Brasília - O clima estava tenso. Ninguém se entendia. No plenário vazio da Câmara, onde Rodrigo Maia (DEM-RJ) presidia a sessão, a oposição tentava suspender a polêmica medida provisória do "trabalho verde e amarelo". Pela primeira vez, por causa do isolamento causado pelo novo coronavírus, os parlamentares se acotovelavam em uma sessão virtual que entraria pela madrugada de quarta-feira, 14. De sua casa, pela tela do computador, o deputado e relator Christino Áureo (PP-RJ), fazia a defesa da proposta. Foi quando risos de crianças invadiram os microfones e telas do plenário e dos parlamentares, por todo o País.
"Que isso? Que isso? Tem um tubarão aliiii? Meu Deeeeus!", dizia alguém ao microfone, seguido por gargalhadas de crianças. O deputado Christino Áureo ainda tentou prosseguir com a orientação de seu voto, mas desistiu, sem entender nada. Nos computadores dos 513 deputados, uma pessoa dizia: "Me Deeeeus! Tem um coala?", perguntava, em tom de brincadeira. As crianças caíam na gargalhada.
Segundos depois, silêncio total. Nas telas dos parlamentares, aparecia apenas o nome do deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Ele tinha esquecido de bloquear o som do computador onde tinha falado um pouco antes, e foi brincar com os filhos. Depois de fechar o som, em tom de brincadeira, Marcelo Ramos mandou uma mensagem pelo WhatsApp para Rodrigo Maia: "Só pra avisar que aqui na floresta amazônica não tem tubarão e nem coala. Meus filhos entraram no quarto e brinquei com eles. É aniversário da Marcelinha hoje. Rsrsrsrs."
Episódios hilários e gafes se espalham por toda a internet, entre anônimos e famosos do mundo inteiro. As autoridades brasileiras, no entanto, estão dando um baile nesse quesito. Na quarta-feira, 15, fazia um calor dos diabos no Amapá, acima dos 30 graus Celsius. Era dias de mais uma sessão do Tribunal de Justiça do Amapá (TJ-AP), mas desta vez, pelo computador.
Cada um em sua casa de posicionou para a teleconferência. O desembargador Carmo Antônio de Souza não teve dúvidas. Com aquele calorão todo, sentou-se de frente para a sua tela sem camisa, todo à vontade, sem ter noção de sua câmera estava ativada e que os colegas, de terno e gravata, o assistiam do outro lado.
Há aqueles, porém, que não são apenas vítimas dos novos hábitos tecnológicos, mas também dos encantos dos efeitos especiais. Em Itajubá, no sul de Minas Gerais, o padre católico Luiz César Moraes não resistiu aos encantos do mundo digital e, sem querer, se entregou de vez às belezas eletrônicas.
Era a última missa do domingo que fechava março. Tudo corria bem com a benção virtual de Padre Moraes, que soma mais de 30 mil seguidores no Facebook e 18 mil no Instagram. Por alguma razão do destino, porém, padre Moraes teclou, se querer, nos filtros de efeitos que colocam bigodes, chapéus, óculos, caras de gatos, cachorros e tudo o mais sobre o rosto das pessoas.
O sacerdote, sem notar, ainda rezava sua oração final, quando o milagre da multiplicação de risos tomou conta de seus fiéis. Quando tomou pé da situação, padre Moraes caiu no riso e ele próprio compartilhou as imagens. "Desculpem os efeitos, acionei sem ver para iniciar a gravação da bênção. Deus quer também um pouco de alegria. A intenção foi mesmo de oração. Os efeitos foram sem intenção."
Os encontros virtuais, sejam estes de amigos, de famílias ou de trabalho já conseguiram cravar na história das quarentenas uma frase célebre: "Tão me ouvindo?". Nada supera essas três palavras, seguidas por imagens paralisadas, em péssima resolução, com bocas abertas e olhos fechados. Ninguém é poupado. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta quinta-feira, 16, o ministro Ricardo Lewandowski, devidamente vestido com sua toga, em casa, defendia seu voto que discutia a participação de sindicatos em acordos de redução de salário e jornada. Sentado, em uma sala rodeada de livros, Lewandowski fazia um discurso denso, gesticulava, como é trivial das sessões da alta Corte. No ápice de sua retórica, porém, quando já se preparava para o parágrafo final e dizia sobre "o risco de mergulharmos num círculo vicioso de progressiva e acelerada...", tudo parou. Silêncio total.
Na tela, como se nada tivesse ocorrido, Lewandowski seguia empolgado, falando e acenando com as mãos, mas ninguém o ouvia. O ministro Luiz Fux entrou em cena e fez o alerta. "Ministro Lewandowski, a sua..." Lewandowski seguia inabalável em seu discurso. Fux insistiu. "Ministro Lewandowski... a sua voz sumiu! A sua voz sumiu! Nesse último parágrafo do seu voto... clica no microfone!"
Fux acenava, arregaçava o colarinho da camisa, abria e fechava a mão ao lado do ouvido, se aproximava da tela. Nada dava jeito. "Ministra, Cármen (Lúcia), desbloqueie seu microfone e nos transmita algo", disse Fux. Cármen Lúcia respondeu: "Vossa Excelência está me ouvindo? Eu estou ouvindo Vossa Excelência perfeitamente."
Fux perguntou então: "mas está ouvindo o ministro Lewandowski?" "Não", respondeu Cármen. "Sumiu exatamente no último parágrafo, como Vossa Excelência fez anotar."
Passaram-se minutos e nada de som no computador de Lewandowski. Com a sessão parada, a TV Justiça devolveu a transmissão para o estúdio, de onde o apresentador sentenciou: "É uma situação muito comum, todo mundo sabe, todo mundo tem problema com internet." Tempos depois, uma outra falha técnica inviabilizou a continuidade do julgamento.
Em "protesto" contra as sessões virtuais, o ministro Marco Aurélio Mello deixou a toga de lado e apareceu no vídeo usando uma camisa polo em uma outra sessão. Tentou convencer a Corte de que o olho no olho era fundamental, mas foi voto vencido.
Fora do Brasil, pipocam os casos de gafes que viralizam mundo afora. No mês passado, ficou famosa a história da "Pobre Jennifer!". Durante uma teleconferência com os colegas de trabalho, Jennifer resolveu ir ao banheiro. Acontece que levou o computador, com câmera e áudio ligados. Quando percebeu a situação, já sentada na privada, deu uma bicuda no computador. (Colaboraram Camila Turtelli e Rafael Moraes Moura).