Desde que a CPI da Covid começou, no dia 27 de abril, a comissão já ouviu mais de dez testemunhas e teve centenas de requerimentos de informações.
Também teve diversas revelações sobre ações e omissões do governo federal durante a pandemia, testemunhas caindo em contradição, bate-boca entre parlamentares, senadores governistas fazendo perguntas com base em notícias falsas, oposição acusando depoentes de mentir e até um requerimento de convocação do Presidente da República.
Para quem não conseguiu acompanhar a intensa movimentação, a BBC News Brasil fez uma seleção dos principais momentos da CPI e das reportagens e análises sobre ela publicadas no nosso site.
Mandetta criticou Bolsonaro e disse que '410 mil vidas' o 'separam do presidente'
Os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich foram os primeiros a prestar depoimento. Ambos deixaram o governo em meio à pandemia por discordâncias com Bolsonaro em relação à condução do combate à covid-19.
Mandetta afirmou à CPI, que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teve uma postura negacionista e tomou decisões ignorando a ciência e as informações prestadas pelo ministério, mesmo com o alerta de que isso poderia levar a milhares de mortes. Disse também que o presidente tinha um grupo de conselheiros paralelos que o assessoravam em questões relacionadas à pandemia.
O ex-ministro criticou o fato do presidente ter se posicionado contra lockdown e medidas de restrição de circulação. E acrescentou que Bolsonaro preferiu estimular o uso de remédios sem eficácia contra a doença a fazer uma campanha de conscientização da população.
"Hoje, 410 mil vidas me separam do presidente", disse Mandetta, em referência às mais de 400 mil mortes por covid no país.
Mandetta afirmou que não foi diretamente pressionado pelo presidente a tomar medidas contrárias ao que era recomendado pela ciência, mas que foi publicamente confrontado, o "que dava uma informação dúbia à sociedade".
"Sim, a postura (do presidente) trouxe um impacto (negativo). Você tem que ter, na pandemia, uma fala única", afirmou.
Segundo o ex-ministro, o governo queria mudar a bula da cloroquina para incluir seu uso no tratamento da covid-19, mesmo sem que o remédio tenha eficácia no combate à doença. Essa informação foi depois confirmada pelo presidente da Anvisa, o militar Antonio Barra Torres.
As revelações de Mandetta acabaram sendo base para as principais linhas de investigação dos senadores nos dias seguintes.
O ex-ministro Nelson Teich foi mais contido nas críticas a Bolsonaro, mas confirmou que saiu do cargo após apenas 29 dias porque não tinha autonomia e porque o presidente insistia no uso da cloroquina e nas críticas às medidas de restrição de circulação.
Atual ministro fugiu de perguntas e foi reconvocado
O atual ministro da saúde, Marcelo Queiroga, também foi um dos primeiros a prestar depoimento, mas não deu todos os esclarecimentos que os senadores estavam esperando, deixando a maior parte dos questionamentos sem resposta.
Entre outras coisas, ele se recusou diversas vezes a responder se concorda com o presidente Jair Bolsonaro sobre o uso de cloroquina no combate à covid.
As constantes evasivas fizeram com que os senadores aprovassem, em 19 de maio, a sua reconvocação para a CPI. Seu novo depoimento deve ser nesta terça (8/6).
Presidente da Anvisa confirmou tentativa do governo de mudar bula da cloroquina
Em seu depoimento, o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, disse que não houve pressão direta de Bolsonaro sobre a agência para a aprovação da cloroquina para o combate ao coronavírus, mas confirmou que o governo queria mudar a bula da cloroquina e que isso foi levantado em uma reunião de ministros com o presidente, como havia dito Mandetta.
"Esse documento (uma minuta sobre uma possível mudança) foi comentado pela dra. Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação até um pouco deseducada minha", afirmou Barra Torres. "Só quem pode modificar a bula de um medicamento registrado é a agência reguladora do país (a Anvisa), mas desde que solicitado pelo detentor do registro."
Ou seja, a mudança poderia acontecer se pedida pelos laboratórios que produzem a cloroquina, a partir da descoberta de que o medicamento tem também aquela — o que não aconteceu.
"Se a indústria descobre que o remédio tem essa função, isso representa um ganho para a sociedade e obviamente ganho de dinheiro para aquele laboratório. Então, uma pessoa física propor isso não tem cabimento", afirmou Barra Torres.
Barra Torres também disse que o governo não interferiu na análise ou nas decisões da Anvisa sobre vacinas. Mas afirmou que a agência "recebeu muito mal" falas de Bolsonaro que criticavam vacinas e colocavam dúvidas sobre sua segurança.
"Misturar política e vacina não é adequado", disse. "A população não deve se orientar por orientações dessa maneira (do presidente da República), mas pela orientação de órgãos técnicos que estão na linha de frente."
Militar e indicado por Bolsonaro, Barra Torres chegou a ter a independência questionada após ser fotografado sem máscaras ao lado do presidente durante um ato em favor do governo na frente do Palácio do Planalto, em 15 de março de 2020.
À CPI, disse que se arrependeu do ocorrido e que na época a OMS (Organização Mundial de Saúde) indicava máscaras apenas para profissionais de saúde.
"É óbvio, em termos da imagem que passa, hoje vejo que se pensasse mais cinco minutos não teria feito", afirmou. "Depois disso, nunca mais houve esse comportamento meu."
Pfizer confirmou que governo rejeitou 70 milhões de doses
O ex-presidente da Pfizer no Brasil e atual CEO para América Latina, Carlos Murillo, deu detalhes da negociação da empresa com o governo Bolsonaro.
Segundo ele, o governo não respondeu a três ofertas de 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer em 2020. Murillo disse que as ofertas, feitas em 14, 18 e 26 de agosto de 2020 foram simplesmente ignoradas.
O executivo afirmou que, caso essas ofertas tivessem sido aceitas, os primeiros lotes poderiam ter sido entregues ainda em dezembro daquele ano. Segundo Murillo, não houve atrasos até agora no cronograma de entrega da empresa. Ou seja, se o governo tivesse aceitado alguma das propostas, as primeiras vacinas da Pfizer teriam chegado ao Brasil ainda em dezembro de 2020 e a vacinação poderia ter sido iniciada com um pedido de aprovação da Anvisa para uso emergencial do imunizante.
Foi isso que aconteceu com a Coronavac, do Instituto Butantan, contratada pelo governo de São Paulo antes da aprovação da agência. A vacinação começou em 17 de janeiro, dia em que a Anvisa concedeu autorização de uso emergencial.
Em fevereiro, a Anvisa deu aprovação definitiva para a vacina da Pfizer. Mas o contrato com a empresa só foi fechado em março e a primeira remessa de cerca de um milhão de doses da vacina da Pfizer/BioNTech chegou ao Brasil no final do último mês de abril.
Outros países, como os EUA, fecharam o contrato de compra com a Pfizer antes da aprovação das agências regulatórias e começaram a vacinação após aprovação provisória.
Questionado sobre as dificuldades na negociação com o ministério da Saúde, Murillo afirmou que inicialmente "os temas complexos" eram relacionados à questão logística, mas quando a empresa ofereceu um novo método de armazenamento, o ministério apresentou novos entraves, dizendo que era preciso aprovação prévia da Anvisa.
O ex-ministro Eduardo Pazuello afirmou publicamente que o contrato tinha "cláusulas leoninas".
"As condições que oferecemos para o Brasil são exatamente as mesmas que a Pfizer negociou com 110 países no mundo", afirmou Murillo.
Depoimentos de Ernesto Araújo e Fábio Wajngarten geraram tumulto na CPI
O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e o ex-secretário de Comunicações Fábio Wajngarten tiveram os depoimentos mais conturbados até agora, com acusações de mentiras e bate-bocas entre senadores.
Ambos eram parte do chamado "núcleo olavista" (de seguidores do escritor Olavo de Carvalho) do governo, que inclui também o vereador e filho do presidente Carlos Bolsonaro.
Wajngarten entrou em contradição em seu depoimento e foi acusado de mentir por senadores independentes e da oposição. Parte da sessão foi ocupada por debates sobre a possibilidade de uma prisão do ex-secretário caso ele se recusasse a colaborar.
Inicialmente, por exemplo, afirmou que a Secretaria de Comunicações (Secom) não tinha contratado influenciadores bolsonaristas para fazer campanha sobre "tratamento precoce" com uso de cloroquina. Mas ao ser apresentado com dados de que uma agência contratada pelo governo pagou R$ 23 mil a esses influenciadores, Wajngarten confirmou o valor e disse que eles foram contratados por "terem muitos seguidores".
Também negou diversas declarações que havia feito à revista Veja, incluindo acusações de que Pazuello seria "incompetente". Confrontando com áudio da entrevista, disse que se referia ao ministério como um todo, e não ao ministro.
Ele também foi questionado sobre seu envolvimento nas negociações do governo com a Pfizer, apesar de não ser da área de saúde. Disse que se envolveu ao saber, em novembro de 2020, que havia uma carta da empresa a seis destinatários do governo — incluindo o presidente — que não tinha sido respondida quase dois meses depois.
Wajngarten disse que procurou o presidente, pessoas públicas e empresários para tentar viabilizar a compra da vacina. "Tenho muito orgulho disso", afirmou.
Seu depoimento foi interrompido por um tumulto após o senador Flávio Bolsonaro (Republicano-RJ) entrar na seção e acusar o senador Renan Calheiros (MDB-AL) de usar a CPI para se promover.
"Imagina, um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros", disse o filho do presidente.
"Vagabundo é você que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete", retrucou Calheiros, em meio a protestos de outros senadores contra a fala de Flávio.
"Quer aparecer... Vai se f...", respondeu o filho do presidente.
Ernesto Araújo também gerou reação dos senadores ao negar que o Brasil tenha tido uma relação conflituosa com a China durante sua gestão no Itamaraty.
O presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), pediu que Araújo não faltasse com a verdade e lembrou do texto em que o ex-ministro sugeriu que a pandemia tinha "como objetivo" trazer de volta o comunismo e usou o termo "comunavírus".
"Eu me referia a um 'vírus ideológico', não ao coronavírus", afirmou.
O ex-chanceler deixou o governo em março deste ano após pressão do Congresso — parlamentares acreditavam que a atuação de Araújo prejudicava a relação com a China.
Aziz lembrou também do episódio em que Araújo entrou em conflito com o embaixador chinês no Twitter.
No ano passado, críticas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao país asiático e seu hábito de chamar o coronavírus de "vírus chinês" levaram o embaixador chinês, Yang Wanming, a se posicionar exigindo um pedido de desculpas.
Na época, Araújo disse que as críticas de Eduardo "não refletem a posição do governo brasileiro", mas que era "inaceitável que o Embaixador da China endossasse ou compartilhe postagem ofensiva ao Chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores".
Araújo confirmou na CPI a autenticidade das mensagens reveladas por uma investigação da Folha de S. Paulo, que mostraram que o Itamaraty foi mobilizado para garantir o fornecimento de cloroquina ao Brasil, mesmo quando as evidências científicas já apontavam que o remédio não era capaz de combater a covid.
O ex-chanceler afirmou que os esforços foram feitos a partir de um pedido do ministério da Saúde.
Araújo foi também cobrado sobre a falta de atuação do Itamaraty para trazer mais oxigênio oferecido pela Venezuela ao Amazonas em janeiro, quando a falta do gás provocou a morte de centenas de pessoas que estavam internadas com covid-19 no Estado.
Araújo reconheceu que não fez contato com o governo da Venezuela, nem agradeceu a doação de oxigênio, mas afirmou que "o Itamaraty não age de maneira autônoma em temas de saúde".
Pazuello decidiu proteger Bolsonaro e fez depoimento cheio de contradições
Um dos convocados mais aguardados da CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, frustrou a oposição ao fazer de tudo para proteger o presidente e evitar relacionar Bolsonaro a qualquer decisão sobre a pandemia tomada no ministério da Saúde.
Em dois dias de depoimento, Pazuello afirmou que Bolsonaro nunca lhe deu ordens diretas sobre o que fazer, disse que a responsabilidade pelo colapso da saúde em Manaus foi da secretaria de Saúde local, afirmou que o aplicativo do ministério que recomendava cloroquina foi "hackeado" e que a pasta nunca recomendou o remédio, contradisse a Pfizer e negou que o ministério tenha deixado de responder às ofertas da empresa, reafirmando que havia "problemas jurídicos" que atrapalharam o fechamento do contrato.
Na avaliação do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), Pazuello "mentiu muito" ao longo do depoimento. O general, por sua vez, negou que tenha faltado com a verdade.
"Em momento algum o presidente me desautorizou ou me orientou a fazer nada diferente do que eu estava fazendo", afirmou Pazuello na CPI.
Em outubro do ano passado, no entanto, o general havia gravado um vídeo ao lado de Bolsonaro dizendo que sua relação com o presidente "era simples". "Um manda e o outro obedece", disse.
O encontro ocorreu um dia depois de Bolsonaro ter publicamente desautorizado o general sobre a compra da CoronaVac, vacina do Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac. O ministério havia assinado um protocolo de compra após pressão de governadores pedindo por vacinas.
Após o anúncio, porém, Bolsonaro disse: "Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade".
Sobre isso, Pazuello afirmou à CPI que a fala de Bolsonaro foi "uma posição como agente político na internet" e que isso não interferiu em nada na discussão que havia com o Instituto Butantan.
"Uma fala na internet não é uma ordem", disse Pazuello. "Bolsonaro nunca falou para que eu não comprasse. Ele falou publicamente, mas para o ministério ou para mim, nunca falou", insistiu.
Sobre Manaus, Pazuello disse que só ficou sabendo da iminência da falta de oxigênio no dia 10 de janeiro.
Pazuello disse que no dia 7 de janeiro o secretário de Saúde do Amazonas lhe pediu apoio no transporte de oxigênio de Belém (Pará) para o interior amazonense, mas que nada foi dito nesse sobre risco de falta de oxigênio em Manaus.
No entanto, uma comitiva do Ministério da Saúde já havia ido a Manaus em 3 de janeiro para avaliar o estado crítico do sistema de atendimento na cidade.
Além disso, um documento de 4 de janeiro produzido pelo Ministério da Saúde e com o nome de Pazuello afirma que "há possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias", segundo uma reportagem da Agência Pública.
Pazuello também negou que tenha recomendado o uso de cloroquina.
Porém, no mesmo vídeo gravado ao lado do presidente em outubro de 2020, Pazuello relata que estava se sentindo melhor da infecção por coronavírus após ter usado o "kit completo" de medicamentos, citando hidroxicloroquina, annita e azitromicina. Bolsonaro questiona Pazuello: "Se algum médico não quiser receitar cloroquina, o que ele (o paciente) faz?". O general então responde: "Chama outro médico, e se o paciente quiser tomar assina lá o compromisso (reconhecendo os riscos do medicamento) e o médico receita".
Além das declarações públicas, um dos primeiros atos da gestão Pazuello foi editar, em maio de 2020, uma nota informativa que orientava sobre doses da cloroquina a serem ministradas para pacientes com quadros leves e graves de covid.
O ex-ministro também argumentou que o aplicativo do ministério da saúde que recomendava a cloroquina, o TrateCov, "foi hackeado". No entanto o TrateCov foi efetivamente colocado pelo ministério no ar para auxiliar médicos em Manaus, com direito a um programa sobre seu uso na TV Brasil.
Os senadores consideraram que o depoimento de Pazuello, apesar de longo, não esclareceu todas as dúvidas sobre a atuação do governo na pandemia e o ministro foi convocado para depor novamente. A data do segundo depoimento ainda não está marcada.
"Capitã cloroquina" admitiu ser autora de áudio com notícias falsas
A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do ministério da Saúde e conhecida como "Capitã Cloroquina", Mayra Pinheiro, negou que a pasta tenha indicado cloroquina para tratar covid-19.
Ela disse que o ministério apenas "orientou" o uso de cloroquina, mas nunca "recomendou" o medicamento. Questionada pelos senadores sobre a diferença entre as duas coisas, não explicou.
A médica foi quem sugeriu o desenvolvimento do TrateCov, um aplicativo com o propósito de auxiliar médicos no diagnóstico e tratamento da covid-19, segundo o ex-ministro Pazuello. Na prática, o aplicativo recomendava o coquetel de medicamentos sem eficácia indiscriminadamente, até mesmo para bebês.
À CPI, no entanto, Mayra Pinheiro afirmou que "quem criou o aplicativo foram os técnicos de sua secretaria" - como secretária, no entanto, a ordem precisaria ter partido dela para ser realizada pela secretaria.
Seu depoimento foi especialmente marcado pelo momento em que Pinheiro admitiu que foi realmente ela quem fez um áudio que circulou pelas redes sociais espalhando notícias falsas sobre a Fiocruz.
No áudio, Pinheiro dizia que "tudo deles envolve LGBT" e que "eles têm um pênis na porta da Fiocruz", que "todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara" e as "salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle Vive".
A Fiocruz não tem uma figura de um pênis na entrada nem tapetes nas portas com a imagem de Che Guevara. Também não há envolvimento da fundação em campanhas de apoio a Lula ou sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco.
Pinheiro afirmou que o áudio era antigo e que "nessa época isso era constatação de fatos"."Existia um objeto inflável em comemoração a uma campanha na porta da entidade", disse ela.
Uma checagem da Agência Lupa mostrou que pelo menos outras cinco das declarações feitas pela secretária continham informações falsas. Leia mais nesta reportagem da BBC News Brasil publicada em 26 de maio.
Seu depoimento não foi o único momento em que notícias falsas apareceram na comissão. Alguns senadores também basearam falas e perguntas em notícias falsas.
Ao questionar o executivo da Pfizer Carlos Murillo, o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) afirmou que a informação que tinha "é que a vacinação nos EUA não começou em dezembro".
Rogério questionava Murillo sobre o cronograma de entregas da Pfizer apresentado com as propostas de compra, em 2020 — que o governo rejeitou.
No entanto, a informação de que a vacinação nos EUA começou no dia 14 de dezembro de 2020 foi amplamente divulgada na época. Ela começou com vacinas da Pfizer/BioNTech, alguns dias depois de a FDA (agência regulatória americana) aprovar, em 11 de dezembro, uma autorização emergencial para o seu uso.
Instituto Butantan disse que governo também rejeitou suas vacinas
A CPI revelou que, além da rejeição à oferta de vacinas da Pfizer, o governo- Bolsonaro também negou ofertas de vacinas do Instituto Butantan, em São Paulo.
O diretor do Butantan, o médico e pesquisador Dimas Covas, disse que a instituição fez três ofertas de vacina ao governo em 2020, todas rejeitadas.
A primeira foi em julho de 2020, quando foram ofertadas 60 milhões de doses, que poderiam ser entregues ainda no último trimestre de 2020. O ministério da Saúde, no entanto, não aceitou as ofertas e o contrato foi fechado apenas em janeiro de 2021, com um número de doses menor do que a instituição tinha oferecido.
Em janeiro a oferta do instituto foi de 100 milhões de doses, mas já não era possível manter o cronograma de entrega. "Os parceiros internacionais (de fornecimento de insumos) já tinham outros compromissos, e o ambiente internacional era de falta de vacinas", disse Covas à CPI.
Segundo o diretor do Butantan, as dificuldades impostas pelo governo federal nas negociações atrasaram a vacinação de milhões de brasileiros.
"O Brasil poderia ter sido o primeiro país a começar a vacinação", disse o médico.
O diretor afirmou também que a instituição pediu ajuda financeira do governo para montagem de uma fábrica de vacinas que poderia ampliar a capacidade de produção, mas o apoio não veio.
Nise Yamaguchi negou fazer parte de gabinete paralelo, mas reconheceu "conselho independente"
A CPI ouviu a médica Nise Yamaguchi para investigar a afirmação do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta de que o presidente recebia conselhos sobre saúde pública e pandemia de um grupo paralelo de conselheiros que não faziam parte do ministério da Saúde.
Cotada para ministra da Saúde, Yamaguchi sempre se posicionou publicamente em acordo com o presidente Jair Bolsonaro e disse que aceitaria o cargo se fosse convidada, mas a possibilidade nunca se concretou.
Defensora da cloroquina para "tratamento precoce" contra covid, Yamaguchi faz parte de um grupo minoritário de médicos que defende que existem evidências da sua eficácia contra o coronavírus.
No entanto, as entidades mais respeitadas da área médica no mundo inteiro concordam que não há estudos confiáveis, feitos com a metodologia correta, que comprovem essa versão. Nem os próprios fabricantes dos remédios afirmam ter encontrado essas evidências.
Yamaguchi estava presente na reunião em que o governo levantou a possibilidade de mudança de bula da cloroquina, segundo Mandetta.
A médica, no entanto, negou à CPI que houvesse essa intenção do governo e afirmou que tanto o ex-ministro quanto do presidente da Anvisa "podem ter se equivocado". No entanto, voltou a defender, na comissão, o uso da cloroquina para tratamento precoce.
Yamaguchi negou fazer parte de um conselho paralelo de aconselhamento a Bolsonaro, mas admitiu que participava do que chamou de um "conselho independente" de discussão sobre a pandemia organizado pelo empresário do ramo de escolas de inglês Carlos Wizard.
"Não participo de nenhum gabinete paralelo", disse Yamaguchi, apesar de admitir que participou de uma reunião com o comitê de crise interministerial e que fazia parte de um grupo organizado por Wizard.
A médica afirmou que esse "conselho científico independente" trabalhou "fazendo levantamento de dados científicos de forma voluntária" e apresentou essas informações ao governo.
"A princípio, ele seria do ministério, mas não foi. Foi independente", disse.
A médica afirmou que esteve com o presidente "umas quatro vezes" e que nunca teve encontros privados com Bolsonaro, embora a agenda oficial do presidente informe uma reunião entre ele e Yamaguchi em 15 de maio de 2020.
Consta na mesma agenda pelo menos duas outras reuniões de Bolsonaro com Nise, com a participação de outros integrantes do governo federal, nos dias 6 e 7 de abril de 2020.
Além da Yamaguchi, na semana passada a CPI ouviu também a infectologista Luana Araújo, que foi indicada para uma secretaria no ministério da Saúde, mas ficou apenas alguns dias antes de ter a nomeação cancelada.
Araújo, que se posiciona publicamente contra o uso da hidroxicloroquina e ao chamado "tratamento precoce", foi questionada pelos senadores da CPI a respeito dos motivos do cancelamento de sua nomeação.
Ela respondeu que essa pergunta deveria ser encaminhada ao ministro Marcelo Queiroga, que a contratou. "O ministro disse que lamentava, mas que meu nome não ia passar pela Casa Civil", disse.
Queiroga deve voltar a prestar depoimento nesta terça (7).
Próximos depoimentos
A CPI aprovou a convocação de diversas outras testemunhas, mas nem todas têm data marcada.
Na terça (8), a comissão vai ouvir novamente o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Para esta semana estão marcados também os depoimentos do ex-secretário executivo do ministério da Saúde Antonio Elcio Franco e do marqueteiro Marcos Arnoud, o Markinhos Show, ex-assessor especial do ministério. Na sexta, em caráter excepcional, haverá um debate com médicos e cientistas.
Na semana seguinte estão marcados os depoimentos do secretário de saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo; do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel; do empresário Carlos Wizard e de Paulo Baraúna, representante da empresa White Martins (responsável por fornecer oxigênio para hospitais em Manaus).
Convocação de governadores e do presidente da República
A CPI também fez a convocação de nove governadores (veja quais) para falar sobre o uso de recursos enviados para o governo federal para o combate a pandemia nos Estados.
No entanto, é possível que essa convocação ainda seja questionada, já que há previsão legal para que a CPI possa convocar governadores.
A professora de Direito Constitucional Estefânia Barbosa, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explicou à BBC News na semana passada que o artigo 50 da Constituição Federal prevê apenas a convocação de titulares de órgãos subordinados ao presidente da República. Governadores e prefeitos não estariam incluídos.
Eles ainda poderiam ser convidados a comparecer à comissão, mas nesse caso seu comparecimento não seria obrigatório.
Diante da falta de previsão para convocação de governadores, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um requerimento pedindo a convocação do Presidente da República.
Rodrigues disse considerar inconstitucional a convocação de governadores pela CPI. No entanto, como a comissão aprovou os nove depoimentos, o senador argumentou que, "por coerência", Bolsonaro também deve ser convocado.
Rodrigues diz que "a cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI".