CPI da covid: "Muito mal explicado por que não compramos 70 milhões de doses da Pfizer", diz Omar Aziz

Em entrevista à BBC News Brasil, o senador que deve presidir a CPI da Covid diz que é 'a favor da ciência' e que não toma suposto tratamento precoce. ´O que os especialistas me dizem é que não tem nada que previna covid´, disse.

22 abr 2021 - 05h59
(atualizado às 07h49)
Senador Omar Aziz defende que convidados e convocados a prestar depoimento possam fazer isso de forma remota devido à covid
Senador Omar Aziz defende que convidados e convocados a prestar depoimento possam fazer isso de forma remota devido à covid
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado / BBC News Brasil

O futuro presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), diz que "até hoje está muito mal explicado" por que o Brasil não comprou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer.

O governo federal recusou, em agosto de 2020, a oferta da Pfizer para compra de um lote de 70 milhões de doses, que seriam entregues em dezembro de 2020. O argumento do governo foi o de que não concordava com as condições estabelecidas pelo laboratório e que a empresa não se responsabilizava por eventuais efeitos colaterais da vacina. A fabricante diz que os mesmos termos foram exigidos de outros países que compraram a vacina, como EUA e Reino Unido.

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Este é um dos temas que devem ser debatidos pela CPI que vai investigar "ações e omissões" do governo federal diante da pandemia de coronavírus.

A primeira reunião da comissão está marcada para terça-feira (27/04) e, segundo acordo entre os partidos, Aziz será eleito como presidente do colegiado e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) será indicado como relator.

Em entrevista à BBC News Brasil, Aziz defende que pessoas convidadas ou convocadas a dar depoimento à CPI possam optar por fazer isso de forma remota. "Não temos poder de obrigar uma pessoa a ir para lá e ser contaminada."

O senador evitou comentar o fato de o presidente Jair Bolsonaro defender o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. No entanto, diz que não se automedica. "O que os especialistas me dizem é que não tem nada que previna covid."

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Aziz também indica que quer ouvir técnicos do Ministério da Saúde, e não apenas os titulares (atual e anteriores) da pasta.

"O ministério não é uma pessoa só, o ministério são várias pessoas. Tenha certeza absoluta que o ministro de plantão naquele momento para fazer acordo com a Pfizer não leu aquele contrato. Alguém leu para ele. Ele tem uma equipe jurídica para ler, porque ministro não tem capacidade de saber as entrelinhas que têm num contrato", disse.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida à BBC News Brasil por videoconferência:

BBC News Brasil - O nome do senhor para a presidência da CPI da Covid tem o apoio de aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro na comissão e, ao mesmo tempo, é visto com desconfiança por alguns parlamentares de partidos de esquerda. O que devemos esperar da condução que o sr. fará da CPI?

Omar Aziz - É uma CPI que não procura se vingar de ninguém. É uma CPI para fazer justiça e a gente quer ver uma CPI a favor da vida, pelo número de óbitos que o Brasil já teve.

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Em relação a esquerda, direita, centro… Está morrendo gente da esquerda, direita, centro. Morre padre, morre pastor. Morre umbandista, morre ateu, negro, branco. Não é uma CPI de esquerda ou direita e muito menos permitirei que aquilo se torne um palanque político, porque seria um grande desrespeito ao número de óbitos que tivemos no Brasil. Temos que ter investigação séria.

No Senado, CPI vai investigar 'ações e omissões' do governo federal diante da pandemia de coronavírus
Foto: REUTERS/Adriano Machado / BBC News Brasil

BBC News Brasil - O sr disse que a CPI não é para se vingar, mas para fazer justiça. Como ela pode fazer justiça?

Aziz - Um dos grandes questionamento é por que o Brasil não criou barreira sanitária quando a covid começou. A única barreira sanitária que fizemos foi com aqueles brasileiros trazidos da China, que foram para Anápolis (GO) fazer quarentena. O que entrou de gente no meu Estado, de outros países, trazendo o vírus para cá… Temos que investigar isso.

Até hoje está muito mal explicado por que não compramos 70 milhões de vacinas da Pfizer, que daria para imunizar 35 milhões de brasileiros. Levantou-se uma tese no Brasil sobre imunização de rebanho, tese esta que não existe.

Essa doença não é como as outras, ela não vai passar amanhã. Não teremos mais carnavais, Boi-bumbá em Parintins (AM), porque tudo isso será sujeito a transmissão de covid. Essa doença é letal. Aqui no Amazonas chegamos ao estágio de faltar oxigênio no nosso estado. O governador (Wilson Lima), no dia 26 de dezembro, decretou lockdown, aí teve manifestação dos comerciantes e ele abriu, recuou, e o que aconteceu em janeiro é de conhecimento do mundo todo.

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Quando fala direita, esquerda, centro… Todo mundo tem responsabilidade. Então ´criar uma CPI pra fazer impeachment do presidente?´ Não é isso. Essa CPI é criada para ver os fatos que aconteceram pelo governo federal, pelos estados e municípios.

BBC News Brasil - Um dos pontos mencionados no pedido de abertura da CPI é a crise em Manaus, que enfrentou colapso diante da falta de equipamentos e de cilindros de oxigênio para tratar pacientes com covid-19. Como senador pelo Amazonas, o sr. avalia que o governo federal errou no apoio ao estado na pandemia, quando chegou a morrer gente por falta de oxigênio?

Aziz - Veja bem, isso é uma incógnita. O ex-ministro Eduardo Pazuello alega que não recebeu comunicado da White Martins, a White Martins diz que comunicou com antecedência. Eu acho que demoramos - e digo demoramos porque todos nós estamos envolvidos nisso, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente - a trazer oxigênio para o Amazonas. Se você tivesse colocado aviões para recolher de Norte a Sul oxigênio, teria chegado tanto pra capital quanto para o interior. Isso é um dos pontos que a CPI vai investigar e dar qualquer opinião agora pode comprometer as investigações.

BBC News Brasil - Críticos apontam que o sr poderia ter interesse de, a partir dos trabalhos da CPI, pressionar o governador do Amazonas, Wilson Lima, para quem o sr perdeu eleição para o governo do estado em 2018. Ou pressionar a prefeitura.

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Aziz - É a primeira vez que escuto isso.

BBC Brasil - Que a CPI pode ser palco, vitrine política?

Aziz - Que ela é uma vitrine, é. Qualquer membro, qualquer CPI vira vitrine. Se você não cuidar bem dessa vitrine, você sai quebrado. Eu não faço críticas ao governador, nem ao prefeito. Acho ridículo presidente que já saiu há 20 anos ficar fazendo críticas a presidente, como se ele tivesse passado pela presidência e feito tudo correto. Como ex-governador do meu Estado, não acho justo ficar tirando proveito da vida das pessoas.

Não serei oportunista na CPI e não aceitarei que nenhum membro da CPI se esqueça que lá fora tem 380 mil vidas perdidas. Temos que ter respeito de não utilizar mecanismo de investigação como palanque político. Não me venha com discurso de ´se fosse o Lula, não estava acontecendo, se fosse o Ciro...´. Isso, não. Não terá isso. Não dá para politizar uma coisa tão séria. Perdi um irmão há 50 dias, dez anos mais novo que eu, de covid. Como vou utilizar isso?

Colapso no sistema de Saúde de Manaus foi citado no pedido de abertura da CPI
Foto: MICHAEL DANTAS/ AFP via Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Brasil - A primeira reunião da CPI está prevista para terça-feira (27), de forma semipresencial e com restrições de acesso, e aí a CPI vai definir as próprias regras de funcionamento. Qual formato o senhor defenderá?

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Aziz - Presencialmente, estarão presidente, vice-presidente e relator. Ou pode um de nós não estar, mas ela vai estar aberta de forma presencial. Caso algum senador queira fazer semipresencial, teremos estrutura para ele participar de forma remota. As audiências que teremos, com os convidados e convocados, creio que ele terá que aceitar de forma remota ou presencial. Não podemos obrigar uma pessoa a ir lá na sala do Senado com o (cenário da pandemia de) covid. Não temos poder de obrigar uma pessoa a ir para lá e ser contaminada.

BBC News Brasil - Quais são os nomes que o sr acredita que devem ser ouvidos primeiro pela CPI?

Aziz - As pessoas ligadas à atividade do Ministério da Saúde. Os ministros que passaram e o atual. Esse programa será apresentado pelo relator aos membros da CPI e vamos aprovar.

BBC News Brasil - O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sugere um plano de trabalho que inclui ouvir o atual e todos os ex-ministros da saúde do atual governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, o ex-comandante do Exército, Edson Pujol, entre outros nomes. O sr concorda com esse plano?

Aziz - Ele fez sugestão a pedido de alguns senadores, porque é delegado de polícia. Muitas das coisas que ele está sugerindo, nós concordamos. Outras, não. Vamos esperar o plano final que o relator vai apresentar. Haverá muita discussão em relação a isso.

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BBC News Brasil - Esses outros nomes que citei, Guedes e Pujol, a avaliação do sr. é que eles deveriam ser chamados?

Aziz - Em um primeiro momento, eu disse 'chamar o Paulo Guedes para quê?'... Alguns membros agora estão argumentando que o ministro Paulo Guedes era contra o auxílio emergencial. E colocando que Orçamento deste ano não tem dinheiro para o covid, só para vacinas. Então, tendo um fato determinante para chamar o ministro Paulo Guedes ou o general, com certeza serão chamados.

Conduta do governo federal em relação à compra de vacinas deve ser um ponto central da análise da CPI
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC News Brasil - O futuro relator da CPI, senador Renan Calheiros, já tem em mãos um documento em que o governo federal orienta a Fiocruz a divulgar e indicar a prescrição de cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento contra a covid, segundo reportagem da Folha de S.Paulo. Na avaliação do sr, esse seria um exemplo de documento que pode ser usado eventualmente como prova para imputar crimes a integrantes do governo na gestão da pandemia, como avaliam alguns integrantes?

Aziz - Quem assinou esse documento com certeza vai ser chamado para depor e vai ter que explicar de onde surgiu aquilo, quem foi que o orientou a fazer aquilo. Isso não surge da cabeça de uma pessoa aleatoriamente.

Vamos ver qual foi a orientação dada, não pelo ministro Pazuello ou qualquer outro, e sim pela equipe técnica, profissionais da área de saúde responsáveis por essas áreas.

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Você tem uma linha editorial e pode até querer fazer uma reportagem com fulano, mas se seu editor disser que você vai ouvir fulano, você vai fazer o que o seu editor manda.

BBC News Brasil - Então neste caso o sr está dizendo que eles poderiam ter aceitado ordens superiores?

Aziz - Por isso que não posso responder o que você está me perguntando. As coisas vão acontecer naturalmente. Não posso aqui dizer o que vamos fazer na CPI. Nós vamos investigar. Agora, a forma, quem… Isso aí… Não é o ministro só. O ministério não é uma pessoa só, o ministério são várias pessoas. Tenha certeza absoluta que o ministro de plantão naquele momento para fazer acordo com a Pfizer não leu aquele contrato. Alguém leu para ele. Ele tem uma equipe jurídica para ler, porque ministro não tem capacidade de saber as entrelinhas que tem num contrato. E, se estava em inglês, foi traduzido por alguém. Essas questões a gente tem que saber. Não tem política do ´eu´. Nem na saúde, nem na educação.

BBC News Brasil - Aí o senhor quer dizer que não seria um ministro, seria um técnico que teria orientado isso?

Aziz - Deixa eu te dizer… Não estou falando nada. Eu estou te dizendo, estou supondo aqui… Eu fui governador e o governador não conhece sobre saúde, educação, segurança. Ele não é especialista em tudo isso. Por isso que você coloca especialista para te auxiliar. O ministro não é especialista em tudo, alguém é especialista. Não estou aqui acusando ninguém, estou imaginando isso, que alguém deve ter sugerido pra fazer a circular da cloroquina. Quem foi que sugeriu? Não sei. Se o ministro chegar e disser ´faz uma circular´, o cara nem médico é, não pode ter feito isso. Alguém deve ter orientado, para prescrever medicamento, fazer circular, determinar à Fiocruz. Não sei quem mandou. Tem que apurar se fez da cabeça dele, se recebeu ordem...

Uma das perguntas que a CPI deve responder, segundo especialistas, é se o governo Bolsonaro colocou a população em risco ao estimular suposto 'tratamento precoce' cuja eficácia não foi comprovada
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC News Brasil - A questão da compra de vacinas e o estímulo a um suposto tratamento precoce são temas apontados por especialistas como prováveis eixos da CPI. Eu queria saber se o sr. já foi vacinado e também se em algum momento tomou cloroquina ou outro medicamento do chamado "kit covid"...

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Aziz - Eu não fui infectado pelo coronavírus ainda. Tenho 62 anos e já tomei a primeira dose e a segunda - aqui no Amazonas as pessoas acima de 60 já foram vacinadas. E não tomei nenhum medicamento para covid, não tive e não quero ter.

BBC News Brasil - Temos visto médicos e o governo estimularem pessoas a tomar medicamentos mesmo sem ter covid, antes de ter. Por isso perguntei para o senhor.

Aziz - Conversei com vários especialistas e nenhum me sugeriu tomar nenhum remédio que proteja. Por exemplo, tinha médico dizendo aqui 'toma ivermectina que é bom', mas nada foi provado cientificamente. Não temos nada. Ninguém tem uma fórmula para isso.

Todo dia aparece novidade. É tipo antigamente, sua mãe te dava canja de galinha achando que você ia ficar boa da gripe. E você nunca ficou boa da gripe por causa da canja de galinha. Era virose que vinha, passava 6, 7 dias e ia embora, mas sua mãe acreditava, como a minha acreditava, que a canja de galinha te curou.

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BBC News Brasil - Mas a canja de galinha não faz mal. É diferente.

Aziz - Não faz mal, é isso aí. Mas a cloroquina faz. É tipo essas injeções de insulina utilizadas para diabetes, (e aí usadas) para o cara emagrecer. Emagrece, mas pode ter complicação gravíssima.

Eu sou uma pessoa que não me automedico e nem chego numa roda e pergunto o que é bom para dor de cabeça, para dor de estômago. Eu procuro especialista para me falar.

Se não fosse a coragem da imprensa brasileira de fazer enfrentamento contra o negacionismo, todo dia, teríamos mais óbitos do que temos hoje.

BBC News Brasil - E de onde vem esse negacionismo?

Aziz - De muita gente. Ontem me perguntaram se eu ia chamar o deputado Osmar Terra para depor porque ele é negacionista. Eu falei: não, é o pensamento dele, problema dele. Não é obrigado a acreditar em tudo. Cometeu algum crime? Não.

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BBC News Brasil - O senhor diz que é questão de opinião o negacionismo. Mas quando falamos de pessoas que ocupam cargos públicos e podem influenciar políticas públicas, isso muda de figura.

Aziz - Sim. Ele não é gestor. Eu sou a favor da ciência. A ciência que pode fazer a mudança, ninguém mais pode, não é chazinho... Pessoalmente, acredito na ciência. Procuro me informar e é quase unânime. Os médicos para quem pergunto, nenhum me dá conselho de tomar remédio nenhum caso eu pegue covid. Não tem remédio.

BBC News Brasil - O sr disse que médico nenhum receita remédio contra covid. No entanto, vemos o presidente Jair Bolsonaro defender o uso de cloroquina. Em quem acredita?

Aziz - Todos os especialistas que eu ligo para saber, eles dizem que não tem algo concreto, cada caso é um caso. Só podem prescrever alguma coisa depois de ver o caso específico.

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O que os especialistas me dizem é que não tem nada que previna covid. A única prevenção que tem é álcool e máscara.

BBC News Brasil - Quando o nome do senhor foi indicado para a CPI que vai investigar a pandemia, foi apontado que o senhor é investigado por desvios de recursos exatamente para a área da saúde quando governou o Amazonas, na operação "Maus Caminhos", do Ministério Público Federal, deflagrada em 2016. Isso não seria um impeditivo para uma boa condução da CPI?

Aziz - Eles criaram uma versão fictícia. Eu já tinha saído do governo quando essa empresa acusada recebeu a primeira verba do governo do Estado, mas era importante pegar alguém que já tinha nome. E aí não vou entrar em detalhes. Estou muito tranquilo em relação a isso. Não me impede de absolutamente nada, porque 5 anos depois não tem denúncia contra mim. Se eu tivesse sido denunciado e tivesse provado… Não, tem um inquérito policial, em que tudo é "supostamente". Não fui denunciado e creio que não vou ser - se me denunciarem, vai ficar provado que a questão é política. Fico muito à vontade para presidir a CPI ou qualquer comissão.

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