Covid-19: por que a variante do coronavírus descoberta na Índia preocupa o Brasil e o mundo?

Nova linhagem mais transmissível parece contribuir para grave situação da Índia e ameaça frustrar planos de reabertura.

18 mai 2021 - 06h43
(atualizado às 07h21)
Variante encontrada na Índia pode levar a um recrudescimento da pandemia em vários lugares do mundo, apontam projeções
Variante encontrada na Índia pode levar a um recrudescimento da pandemia em vários lugares do mundo, apontam projeções
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A descoberta da variante B.1.617 não é exatamente uma novidade: os primeiros relatos dessa nova versão do coronavírus foram publicados ainda em outubro de 2020.

Mais recentemente, porém, o interesse e a preocupação relacionados a essa linhagem aumentaram consideravelmente.

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Isso porque o número de casos de covid-19 provocados por ela aumentou consideravelmente na Índia, seu provável local de origem.

Nas últimas semanas, a cepa também foi detectada em outros 44 países de todos os seis continentes.

Desde o final de abril, a Índia vive seus piores momentos desde que a pandemia começou, com recordes nos números de infectados e óbitos pela covid-19 — embora a variante não seja o único fator que explica esse agravamento da crise sanitária por lá.

No Reino Unido, a subida vertiginosa de pacientes infectados com a B.1.617 ameaça a reabertura: já existem dúvidas se as atividades sociais e econômicas serão 100% retomadas até junho, como planejado.

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Por ora, o Brasil ainda não tem nenhum caso provocado por essa linhagem oficialmente detectado.

Mas a confirmação da chegada da cepa à Argentina e as notícias de um paciente indiano que está em observação no Maranhão ligaram recentemente o sinal de alerta no país.

Mas o que faz a B.1.617 ser tão preocupante assim?

O que a ciência já sabe

Essa variante possui três versões, com pequenas diferenças: a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3.

Todas elas foram descobertas na Índia, entre outubro e dezembro de 2020.

Nas últimas semanas, Índia vive seu pior momento desde que a pandemia começou
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A análise genética revelou que o trio apresenta mutações importantes nos genes que codificam a espícula, a proteína que fica na superfície do vírus e é responsável por se conectar aos receptores das células humanas e dar início à infecção.

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Entre as alterações, três delas chamam mais a atenção dos especialistas: a L452R, a E484Q e a P681R.

Vale reparar que a mutação L452R já havia sido observada em duas variantes detectadas em Nova York e na Califórnia, nos Estados Unidos.

A E484Q tem algumas similaridades com a E484K, que foi uma alteração encontrada em outras três linhagens que ganharam bastante destaque nos últimos meses: a B.1.1.7 (Reino Unido), a B.1.351 (África do Sul) e a P.1 (Brasil).

Já a mutação P681R parece ser exclusiva das versões flagradas na Índia e não se sabe muito bem o que ela pode significar na prática.

"Essas mutações virais estão surgindo em cidades em que há o relaxamento das medidas de proteção e onde se acreditava que a população já estava imunizada, seja pela infecção natural ou pela vacinação", diz o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.

Em linhas gerais, tudo indica que esses "aprimoramentos" genéticos melhoram a capacidade de transmissão do vírus e permitem que ele consiga invadir nosso organismo com mais facilidade.

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Antes, com as versões anteriores, era necessário ter contato com uma quantidade considerável de vírus para ficar doente.

Agora, com as novas variantes, essa carga viral necessária para desenvolver a covid-19 é um pouco mais baixa, o que certamente representa um perigo.

"É como se o vírus criasse caminhos para escapar do sistema imune e desenvolvesse maneiras de transmissão mais eficazes", completa Spilki, que também coordena a Rede Corona-Ômica, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.

O que a ciência ainda não sabe

Por enquanto, ainda há muitas perguntas sem respostas sobre a B.1.617 e seu impacto no controle da pandemia.

Até o momento, os cientistas não conseguiram estabelecer a sua real velocidade de transmissão e o quanto as mudanças genéticas contidas nessa linhagem interferem na eficácia das vacinas já disponíveis.

Também não se sabe ao certo se a variante está relacionada a quadros de covid-19 mais graves, que exigem internação e intubação.

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Com base nas poucas informações disponíveis, o Grupo Independente de Aconselhamento Científico para Emergências (Indie-Sage), do Reino Unido, montou projeções para entender como a cepa pode influenciar a pandemia por lá.

Se a B.1.617 for de 30% a 40% mais transmissível que a B.1.1.7 (que é a variante dominante até o momento no Reino Unido), é possível que a região volte a viver uma situação tão grave quanto a que ocorreu nas ondas anteriores, com aumento considerável no número de hospitalizações.

Variante B.1.617 pode colocar em xeque os avanços no enfrentamento da pandemia conquistados em países como o Reino Unido, indicam especialistas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Se ficar provado que essa variante consegue "escapar" da proteção da vacina, é provável que a situação seja ainda pior, estimam os especialistas.

Vale lembrar que o Reino Unido é um dos países com o melhor sistema de vigilância genômica do mundo: todas as semanas, eles fazem o sequenciamento genético de dezenas de milhares de amostras.

E os resultados recentes indicam um aumento considerável na presença da B.1.617 em terras britânicas: em uma semana, o número de casos provocados por essa nova variante quase triplicou.

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Em 12 de maio, 1.331 amostras analisadas apresentaram a linhagem descoberta originalmente na Índia. Na semana anterior, eram 520.

Nos últimos 30 dias, a participação relativa dela no total de casos que foram sequenciados geneticamente subiu de 1% para 9%.

Em algumas regiões inglesas, como Bolton, Blackburn, Bedford e Sefton, a B.1.617 já representa a maioria dos casos analisados e já se tornou dominante.

Para conter o problema, o Indie-Sage montou um plano emergencial, que envolve seis ações prioritárias, como a aceleração da vacinação no Reino Unido e no mundo, o controle de fronteiras, o aperfeiçoamento dos sistemas de diagnóstico locais e a continuidade da vigilância epidêmica e genômica.

E na Índia?

Enquanto o país asiático bate recorde atrás de recorde no número de casos e de mortes, muito se questiona sobre o papel da B.1.617 nesse cenário.

Não há dúvidas de que a variante tem influência no contexto indiano, mas as autoridades em saúde pública sabem que ela não é a única culpada por todo o caos.

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Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada no dia 9 de maio admite que a guinada e a aceleração da transmissão da covid-19 na Índia tem uma série de fatores, "incluindo a proporção de casos provocados por variantes com maior transmissibilidade".

Mas o relatório da entidade não ignora também outros ingredientes fundamentais para entender essa crise sanitária, "como aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos e a redução da aderência às medidas preventivas de saúde pública e sociais", como o uso de máscaras e o distanciamento físico.

Na Índia, os crematórios têm recorrido a piras funerárias em massa à medida que o número de corpos de vítimas de covid continua aumentando
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A própria OMS, inclusive, apontou recentemente a B.1.617 como uma "variante de preocupação global" pelas evidências de maior transmissibilidade.

Por outro lado, outras instituições, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, ainda aguardam mais dados para fechar uma classificação.

Na visão desses órgãos, a B.1.617 segue como uma "variante de interesse", que precisa ser melhor estudada e acompanhada.

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E o Brasil no meio disso tudo?

Até o momento, essa nova variante ainda não foi encontrada no Brasil.

Mas alguns indícios aumentam a preocupação sobre a entrada da linhagem no país.

Primeiro, no dia 10 de maio, a Argentina anunciou a descoberta de dois casos de covid-19 causados pela B.1.617.

O vírus foi flagrado por lá em dois menores de idade, que voltavam de uma viagem a Paris, na França.

Como a Argentina faz fronteira com o Brasil e há um constante fluxo entre os dois países, o risco de a nova versão do vírus "pular" para cá aumenta consideravelmente.

Uma segunda notícia que deixou os especialistas apreensivos foi a chegada do navio MV Shandong da ZHI em São Luís, capital do Maranhão, no último sábado (15/05).

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Um passageiro indiano que estava na embarcação foi diagnosticado com covid-19 e permanece em observação num hospital privado da capital maranhense.

A vigilância sanitária do estado determinou a quarentena de todos os tripulantes, enquanto o caso é analisado para saber se é causado pela B.1.617.

Independentemente desses dois fatos, que certamente ligam o sinal de alerta, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que nosso país não possui um sistema com capacidade de barrar a entrada de novas variantes.

"Precisamos de uma vigilância nas fronteiras, que consiga testar as pessoas que passam pelos portos e aeroportos", aponta o virologista Flávio da Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Há cerca de 15 dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugeriu que o Governo Federal tomasse medidas mais contundentes, como a proibição da chegada de voos vindos da Índia.

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Mas uma atitude sobre o tema só foi tomada dez dias depois: uma portaria que proíbe temporariamente a entrada de passageiros vindos não só da Índia, mas também de África do Sul, Reino Unido e Irlanda do Norte, foi publicada no Diário Oficial da União na última sexta-feira (14/05).

Desde 14 de maio, Brasil restringiu a chegada de voos vindo da Índia e de outros três países
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Fonseca, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, entende que a introdução da variante no país é alarmante.

"Quando a segunda onda da covid-19 começa a dar sinais ainda tímidos de diminuição, me preocupa a possibilidade de uma nova linhagem chegar e piorar as coisas novamente", avalia.

Para evitar que isso aconteça, o país deveria não apenas cuidar melhor de suas fronteiras, mas também lançar mão de um sistema de vigilância genômica amplo e ágil.

Assim, os indivíduos infectados que entrassem por meio de navios e aviões poderiam ser identificados e isolados antes de transmitirem as novas versões do vírus dentro de nossas fronteiras, criando cadeias de transmissão internas.

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"O clamor é o mesmo desde o início da pandemia: necessitamos de uma coordenação central e de medidas que possam servir de barreira às variantes, como os testes, a quarentena e a diminuição ou o corte de voos de países que estejam com a pandemia descontrolada", reforça Spilki.

Competição feroz

Numa eventual "invasão" da B.1.617 ao Brasil, uma coisa que ninguém sabe é como ela vai se comportar e competir com as outras variantes que dominam a situação de momento, especialmente a P.1.

"A variante detectada na Índia pode chegar ao Brasil e não encontrar espaço para se desenvolver, pois aqui já temos uma linhagem mais adaptada e agressiva", especula Fonseca.

Foi isso, aliás, que parece ter acontecido com outras variantes de preocupação, como a B.1.1.7 (Reino Unido) e a B.1.351 (África do Sul): elas até foram detectadas por aqui, mas a participação delas na pandemia é pequena e não evoluiu, ao contrário do que ocorreu em outras nações.

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Detectada pela primeira vez em Manaus, a P.1 se alastrou para o país inteiro e, em questão de semanas, se tornou a linhagem mais frequente das cadeias de transmissão.

"Eu diria que, no momento, a variante encontrada no Amazonas me preocupa muito mais, pois ela é tão ou ainda mais transmissível que a linhagem da Índia", avalia o virologista José Eduardo Levi, da rede de laboratórios de diagnóstico Dasa.

"Também fico apreensivo com os 'filhotes' da P.1, que são as variantes que surgiram ou podem surgir a partir dela", acrescenta o especialista, que também é pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.

Em meio a tantas incertezas e projeções, uma coisa é certa: do ponto de vista individual, as medidas de prevenção contra o coronavírus continuam as mesmas, não importa qual a variante de maior circulação.

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Distanciamento físico, uso de máscaras, lavagem das mãos e cuidados com a circulação do ar pelos ambientes continuam imprescindíveis.

Também é essencial tomar a vacina quando chegar a sua vez.

"As novas variantes do coronavírus podem até se disseminar mais rápido e enganar uma resposta imune prévia, mas todas as estratégias não farmacológicas de proteção seguem válidas", reforça Fonseca.

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