Em Cingapura, alunos limpam as próprias carteiras escolares e fazem um caminho pré-determinado até suas salas de aula. Na França e na Coreia do Sul, algumas escolas reabertas tiveram de fechar, por conta de novos focos de covid-19. No Reino Unido, um dos países que reabriu as escolas recentemente, menos da metade dos alunos esperados apareceram na volta às aulas em algumas delas.
A expectativa de retorno à escola traz sensações mistas de alívio e preocupação a muitos pais — prenunciando uma possível volta à rotina, mas também o medo de expor as crianças (e suas famílias) ao contágio pelo coronavírus.
No Brasil, as secretarias estaduais de educação ainda não têm previsão de quando as aulas presenciais retornarão. Estados como Maranhão e Rio Grande do Sul adiaram seus anúncios de abertura de escolas.
Mas o Conselho de Secretários Estaduais da Educação (Consed) afirmou que "está trabalhando com suas equipes nas estratégias sanitárias, financeiras e pedagógicas que serão colocadas em prática a partir do momento em que as datas forem definidas".
O Consed elaborou diretrizes para ajudar redes e escolas no retorno. Entre as orientações, estão a de se suspender atividades presenciais em grupos, limitar a quantidade de alunos à metragem da sala, revezar horários de entrada, saída e recreação, sinalização de rotas dentro da escola para minimizar as chances de contato entre alunos e criar rotina de triagem e higienização na entrada das escolas.
Na parte pedagógica, o documento orienta as escolas a ampliar sua jornada diária e a repor aulas aos sábados e à noite, para compensar as perdas da quarentena; a dar apoio psicossocial a alunos e professores e a fazer uma busca ativa de alunos que possam ter decidido abandonar os estudos durante o período de isolamento.
Na prática, muitas dúvidas práticas permanecem nas cabeças de pais e educadores. Como escalonar a volta das crianças e jovens à escola — e quais devem ter prioridade? Como garantir medidas de distanciamento social com as crianças pequenas? Quais devem ser as prioridades da escola na pós-pandemia? E, principalmente, como ter certeza de que o ambiente escolar não vai virar um foco de proliferação da covid-19?
O Consed diz que se baseou nas opiniões de seus técnicos e nas experiências internacionais de volta às aulas. A BBC News Brasil coletou algumas dessas experiências a seguir:
As crianças pequenas
Alguns dos países que reabriram suas escolas priorizaram as crianças menores, por sua menor taxa de adoecimento e para liberar seus pais para voltar ao trabalho. É, também, uma das etapas mais difíceis de se fazer um ensino remoto de qualidade.
No entanto, é também uma faixa etária que tem mais dificuldades em fazer atividades sentadas em carteiras, com coleguinhas distantes entre si.
No Reino Unido, que reabriu parte de suas escolas em 1° de junho, crianças da pré-escola e anos iniciais não puderam mais fazer as aulas sentadas lado a lado no carpete, como de costume, mas sim enfileiradas em carteiras — um modelo de sala de aula mais antiquado e menos interativo.
Cada turma foi dividida em dois grupos: um deles frequenta as aulas de segunda e terça; o outro, de quinta e sexta-feira. Na quarta-feira, a sala de aula é limpa minuciosamente. Todas as classes foram equipadas com álcool gel e lenços umedecidos.
Mesmo assim, na escola que foi acompanhada pela BBC em seu primeiro dia de retomada, apenas 32 crianças apareceram, de um total de 85 que eram esperadas, mostrando que muitos pais ainda têm receio de colocar os filhos de volta no ambiente escolar.
Uma mãe que levava seu filho, porém, afirmou que o menino estava "implorando para voltar à escola". "O principal para mim é a normalidade e a saúde mental dele. Ele precisa da interação com seus amigos."
Na Dinamarca, onde as escolas estão reabertas desde 15 de abril, as crianças têm de lavar as mãos de cinco a seis vezes por dia. Classes de 20 foram divididas em dois, e as crianças são o dia inteiro lembradas por educadores a ficarem distantes entre si. No recreio, podem brincar em grupos de no máximo quatro, e cada grupo fica em um canto do pátio.
Uma menina de 7 anos entrevistada pela BBC admitiu que o mais difícil de tudo era não poder mais abraçar os amigos.
Em maio, em entrevista ao jornal Guardian, um representante do sindicato de professores dinamarqueses afirmou que a retomada às aulas ocorreu suavemente, mas, mesmo assim, confirmou que alguns educadores contraíram o novo coronavírus depois de voltar ao trabalho presencial.
Em Cingapura, uma estratégia das escolas para incentivar o uso de máscaras pelas crianças pequenas foi comprar um estoque extra e pedir que cada criança decore a sua, "para virar um novo acessório personalizado para este novo normal", nas palavras de um representante do governo ao jornal Strait Times.
As escolas do pequeno país passaram a medir a temperatura dos alunos diariamente, e agora cada um traz suas refeições de casa. As crianças só interagem em pequenos grupos no recreio e só podem andar nos corredores das escolas em fila única. Cada grupo tem uma rota pré-determinada à sala de aula e só pode usar um banheiro específico, para diminuir as chances de contágio.
Em Portugal, que tem escalonado sua volta às aulas desde 18 de maio, as crianças da pré-escola fizeram parte da última leva de estudantes que retornaram à escola. Em um vídeo produzido pela Direção Geral de Estabelecimentos Escolares, pede-se que as crianças "não toquem na boca, no nariz e nos olhos, mesmo que estejam com as mãos limpas", e conversem com os professores "se estiverem tristes ou se sentindo mal".
Saúde mental e perigo de evasão escolar
Muitos educadores também se questionam como estarão, do ponto de vista emocional, as crianças que estão voltando às aulas presenciais. "Para algumas crianças, a quarentena foi um período seguro e agradável. Para outras, foi traumática e desafiadora", diz a Fundação Britânica de Saúde Mental em documento de orientação à volta à escola, lembrando que muitas famílias podem ter perdido entes queridos ou sua fonte de renda, ou enfrentado problemas mentais (como depressão) durante o período de confinamento.
Isso pode se refletir em crianças mais retraídas, ansiosas ou irritadas em sala de aula, aponta a fundação. Outras podem ter dificuldades iniciais em se concentrar e se readaptar à rotina escolar.
Entre as recomendações do órgão estão dar espaço às crianças para que falem de seus sentimentos — entre si, em sala de aula e em conversas individuais com educadores. E também de dar tempo para que os vínculos entre as crianças e as escolas sejam refeitos.
Ao mesmo tempo, o bem-estar físico e mental das crianças tem sido usado também como argumento por gestores para defender a volta às aulas.
Na França, o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, disse que se tratava de uma "emergência social" colocar os jovens de volta nas escolas, pelo medo de que uma parcela dos alunos não conseguisse concluir os estudos ou evadisse, criando "uma geração perdida de crianças que foram impedidas por meses de frequentar a escola".
No relatório Estratégias para a Reabertura de Escolas, feito por Unicef, Unesco, Banco Mundial e o Programa da ONU para Alimentação, os organismos afirmam que "quanto mais tempo as crianças marginalizadas ficarem fora da escola, menor é a probabilidade de que retornem. Crianças de lares mais pobres já têm cinco vezes mais probabilidade de não estar na escola primária, em comparação com lares mais ricos. Ficar fora da escola também aumenta o risco de gravidez na adolescência, exploração sexual, casamento infantil, violência e outras ameaças."
O debate de quando reabrir
Mas qual é a hora certa de reabrir? "O momento de reabertura de escolas deve ser guiado pelo melhor interesse das crianças e por preocupações gerais de saúde pública, com base na avaliação dos riscos e benefícios e das evidências (locais)", diz o documento da ONU.
Não é uma avaliação simples. Na França, por exemplo, onde a reabertura começou em 11 de maio, algumas escolas tiveram de fechar temporariamente na semana seguinte, depois que surgiram 70 novos casos de covid-19 no ambiente escolar (embora a percepção fosse de que, diante do tempo de incubação do coronavírus, o contágio dessas pessoas provavelmente ocorreu antes da volta às aulas).
No Reino Unido, a reabertura das escolas encontrou resistência entre cientistas e gestores escolares, muitos dos quais consideraram 1° de junho cedo demais em um país com um dos mais altos números de mortes por covid-19 no mundo. Algumas escolas se mantiveram fechadas a despeito da autorização do governo e, na Escócia, a volta às aulas é prevista apenas para agosto, e mesmo assim em modelo híbrido — parte dos estudos em casa, e outra parte no ambiente escolar.
Em meados de junho, alunos mais velhos já começaram a voltar à escola, mas quase todos eles só estão tendo aulas presenciais por no máximo dois dias por semana.
Mesmo 15 dias depois do início da retomada, ainda há dúvidas quando algumas escolas devem ser reabertas, abrindo uma disputa entre parlamentares e sindicatos de professores.
O parlamentar trabalhista Jonathan Gullis acusou o Sindicato Nacional de Educação britânico de "promover uma campanha política (...) para garantir que as escolas não reabram". Uma representante do sindicato afirmou que, com a atual proporção alta de alunos por professores, é muito difícil reabrir as escolas e garantir medidas de segurança e distanciamento social.
Na Coreia do Sul, à semelhança da França, algumas escolas fecharam poucos dias após reabrirem, diante de novos picos de casos de covid-19 no país. Mais de cem escolas sul-coreanas também adiaram sua reabertura.
Mas, mesmo com adiamentos, a reabertura tem ocorrido ali: a última leva de estudantes estava prevista para voltar às escolas no dia 8. O que tem sido feito para mitigar os riscos é escalonar não apenas as séries com aulas, mas também horários de aula, de almoço e recreio. O tempo de aula presencial é menor do que o pré-pandemia, e parte do conteúdo segue sendo ensinado no ambiente virtual.
No início, classes do ensino fundamental poderão funcionar com um terço dos alunos; as do ensino médio, com dois terços.
O governo sul-coreano também tem inspecionado escolas e, apenas entre as preparatórias para o vestibular, foram encontradas 10 mil com problemas de adequação às novas normas sanitárias.
E a reabertura tem despertado dúvidas, segundo o jornal Korea Times. Como apenas os alunos do último ano do ensino médio estão autorizados a frequentar as escolas todos os dias, alguns pais dos alunos das demais séries têm se questionado se é produtivo mandar seus filhos à escola apenas um ou dois dias por semana, e se isso vale a pena o risco de as crianças contraírem a covid-19.
Em Cingapura, o escalonamento e a supervisão também são rígidos. Os primeiros a regressar à escola foram os dos anos finais do ensino médio, que se preparam para exames de ingresso nas universidades. E lá também ainda estão sendo mescladas atividades presenciais com as virtuais.
Alunos mais velhos são responsáveis por higienizar as próprias carteiras escolares. Aulas de educação física são feitas em ginásios grandes, com alunos fazendo atividades físicas individuais orientadas por um professor em um microfone.
Normas de higiene
Em todos os países, a preocupação maior, é claro, é com as normas de higiene para reduzir a chance de contágio.
Os CDCs, centros de controle de doenças dos EUA, produziram um guia com orientações específicas de higiene: desde a diluição ideal para desinfetantes até orientações para deixar as salas mais ventiladas e com o máximo possível de exposição ao sol, o que ajuda a matar o coronavírus. Outra orientação importante é de que escolas e demais locais não estoquem materiais de limpeza em excesso, para evitar a escassez em varejistas.
O documento da ONU de reabertura de escolas pede que países e regiões emitam protocolos de higiene que sejam claros e de fácil entendimento, que educadores de grupos de risco sejam preservados do ambiente presencial, que exames escolares não essenciais sejam adiados, que pagamentos de salários sejam preservados e que a higiene pessoal ganhe novo protagonismo neste período de pandemia.
Em artigo na revista científica Lancet, membros da Unesco falam da promoção da "alfabetização higiênica": "professores devem agir como promotores da saúde para seus alunos desde cedo, estimulando ativamente hábitos de atividades físicas, boa higiene pessoal e dieta balanceada, e advertindo para as consequências de comportamentos de risco", diz o texto.
"Pode-se usar para isso uma grande variedade de atividades participativas, como debates, trabalhos em grupo, atividades baseadas em situações da vida real, contação de histórias, simulações, jogos educativos, artes, música, teatro e dança."