A mudança de tom no segundo pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro sobre o coronavírus foi fruto de um trabalho de convencimento de parte dos ministros e até de outros Poderes, que conseguiram exercer mais força sobre o presidente do que as vozes de seus filhos e do chamado "gabinete do ódio", afirmaram fontes com conhecimento das discussões no Planalto.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, veio o recado de diversos ministros do Supremo Tribunal Federal --inclusive do presidente da Corte, Dias Toffoli, com quem Bolsonaro tem uma boa relação-- de que o tom que vinha sendo adotado por ele no trato da pandemia não estava ajudando e seria "aconselhável" mudar, disse uma das fontes ouvidas pela Reuters.
Do Congresso, com quem Bolsonaro tem um relacionamento cada vez mais conflituoso, também veio a avaliação de que qualquer ponte possível estava sendo destruída pela atitude isolada do presidente contra as medidas de isolamento social para conter a disseminação do vírus, contrária a do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Os cenários pessimistas permitiram a ministros do governo, entre eles o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, o da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e o da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, convencer o presidente a optar pela moderação no pronunciamento de terça-feira -- ao menos por enquanto.
Um dos principais mensageiros dos recados a Bolsonaro foi Jorge Oliveira. Importante conselheiro do presidente, o ministro da Secretaria-Geral tem evitado falar em público e fazia postagens neutras e protocolares nas redes sociais. Em reuniões internas, de acordo com uma fonte, defendeu a moderação.
Braga Netto, Tarcísio e os ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Defesa, Fernando Azevedo, estavam no grupo investido em conseguir que o presidente baixasse o tom e se aproximasse da posição de Mandetta e das autoridades de saúde.
Isolado dentro de seu próprio governo, Bolsonaro admitiu a necessidade de moderação. Por sugestão dos ministros, deixou de fora os pontos mais polêmicos e as bravatas, não defendeu mais o fim do isolamento e colocou a defesa da saúde no mesmo patamar da defesa do emprego. O texto final foi visto por Tarcísio e Braga Netto, mas Mandetta foi avisado de qual seria o tom.
REVIRAVOLTA
A postura foi um completa reviravolta em relação ao primeiro pronunciamento do presidente, na semana passada, em que Bolsonaro chamou a epidemia de coronavírus de "gripezinha", acusou governadores e pediu o fim do isolamento. Mandetta, assim como os demais ministros, foi pego de surpresa e só descobriu o teor quando viu Bolsonaro na televisão.
A trégua relativa, no entanto, pode ser suspensa a qualquer momento. A avaliação é que, ao enfrentar o isolamento de suas posições, Bolsonaro decidiu acatar a orientação dos seus ministros dessa vez, mas não se sabe por quanto tempo.
"Há um certo padrão. O presidente ouve os ministros, especialmente os militares, fica aceita a moderação. Aí vem os filhos e as coisas mudam de novo. O pêndulo é esse", disse uma das fontes ouvidas pela Reuters.
Nesta mesma quarta-feira, o Planalto chamou médicos de importantes hospitais do país para uma reunião sobre o uso da cloroquina para tratar coronavírus, com presença prevista de Bolsonaro, sem convidar Mandetta, de acordo com uma fonte. Perguntado sobre o encontro, o ministro respondeu com firmeza.
"Eu só trabalho com critério técnico e científico, opiniões só trabalho com a academia, com o que é ciência. Agora, existem as pessoas que trabalham com critérios políticos", afirmou, em entrevista coletiva. Ainda não existe confirmação científica da eficácia do uso da cloroquina para tratar o coronavírus.
PARA-RAIOS
Filho do meio do presidente, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro tem passado os dias em Brasília, ao lado do pai e, de acordo com fontes palacianas, tem ido diariamente ao Planalto. Foi ele quem organizou e preparou o texto do pronunciamento da semana passada e quem tem, novamente, controlado as redes sociais do pai. Radical, Carlos alimenta a estratégia de insuflar os bolsonaristas nas redes a favor de Bolsonaro, mas tem ajudado a alienar outros eleitores.
Na manhã desta terça, poucas horas depois do discurso moderado de Bolsonaro, as redes sociais do presidente apresentavam um vídeo em que um homem mostrava a Ceasa de Belo Horizonte vazia e afirmava que era o desabastecimento causado pelo isolamento decretado pelos governos estaduais.
Pouco tempo depois, reportagens mostravam que o vídeo tinha sido gravado em um momento em que o entreposto normalmente está vazio para limpeza, e que a Ceasa estava funcionando normalmente nesta manhã. Bolsonaro apagou os posts e, mais tarde, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, confirmou em entrevista no Planalto que não há desabastecimento. No início da noite, o presidente pediu desculpas por ter publicado em uma rede social o vídeo sobre desabastecimento de uma central de alimentos em Belo Horizonte.
Desde uma tensa reunião de sábado, em que Mandetta avisou que defenderia o isolamento a despeito da posição contrária do presidente e pediu que Bolsonaro não minimizasse a epidemia, o relacionamento entre ambos melhorou, mas segue com desconfiança de ambos os lados, contou uma das fontes.
Mandetta, que chegou a ser ameaçado de demissão, segue contrariando as convicções do presidente, especialmente em relação ao isolamento e ao uso de cloroquina como medicamente que resolve todos os problemas, mas uma trégua foi atingida.
Em meio aos dois, o ministro da Casa Civil, além de organizar as diversas ações de todos os ministérios, tem servido de para-raios entre o presidente e o ministro. Questionado na terça-feira se apoiava a posição de Mandetta sobre o isolamento, Braga Netto foi incisivo: "plenamente".