foi consultado amplitude ou duração", afirmou o presidente, que também voltou a falar na reabertura dos comércios, no desemprego e a citar o diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Comparamos o posicionamento adotado pelo presidente em relação a alguns dos temas mais recorrentes em seus quatro discursos mais recentes, excluindo apenas o de 6 de março, quando o presidente apenas informou as primeiras medidas de combate ao covid-19, após a confirmação da chegada do vírus no Brasil.
Cloroquina
A primeira aparição da cloroquina em um pronunciamento do presidente aconteceu no dia 24 de março (assista à íntegra do discurso abaixo), em sua terceira aparição para tratar do tema. Na oportunidade, Bolsonaro disse estar recebendo notícias positivas sobre o uso da medicação.
"Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.", disse na oportunidade.
Depois disso, o medicamento não saiu mais do discurso do presidente. No pronunciamento do dia 31 de março, Bolsonaro voltou a indicar que o remédio é uma esperança no tratamento do novo coronavírus, ponderando a falta de comprovação. "Ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz.", declarou.
Se nos momentos anteriores a cloroquina era apresentada como uma esperança, algo em desenvolvimento, no discurso da quarta-feira, o presidente ultrapassou a barreira da expectativa e defendeu não apenas o uso do remédio, como também a aplicação dele nas fases iniciais da doença.
"Após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países, passei a divulgar, nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial", afirmou o presidente, citando o caso do médico Roberto Kalil Filho, diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, que admitiu ter tomado o remédio para se tratar da doença. "Essa decisão poderá entrar para a história como tendo salvo milhares de vidas no Brasil. Nossos parabéns ao Dr. Kalil."
De "gripezinha" a "guerra"
Se a opinião do presidente sobre a cloroquina apenas evoluiu com o passar do tempo, o maior recuo do presidente talvez tenha sido quanto à percepção da gravidade da pandemia. Se nessa quarta Bolsonaro chamou a crise atual de guerra, ao se solidarizar com as famílias das vítimas da covid-19 no país, a primeira vez que se referiu à gravidade da doença, em 24 de março, os termos usados para se referir à doença provocada pelo novo coronavírus foram "histeria", "gripezinha" e "resfriadinho".
"O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine", declarou na época. Foi nesse discurso também que o presidente soltou a famosa frase sobre seu "histórico de atleta": "No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho."
Ao contrário deste posicionamento inicial, o presidente parece ter reavaliado as consequências da pandemia para a saúde. No pronunciamento do dia 31 de março (assista abaixo), Bolsonaro já se referiu à crise do coronavírus como "o maior desafio da nossa geração". "O Brasil avançou muito nesses 15 meses, mas agora estamos diante do maior desafio da nossa geração", afirmou.
Distanciamento social e embate com governadores
O isolamento social também é um tema recorrente nos discursos do presidente. Bolsonaro nunca se apresentou favoravelmente às medidas que restringem a circulação de pessoas e a abertura de comércios, no entanto, o posicionamento quanto ao tema variou e representa o maior impasse na relação do presidente com os governadores e com o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pressionado pelo governo por defender normas de isolamento. Em um pronunciamento no dia 12 de março (assista abaixo), o presidente se dirigiu à nação para pedir que manifestações convocadas contra o Congresso fossem adiadas para evitar aglomerações. Vale ressaltar que, na época, apenas o governo do Distrito Federal havia decretado medidas de isolamento social, de modo que o posicionamento específico do presidente quanto às manifestações não pode ser entendido como favorável ao isolamento.
"Queremos um povo atuante e zeloso com a coisa pública, mas jamais podemos colocar em risco a saúde da nossa gente. Os movimentos espontâneos e legítimos marcados para o dia 15 de março atendem aos interesses da nação. Balizados pela lei e pela ordem, demonstram o amadurecimento da nossa democracia presidencialista e são expressões evidentes de nossa liberdade. Precisam, no entanto, diante dos fatos recentes, ser repensados. Nossa saúde e a saúde de nossos familiares devem ser preservadas. O momento é de união, serenidade e bom senso", disse no dia 12. Apesar do pedido, o presidente participou presencialmente das manifestações.
No dia 24, quando a quarentena já havia sido adotada em diversos Estados do País, Bolsonaro se posicionou de forma incisiva contra o fechamento de escolas e a paralisação dos comércios. "Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa."
Após a repercussão negativa do discurso, criticado inclusive por aliados do presidente, Bolsonaro voltou a se manifestar contrariamente ao isolamento, mas de forma menos incisiva. No dia 31, ele declarou: "As medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada".
Em 8 de abril, o presidente jogou a responsabilidade pelas regras de isolamento nos governadores e voltou a pedir pela reabertura dos comércios, afirmando que "o tratamento não pode ser pior que a doença" e que "o desemprego também leva à pobreza, à fome, à miséria, enfim, à própria morte". "Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos o governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração", afirmou.