O ano é 1918. A gripe espanhola já começava a se espalhar pelo mundo e chegava a Alagoas. Para dar conta das mortes em série, um cemitério precisou ser construído às pressas em Maceió, já que o cemitério do Estado, o Nossa Senhora da Piedade, não comportava mais.
O mesmo cemitério recebe hoje corpos de uma nova pandemia, a do novo coronavírus, 102 anos depois.
O cemitério tem 7 mil sepulturas, uma delas de Cláudio Mandu da Silva, de 48 anos, enterrado em cerimônia restrita no último dia 15 de abril por causa da covid-19, doença causada pelo vírus.
Cláudio era açougueiro e trabalhou por vários dias doente no mercado da Produção, tradicional ponto de venda de Maceió.
O enterro de Cláudio só contou com três pessoas — o cunhado, o irmão e o patrão —, que viram tudo de longe. Os coveiros, que carregavam o caixão lacrado, usavam EPIs (equipamentos de proteção individual) que mais lembravam profissionais de saúde em hospitais.
"Foi muito triste. Não podia ter muita gente por causa da contaminação. Foi um enterro feito às pressas e limitado", contou o cunhado, Marcelo Franklin.
História
O jornalista e pesquisador em história alagoana Edberto Ticianelli contou à BBC News Brasil que o terreno escolhido para a construção do cemitério na época fica entre o tradicional bairro do Prado e o antigo hospital de isolamento, que tratou pacientes da gripe espanhola.
"Em frente a ele já tinha existido um cemitério (meados do século 19). O local não foi bem aceito por alguns, entre eles o doutor Afrânio Jorge, que era secretário de Saúde da época e fez campanha contra", disse o historiador.
Ticianelli afirmou que, como as mortes eram muitas e a população queria ter seus entes enterrados, passaram a entender a oposição de Afrânio Jorge como uma atitude contra esse direito. "Houve muita confusão, com brigas e tiros".
O local para ser o novo cemitério foi escolhido provisoriamente e desapropriado para receber os mortos. Somente em 1924 que ele foi murado e preparado para ser, de fato, um cemitério. "Antes era apenas um terreno".
Antes de ser batizado de São José, o local tinha outro nome: cemitério de Caju, por causa da existência de vários cajueiros no local.
Estima-se que o número de mortos no mundo inteiro por causa da gripe espanhola esteja entre 17 milhões a 50 milhões. Em Alagoas, um levantamento publicado mostrou que entre o dia 1º e 10º de dezembro de 1918 foram enterrados 126 mortos no cemitério são José.
"Esses são os únicos dados encontrados. Na época não havia nenhuma preocupação com dados. Mas imagine quantas pessoas morriam e eram enterradas em locais diversos sem nenhum controle. Em 10 dias foram enterradas 172 pessoas no cemitério Nossa Senhora da Piedade, no (bairro do) Prado. Imagine nos outros", ressaltou o historiador.
Para ele, a estimativa é que tenha havido mais de 2 mil mortes. "Isso apenas na capital. No interior nem se fala, foi uma calamidade", disse.
A história se repete
Em 2020, a história se repete, com a chegada da pandemia causada pelo novo coronavírus. Alagoas enfrenta um crescimento rápido de casos confirmados e de mortes. Até este domingo (3/5), eram 1.441 casos confirmados e 64 óbitos no Estado.
O historiador vê relação entre as pandemias da gripe espanhola e a do novo coronavírus. "Como hoje, a medicina não teve respostas imediatas. Também se repetiu a tentativa de se minimizar as ameaças da gripe. Era tratada, no início, como uma gripe de 'caráter benigno', ou seja: que não colocava vidas em risco. As medidas dos governantes da época recomendavam evitar aglomerações e toda atividade desse tipo foi suspensa: aulas, comércio, missas", explicou.
Por meio de nota, a Superintendência Municipal de Desenvolvimento Sustentável disse que "os cemitérios públicos de Maceió têm a capacidade para realizar em média 300 sepultamentos por mês" e que registram hoje entre 6 a 8 sepultamentos por dia.
"Para o mês de abril ainda não há nenhuma alteração além da média, visto que o número de óbitos não têm ultrapassado a capacidade que os cemitérios comportam".