Na luta contra o novo coronavírus, profissionais de saúde ao redor do mundo têm pagado um alto preço: milhares foram infectados e há um número crescente de mortos entre eles.
Apesar dos equipamentos de proteção e das máscaras (escassos em muitos países), médicos, enfermeiros e outros profissionais da área parecem tender a contrair mais o vírus que a maioria das pessoas, e talvez a desenvolver sintomas mais graves.
Mas por que isso ocorre?
Carga viral
Para especialistas, grande parte da explicação passa pela quantidade de vírus à qual eles são expostos, além também da faixa etária e de eventuais condições pré-existentes, como diabetes e doenças cardíacas.
Depois que o vírus Sars-CoV-2 entra no corpo, ele invade as células e faz cópias de si mesmo, como é padrão para os vírus. O volume dessas cópias só cresce ao longo dos dias.
Uma maior carga viral, termo usado para tratar da concentração de vírus, significa que a gravidade de uma doença tende a ser pior e a capacidade de transmissão para outras pessoas, maior.
"Quanto mais vírus em mim, maior a probabilidade de eu transmiti-lo para você", explica a professora Wendy Barclay, do departamento de doenças infecciosas do Imperial College de Londres.
Profissionais de saúde estão frequentemente em contato com outras pessoas com quadros graves da doença e, portanto, com grande quantidade de vírus no corpo.
Em geral, uma pessoa infectada com o novo coronavírus transmite o patógeno para até três pessoas. Mas um paciente em atendimento em um hospital da cidade chinesa de Wuhan, por exemplo, passou o vírus para ao menos 14 profissionais de saúde antes mesmo de ter febre, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo Barclay, mesmo que a pessoa seja saudável, o sistema imunológico dela terá muita dificuldade para lutar contra todos esses vírus.
"O tamanho da carga viral quase sempre determina o resultado da batalha entre o vírus e o sistema imunológico. Em experimentos com diferentes doses de vírus em animais, por exemplo, os animais que recebem a maior carga viral são aqueles que ficarão mais doentes."
Como o Sars-CoV-2 entra no corpo
Se uma pessoa tem o novo coronavírus no corpo, ele pode estar localizado no trato respiratório superior, pronto para ser espalhado por meio da respiração, da tosse ou de um espirro, por exemplo.
"Todas as vezes que respiramos ou falamos, nós emitimos no ar gotículas oriundas de nosso nariz e nossa garganta", explica Barclay.
Algumas delas podem contaminar superfícies, e é por isso que se recomenda tanto que as pessoas lavem as mãos com frequência.
Não está claro ainda quantas partículas uma pessoa precisa receber para ficar doente. "Com a influenza, vírus que conhecemos bem, sabemos que apenas três partículas são suficientes para desencadear uma infecção em uma pessoa."
Linha de frente em risco
Ainda não sabemos exatamente quanto essa exposição frequente ao vírus pode afetar a saúde das equipes de saúde que estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus, que desde dezembro infectou mais de 860 mil pessoas e matou 42 mil.
Mas dados de outra epidemia de coronavírus, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), em 2002 e 2003, que era mais letal e menos transmissível, indicavam que 21% dos casos da época envolviam profissionais de saúde, segundo a OMS.
Na pandemia atual, mais de 6.200 profissionais da área foram infectados na Itália, onde mais de 100 mil pessoas contraíram o vírus.
Na Espanha, o novo coronavírus atingiu cerca de 6.500 profissionais de saúde, ou 12% dos casos confirmados até o momento deste levantamento.
Na China, até o início de março, o governo divulgou que quase 3.300 membros dessa linha de frente contraíram o vírus.
De acordo com esses levantamentos feitos em estágios específicos da pandemia em cada país, os profissionais de saúde representam algo entre 4% e 12% dos casos confirmados. Mas esses números pode variar bastante, e não se deve tirar conclusões precipitadas a partir deles.
Para se ter uma ideia, uma autoridade do sistema de saúde do Reino Unido afirmou que há hospitais nos quais algumas áreas têm mais de 50% da equipe doente.
Sem medidas de controle, hospitais podem se tornar também centros de disseminação da doença.
Alguns médicos afirmaram à BBC, sob condição de anonimato, que deram alta antecipada para diversos pacientes com outras doenças a fim de evitar que eles contraíssem coronavírus nas instalações hospitalares.
Desprotegidos
Esse risco associado à exposição constante ao vírus ajuda a explicar as cobranças furiosas de profissionais de saúde de diversos países por causa da falta de equipamentos de segurança necessários para exercerem seus trabalhos.
Na França, médicos foram à Justiça contra o governo sob acusação de falhas no aumento da produção de máscaras, algo que eles alegam colocar suas saúdes em risco.
No Zimbábue, enfermeiros e médicos fizeram paralisações contra a falta de equipamentos de proteção, em meio à quarentena de três semanas adotada no país para tentar conter o avanço da pandemia ali.
Para Neil Dickson, executivo-chefe de uma entidade britânica de profissionais de saúde, a falta desses equipamentos abalou a confiança de médicos e enfermeiros, ainda que o governo tenha passado a usar os militares para distribuir máscaras.
Segundo ele, outro grande problema enfrentado nesse segmento é que grande parte da produção está em países asiáticos como a China, cuja capacidade produtiva foi reduzida em razão do avanço do vírus.
O governo britânico também está sob intensa pressão para ampliar os testes para detectar a presença do coronavírus ou de anticorpos contra ele (o que indicaria que a pessoa já teve a infecção e se recuperou) em profissionais de saúde.
Segundo entidades do setor, médicos, enfermeiros e outros especialistas acabaram se autoisolando por terem tido contato com pessoas infectadas, mas depois se descobriu que apenas 15% deles tinham contraído o vírus.
*Com reportagem de Deborah Cohen, jornalista de saúde do Newsnight