CPI da Covid começa com 'arsenal' que ameaça governo Bolsonaro; entenda

Comissão vai investigar a atuação do presidente no enfrentamento ao coronavírus e poderá convocar integrantes do governo e solicitar documentos sigilosos. Falta de vacinas deverá ser um dos focos.

27 abr 2021 - 05h36
(atualizado às 07h26)
Protesto em Manaus contra atuação de Bolsonaro na pandemia - crise no Amazonas será investigada na CPI
Protesto em Manaus contra atuação de Bolsonaro na pandemia - crise no Amazonas será investigada na CPI
Foto: REUTERS/Bruno Kelly / BBC News Brasil

Com o Brasil próximo de registrar 400 mil mortes pela covid-19, o Senado deve iniciar nesta terça-feira (27/04) a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que investigará a atuação do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da crise do coronavírus.

Outro foco da comissão será apurar possíveis ilegalidades no uso de recursos repassados pela União para estados e municípios atuarem contra a pandemia. A expectativa, porém, é que os trabalhos priorizem inicialmente a atuação do governo federal, e já há algumas "munições" disponíveis para serem usadas pelos senadores contra a gestão Bolsonaro.

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A CPI poderá solicitar, por exemplo, ao Tribunal de Contas de União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) o compartilhamento de investigações que já apuram possível negligência do governo no abastecimento de medicamentos e insumos para a rede pública, assim como a demora em reagir à falta de oxigênio ocorrida em janeiro no Amazonas.

Além de solicitar documentos (inclusive sigilosos) a outros órgãos, a comissão também pode requerer quebras de sigilos fiscal, bancário e de dados, assim como convocar pessoas para depor. Já entrou na lista de prováveis convocados o ex-secretário de comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, que na última semana fez duras críticas ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em entrevista à revista Veja.

Ele culpou o general pela decisão do governo de não adquirir 70 milhões de vacinas oferecidas pela Pfizer no ano passado — a responsabilidade do governo na demora para imunizar a população é um dos principais tópicos que a CPI pretende esclarecer.

Todos os requerimentos propostos na comissão terão que ser fundamentados e receber o aval da maioria dos integrantes para irem adiante. O governo, porém, conta com minoria na CPI, o que torna provável que pedidos perigosos para o presidente sejam aprovados.

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Dos onze integrantes da comissão, quatro são aliados do Palácio do Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).

Dos onze integrantes da comissão, quatro são aliados do Palácio do Planalto
Foto: MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO / BBC News Brasil

Cinco senadores são considerados independentes, mas têm uma postura crítica sobre a condução do enfrentamento da pandemia pelo governo: Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Os últimos dois são abertamente de oposição a Bolsonaro: Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A previsão é que nesta terça-feira Omar Aziz seja eleito para presidir a CPI. O acordo entre a maioria dos integrantes é que Renan Calheiros seja o relator da investigação. No entanto, na noite de segunda-feira (26/04), uma liminar concedia na primeira instância da Justiça Federal de Brasília proibiu a escolha do parlamentar. A decisão atendeu a pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP), sob argumento de que Calheiros seria suspeito para relatar a CPI por seu pai do governador do Alagoas, Rena Filho.

O senador disse que vai recorrer da decisão. À BBC News Brasil, ele respondeu a essas críticas na semana passada afirmando que um sub-relator deve ser indicado como responsável caso haja apuração sobre repasses federais a Alagoas.

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"Não há precedente na história do Brasil de medida tão esdrúxula como essa. Estamos entrando com recurso e pergunto: por que tanto medo?", escreveu Calheiros no Twitter.

A comissão tem previsão inicial de durar 90 dias, prazo que pode ser prorrogado. Além do potencial de gerar desgastes para o governo ao longo do seu funcionamento, a CPI será concluída com a produção de um relatório.

Esse documento pode sugerir a aprovação de novas leis pelo Congresso, a remessa ao Ministério Público de suas conclusões para possível responsabilização civil e criminal dos investigados, assim como servir de fundamento para novo pedido de impeachment contra o presidente.

A abertura de um processo para afastar Bolsonaro, porém, depende de decisão individual do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem se mantido aliado do Planalto.

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Após fazer graves acusações a Pazuello, Fabio Wajngarten deve ser convocado pela CPI
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / BBC News Brasil

Preocupado, o governo elaborou uma lista de 23 possíveis acusações a serem enfrentadas na comissão, e solicitou aos ministérios que preparem repostas a essas questões.

O documento, elaborado pela Casa Civil e revelado pelo portal UOL, inclui acusações como: o governo federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer; o governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac; o governo minimizou a gravidade da pandemia; o governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas; e o governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS).

Apesar disso, Bolsonaro procurou passar tranquilidade, durante visita à Bahia na segunda-feira (26/04). "Não estou preocupado porque não devemos nada", disse a jornalistas.

Entenda melhor a seguir duas das principais "munições" que a CPI terá contra o governo Bolsonaro.

1) Convocação de Fábio Wajngarten e outras autoridades

O governo Bolsonaro foi surpreendido na semana passada pelo fogo amigo de Fábio Wajngarten, que atribuiu a "incompetência e ineficiência" da gestão Pazuello o fracasso na aquisição de 70 milhões de vacinas da Pfizer.

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Na entrevista à Veja, o ex-secretário de Comunicação eximiu o presidente de responsabilidade, mas disparou pesadas acusações à atuação do ministério. Para críticos de Bolsonaro, a tentativa de separar a responsabilidade do presidente da do general é difícil porque o próprio Pazuello disse em vídeo ao lado dele estar cumprindo fielmente suas ordens.

Segundo Wajngarten, ele tomou a dianteira das negociações com a empresa americana diante do desinteresse da pasta da Saúde pela oferta da empresa. O ex-secretário disse, inclusive, ter documentos que provam isso, como e-mails e registros telefônicos.

"As negociações avançaram muito. Os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos 10 dólares. Só para se ter uma ideia, Israel pagou 30 dólares para receber as vacinas primeiro. Nada é mais caro do que uma vida. Infelizmente, as coisas travavam no Ministério da Saúde", disse Wajngarten à Veja.

Pessoas convocadas por CPI na condição de testemunha são obrigadas a comparecer e dizer a verdade. Segundo o Código Penal, mentir é considerado crime, com pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, além de multa.

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Um dos objetivos da CPI da Covid é investigar responsabilidade na lentidão da vacinação
Foto: ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL / BBC News Brasil

Testemunhas, porém, têm direito a não responder a perguntas que possam comprometê-las diretamente. Isso segue o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Por esse mesmo motivo, pessoas convocadas como investigados podem escolher ficar calados ou nem comparecer.

O senador Randolfe Rodrigues já disse que pedirá a convocação de Wajngarten, e defendeu também que seja feita depois uma acareação entre ele e Pazuello. Isso significaria chamar os dois ao mesmo tempo para confrontar suas versões.

É esperado também que a CPI convoque todos os ministros da Saúde de Bolsonaro: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Pazuello, e o atual, Marcelo Queiroga.

Há também a possibilidade de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, seja chamado.

"Alguns membros (da CPI) agora estão argumentando que o ministro Paulo Guedes era contra o auxílio emergencial. E colocando que Orçamento deste ano não tem dinheiro para o covid, só para vacinas. Então, tendo um fato determinante para chamar o ministro Paulo Guedes ou o general, com certeza serão chamados", disse à BBC News Brasil o senador Omar Aziz.

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2) Compartilhamento de investigações do TCU e do MPF

O senador Humberto Costa já disse que vai propor que TCU e MPF compartilhem com a CPI investigações sobre a conduta do governo federal na pandemia.

Relatório elaborado por técnicos do TCU, por exemplo, apontou omissão da gestão de Pazuello no enfrentamento da pandemia e recomendou que o ex-ministro seja multado, assim como duas outras autoridades de sua equipe: o ex-secretário-executivo Élcio Franco Filho e o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos, Hélio Angotti Neto.

Segundo a investigação, o Ministério da Saúde, sob comando de Pazuello, alterou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus, reduzindo as responsabilidades da pasta no monitoramento dos estoques de medicamentos e insumos. Para os técnicos do TCU, isso contribui para falta de itens essenciais, como kits de intubação e oxigênio, em diversas partes do país.

Em julgamento sobre o relatório no dia 13 de abril, o relator do caso, ministro Benjamin Zymler, sugeriu que sejam abertas três investigações separadas para apurar as responsabilidades de cada um, enquanto os ministros Bruno Dantas e Vital do Rêgo votaram a favor da multa. O julgamento, porém, foi suspenso por pedido de vista de dois ministros próximos ao Planalto (Augusto Nardes e Jorge Oliveira).

Além da possibilidade de aplicar multa de até R$ 67.800, o TCU também pode proibir os alvos da ação de ocupar cargo em comissão ou função de confiança no serviço federal por até oito anos.

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Já uma investigação conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas indica que o Ministério da Saúde e o governo do Estado, mesmo diante do risco de falta de oxigênio, decidiram aguardar o agravamento da crise antes de transferir pacientes.

Segundo o jornal O Globo, que teve acesso ao inquérito, ata de uma reunião no dia 12 de janeiro mostra que integrantes do governo do Amazonas e do ministério discutiram a possibilidade de transferir pacientes com covid-19 dois dias antes de o sistema de saúde local entrar em colapso pela falta de leitos e de oxigênio hospitalar, em 14 de janeiro. No entanto, segundo o documento, os presentes decidiram que "essa decisão só será tomada em situação extremamente crítica".

Ainda segundo o jornal, a servidora do Ministério da Saúde Paula Eliazar, que integrou a comitiva da pasta para Manaus, disse em depoimento que a retirada de pacientes para outro Estado era prevista como "última estratégia a ser tomada".

"A situação extremamente crítica é os hospitais todos superlotados onde a gente não tivesse nenhum leito para acolher essas pessoas, pacientes dentro de ambulâncias, indo a óbito e colapso de oxigênio", respondeu a servidora ao ser questionada pelo MPF sobre em que circunstâncias seria feita a transferência, segundo a reportagem do jornal O Globo.

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Há ainda outra investigação em andamento no MPF do Distrito Federal para apurar possíveis omissões de Pazuello no enfrentamento da pandemia.

Todos esses documentos deverão chegar à CPI após pedidos dos integrantes. E, juntamentente com os depoimentos de autoridades, ajudarão a definir até que ponto o governo Bolsonaro contribuiu para o estado de descontrole da pandemia no Brasil, que caminha para produzir a marca de 400 mil mortes.

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