Eva Panarese cresceu na Itália, de mãe sueca, e sempre sonhou ir morar na Suécia. Dois anos atrás, conseguiu fazer a mudança: ela, o marido e os filhos estavam felizes com sua nova vida. Como para tantos outros, porém, a chegada da pandemia de covid-19 à Europa representou uma reviravolta.
Após retornarem de uma viagem de trabalho na Itália, em fevereiro, o marido e o filho ficaram doentes. "Fiquei bem chocada pelo modo como o hospital lidou com a situação: sem máscaras, nada, nós poderíamos ter levado o coronavírus para o hospital", comenta Panarese.
O diagnóstico foi pneumonia, seu filho se recuperou rapidamente, mas o marido continuou doente. Para evitar que ele contraísse covid-19 das crianças, decidiu mantê-las em casa. Mas a escola se opôs, e a mãe passou a receber diariamente telefonemas e cartas ameaçadoras. "Eles não se importam se você tem uma pessoa em risco em casa, se o seu filho está saudável, ele tem que ir à escola", queixa-se.
Na Suécia é ilegal deixar de enviar à escola uma criança saudável, e cabe aos diretores decidirem se um aluno pode ficar em casa. A imprensa tem noticiado sobre diversos casos de escolas e prefeituras ameaçando pais que mantenham seus filhos em casa com multas, denúncias aos serviços de saúde ou reprovação do aluno.
A solução encontrada por Panarese foi abandonar seu país dos sonhos: "Vou manter meu emprego na Suécia e simplesmente me mudar para a Dinamarca que fica só a 30 minutos de carro , onde eles são sensíveis às famílias em risco."
Ameaça de deportação para trabalhadores estrangeiros
Enquanto a maioria dos países adotou medidas de confinamento para evitar o alastramento do vírus, a Suécia optou por outro caminho, divulgando diretrizes informais sobre distanciamento social, deixando abertas escolas, restaurantes e bares, e pedindo aos cidadãos para agirem com responsabilidade.
A estratégia suscitou tanto louvor quanto condenação, no país e no exterior. Atualmente, A Suécia, com 10,2 milhões de habitantes apresenta cerca de 42 mil casos de covid-19, com 4.560 mortes, segundo a Universidade Johns Hopkins.
Na última quarta-feira, era o quinto país do mundo em mortes para cada 100 mil habitantes (43,3). Ainda está abaixo de outros europeus mais atingidos pela pandemia, como Espanha (58,1), Reino Unido (58,9) e Itália (55,4). Mas supera de longe as vizinhas Dinamarca (9,9), Finlândia (5,8) e Noruega (4,4), que impuseram bloqueios muito mais duros no início da pandemia.
Assim como Panarese, os cidadãos que se sentem negativamente afetados pela política, ou que prefeririam que o país tivesse agido diferente, estão fazendo planos para se mudar, assim que a crise global tenha passado.
"A sequência da pandemia verá uma hemorragia de talentos estrangeiros", prevê Emanuelle Floquet, diretora de projetos do think tank sueco Working for Change Matters, dedicado à diversidade cultural nas empresas. "Muitos estão também perdendo o emprego e cairão para ainda mais baixo na lista de prioridades, muito atrás dos suecos."
Com base em postagens no Facebook, Floquet detecta duas tendências entre os grupos de imigrantes: os que apoiam fortemente a estratégia de Estocolmo e os que querem ir embora. Numa enquete informal, 350 estrangeiros indicaram que estão no processo de emigrar ou planejam fazê-lo.
O governo projeta uma taxa de desemprego de 9% em 2020, a mais alta em mais de 20 anos. Isso significa que 500 mil dos 6,4 milhões de cidadãos aptos estariam sem trabalho até o fim do ano. Por outro lado, de acordo com a lei sueca, estrangeiros com visto para trabalho têm até três meses para encontrar um novo emprego.
Contudo encontrar trabalho dentro desse prazo também pode não bastar para garantir a permanência. Uma especialista em TI nigeriana que não quer seu nome publicado, por medo de represálias relata ter recebido recentemente um aviso de deportação, apesar de ter encontrado emprego no prazo estipulado.
A justificativa das autoridades de imigração foi que a vaga não fora divulgada pela Agência Sueca de Emprego Público, mas só listada no Linkedin, onde a especialista a encontrou. Agora ela está insegura quando ou se poderá partir, já que o espaço aéreo nigeriano está fechado.
O preço de uma voz crítica
Em abril, diretor do departamento de imigração sueco declarou que assalariados e requerentes de asilo estrangeiros que perderam o emprego poderiam perder também seu visto para trabalho, sem uma nova legislação. Outros países da União Europeia, como a França, prorrogaram automaticamente todos os vistos por mais seis meses.
"Não sei se os talentos irão embora por causa da política da Suécia para o coronavírus", comenta Matt Kritteman, especialista em migração da Fundação Diversify, engajada pelos direitos dos trabalhadores estrangeiros. "Mas sabemos, sim, que as autoridades disseram muito claramente a todos o que vai acontecer seu uma legislação."
Para a epidemiologista belga Nele Brusselaers, é tarde demais: após oito anos na Suécia, ela pretende emigrar. Funcionária do prestigioso Instituto Karolinska, ela tem sido uma das opositoras mais veementes da estratégia nacional para a epidemia, e descobriu que se pronunciar criticamente pode ter um alto custo.
"Sou vítima de trolls e insultada porque me preocupo pela segurança dos meus alunos, amigos, colegas e suas famílias", comentou em e-mail à DW. Em sua opinião, a confiança que muitos residentes estrangeiros tinha na Suécia está abalada, possivelmente para sempre.
"Toda escola, por todo o mundo, se preocupa com a segurança dos seus professores e alunos menos na Suécia. Todo hospital ou estabelecimento de cuidados se preocupa com a saúde e segurança dos seus empregados, pacientes e residentes menos na Suécia. Ninguém assume responsabilidade, ninguém assume a culpa. Ninguém parece se importar."