RIO DE JANEIRO (Thomson Reuters Foundation) - Carolina não tem notícias desde março de seu filho preso, depois que as autoridades proibiram visitas a presídios no Brasil devido ao surto de coronavírus, e está assustada.
À medida que as mortes de covid-19 aumentam nas prisões violentas e superlotadas do país, ativistas vêm pedindo que dezenas de milhares de presidiários sejam soltos para impedir que a doença cobre um preço muito alto dos detentos, que em sua maioria são jovens negros – como o filho de Carolina.
Cerca de 64% dos presidiários se identificam como negros ou pardos, diferentemente dos 55% da população de 210 milhões de habitantes, de acordo com um censo prisional de 2017, o que especialistas atribuem a um foco excessivo do policiamento em comunidades carentes.
No Brasil, onde os pobres têm dificuldade para fechar as contas e aderir ao distanciamento social durante o surto de coronavírus, manifestantes foram às ruas nas últimas semanas para se unirem a uma onda de protestos globais de denúncia do racismo.
"É um medo desesperador... é uma tortura para a gente", disse Carolina, que depende de fiapos de informação de um grupo de WhatsApp de parentes de detentos da prisão no Rio de Janeiro em que seu filho de 24 anos cumpre pena de 12 anos por assalto à mão armada.
O Brasil tem o segundo maior número de mortes da covid-19 do mundo, acumulando quase 44 mil óbitos até o momento.
Entre seus quase 750 mil presidiários, 49 mortes foram relatadas oficialmente. No mês passado, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) disse que a taxa de infecção do coronavírus nas prisões é mais baixa do que na população em geral.
Mas ativistas como Rafaela Albergaria, do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio, um organismo estatal independente que monitora violações de direitos nas cadeias, acredita que a verdadeira cifra pode ser muito mais alta.
"Esta testagem só é feita em quem desenvolve quadro agravado e consegue ser encaminhado para o pronto-socorro", disse Albergaria.
A crise do coronavírus voltou a ressaltar a superlotação e as condições às vezes sórdidas das prisões brasileiras, que têm cerca de 300 mil detentos a mais do que suportam, de acordo com dados do governo.
Desde que a pandemia começou, cerca de 30 mil deles foram soltos, mas especialistas querem que autores de crimes não-violentos sejam libertados para ajudar a conter a disseminação do vírus.
"É muito importante que... a gente pense em medidas de redução dessa aglomeração, por uma questão de saúde pública", disse Valdirene Daufemback, ex-diretora da Depen, à Thomson Reuters Foundation.
"Eles choram e rezam"
O Depen disse que adotou medidas para melhorar as condições sanitárias dos presídios do país, enviando suprimentos de máscaras, gel antisséptico e material de limpeza para carcereiros e presos.
Mas os ativistas observam que alguns Estados, ao invés de libertarem detentos sob alto risco de ficarem gravemente doentes, construíram novos blocos para isolar aqueles suspeitos de terem o vírus.
"Em vez de priorizar medidas de desencarceramento para a redução drástica da superlotação, os governos seguem expandindo o sistema... mantendo o encarceramento em massa e a criminalização da juventude negra", disse Maria Clara D'Avila, assessora de Advocacy da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, uma entidade sem fins lucrativos.
Pesquisadores disseram temer que o verdadeiro número de mortes de covid-19 esteja sendo acobertado, apontando a falta de exames e o aumento de "mortes excedentes" nos últimos meses.
No Estado do Rio de Janeiro, que tem a segunda maior população prisional do país com seus 54 mil detentos, 57 prisioneiros morreram entre março e maio – mais do que o dobro do que se esperaria no período, segundo Albergaria.
"Este número provavelmente é maior, porque óbitos podem levar semanas para entrar no sistema", acrescentou.
Oficialmente, o Rio já teve 12 mortes de coronavírus nas prisões estaduais.
Sem visitas, os familiares dos presidiários têm que contar com o boca-a-boca de autoridades prisionais ou de agentes médicos se detentos doentes são hospitalizados.
Muitos, como Carolina, são parte de grupos de WhatsApp informais que compartilham as poucas notícias que conseguem de colegas presos.
"Eles ligam chorando em grupos de WhatsApp. Rezam. Ficam com raiva e xingam", contou Maria Teresa dos Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas da Liberdade de Minas Gerais.
Se alguém ouve que um prisioneiro morreu, envia uma mensagem ao grupo -- e esta é a novidade que Carolina disse temer ouvir todos os dias.
"O terror que a gente está sofrendo... está fazendo a gente passar mal", disse.