Ao menos 409 pessoas morreram dentro de casa com suspeita ou confirmação de covid-19 na cidade de São Paulo desde o início da pandemia, revelam dados da Secretaria Municipal da Saúde. Os números, referentes ao período de 16 de março (quando o primeiro óbito pela doença na capital foi registrado) a 21 de maio, representam 6,1 mortes em domicílio por dia, mais do que o dobro da média de mortes diárias em domicílio por problemas respiratórios observada em cinco anos anteriores, segundo levantamento do Estadão.
De acordo com dados do portal Datasus, do Ministério da Saúde, o número médio de pessoas mortas em domicílio por doenças respiratórias na cidade de São Paulo foi de 2,8 entre os anos de 2014 a 2018, último período com dados disponíveis, menos da metade do observado agora entre vítimas da covid-19.
A maioria das vítimas com suspeita ou confirmação de infecção pelo novo coronavírus que morreram em casa, sem ter acesso à assistência médica, era idosa. De acordo com os dados da secretaria, 336 (82,1%) tinham 60 anos ou mais, das quais 240 eram maiores de 75 anos, a faixa etária mais afetada.
Apesar da predominância de mortes em domicílio entre os mais velhos, foram registrados ainda 41 óbitos em domicílio cujas vítimas tinham idades entre 50 e 59 anos, 20 mortes entre pessoas de 40 a 49 anos, e 11 entre menores de 40 anos - incluindo duas crianças. Uma morte não teve a idade declarada.
Quanto à região da cidade, os distritos com o maior número de mortes em casa foram Cidade Ademar, na zona sul, e Pirituba, zona norte, ambos com 11 ocorrências cada. Aparecem em seguida, com dez óbitos cada, os distritos de Capão Redondo, Cidade Dutra, Grajaú (todos na zona sul), Cangaíba (zona leste) e Vila Medeiros (zona norte). "As mortes em casa que a gente atende são todas na periferia. Você quase não vê isso acontecer em bairros de classe média-alta porque é uma população que tem mais acesso a um médico e está mais atenta aos primeiros sinais da doença. Já as classes mais pobres são as que estão mais expostas e que encontram o serviço de saúde mais saturado", contou ao Estadão um médico do Samu que diz estar atendendo mais casos do tipo nos últimos dois meses.
O médico socorrista conta que são duas as situações mais comuns que explicam as frequentes mortes por covid-19 nas residências: ou o paciente buscou uma unidade de saúde e, por não apresentar inicialmente tanta gravidade, acabou liberado a voltar para casa, ou ele nem chegou a ter tempo de buscar assistência porque teve uma piora repentina.
"A família geralmente relata que a pessoa já estava apresentando tosse, febre baixa e prostração (fraqueza), mas como eram sintomas leves, ainda não tinha ido ao médico. Só que é muito comum a pessoa estar com manifestações leves e ter uma súbita descompensação. De repente, ela afunda de vez", alerta o especialista.
Ele diz que isso é comum entre os idosos, que já têm uma prevalência maior de doenças crônicas que agravam um eventual quadro de infecção pelo coronavírus. "Se o idoso já tem uma patologia e pega covid-19, o vírus descompensa as doenças de base e evolui muito mais rápido e de forma menos favorável", diz o médico ao Estadão. "A chance dessa pessoa ter uma morte súbita em domicílio é maior. Se ela retardar um pouquinho a ida ao pronto-socorro, pode piorar repentinamente. Mas também não foram poucas as situações em que a família conta que o paciente tinha procurado o serviço médico. A verdade é que os hospitais acabam internando só os casos graves."
Dados do Portal da Transparência do Registro Civil, que reúne números de cartórios, mostram que o fenômeno não é exclusivo da cidade de São Paulo. No mesmo período analisado (16 de março a 21 de maio), o País teve aumento de 15,8% no número de mortes em domicílio em relação ao registrado em 2019, considerando todas as causas, não só as respiratórias. O número de ocorrências do tipo passou de 36.263 em 2019 para 41.995 neste ano.