Desde o início da crise, muitos setores vêm se queixando da dificuldade de acesso ao crédito e cobram novas medidas do governo e do Banco Central para aumentar a liquidez no mercado, mesmo após a injeção de R$ 1,2 trilhão (16,7% do PIB) feita no sistema pela autoridade monetária. Associações setoriais pedem, por exemplo, para que o Tesouro assuma 100% do risco de operações de crédito.
"Era muito fácil (conseguir crédito) um mês atrás com os bancos. Agora, ninguém quer dar dinheiro. O mundo está com medo. Por isso, em tempos assim, os governos têm de agir", diz o presidente da companhia aérea Azul, John Rodgerson.
O setor aéreo é um dos mais afetados pela crise decorrente da pandemia de covid-19 e as empresas têm buscado renegociar dívidas, além de reivindicarem junto ao governo novas linhas de crédito para capital de giro. Há uma negociação em curso com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Também sofrendo os impactos da crise, varejistas afirmam que os recursos que o Banco Central disponibilizou nos últimos dez dias não têm chegado aos empresários e que entidades financeiras até aumentaram as taxas de juros cobradas. "O que a gente pede é que os bancos contribuam neste momento, façam seu sacrifício. Eles ganharam muito nos últimos anos", diz o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), José César da Costa.
O presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Jorge Pinheiro, faz a mesma crítica: "É o momento de os bancos compartilharem com a sociedade seus ganhos dos últimos anos."
A CABC e a CNDL são duas das cinco entidades ligadas ao varejo signatárias de uma carta enviada ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que pede novas medidas para amenizar a crise. No documento, as associações do setor afirmam que os bancos têm cobrado até 70% a mais em operações de crédito habituais, como para capital de giro. "Entendemos que, num momento de crise, as medidas adotadas pelo Banco Central devam caminhar juntas com as instituições financeiras", diz o documento.
Também signatária da carta, a Associação Brasileira de Franquias (ABF) é a favor de uma linha de crédito para as franquias. "As franquias representam 2,7% do PÌB, têm 161 mil lojas e geram 1,4 milhão de empregos diretos", disse Sidnei Amendoeira, diretor da entidade. Segundo ele, os empresários buscam novas linhas neste momento crítico e precisam refinanciar o passado. "Não é o BNDES que financia o franqueadinho lá na ponta. As condições que os bancos têm oferecido não são adequadas."
Um dos maiores multifranqueados do País, Glauber Gentil, dono de 92 lojas das marcas O Boticário, Quem disse, Berenice? e Swarovski, em quatro Estados do Nordeste, tem na mesa três frentes de atuação para enfrentar a crise do coronavírus. A primeira, já em implantação, é a renegociação com fornecedores. "As conversas estão intensas." Outras duas medidas ainda estão sendo avaliadas. Uma delas é captação de recursos com bancos. Mas, segundo o empresário, as taxas estão muito altas. O empresário já fez vários monitoramentos e deverá fechar com o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste, uma vez que os bancos privados não apresentam taxas atrativas, diz Gentil, que emprega 752 pessoas. "Outra possibilidade é antecipar recebíveis com empresas de cartão de crédito."
Uma das várias propostas apresentadas pelas varejistas ao BC é justamente usar a estrutura dos adquirentes de cartão para a concessão de crédito a taxas inferiores às cobradas nas transações tradicionais. Para isso, o Tesouro ou o BNDES teriam de arcar com o risco da operação.
"Com essa estrutura, o governo assumiria 100% do risco. A taxa de juros teria de ser um porcentual muito razoável, algo como 1%. Se o governo não disponibilizar liquidez, a conta não vai fechar", diz Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), outra entidade responsável pela carta enviada ao BC.
Segundo Humai, porém, as associações varejistas não tinham intenção de enviar um recado aos bancos através da carta. "Nossa questão é com o governo, que precisa ficar alerta para que suas medidas cheguem à ponta. O mercado não vai se autorregular, e a presença do governo é fundamental em todos os elos da cadeia."
Riscos altos
Para o analista de risco Luis Miguel Santacreu, da Austin Rating, é natural que os juros cobrados pelos bancos subam em momentos como o atual, em que os riscos estão elevados. "O futuro é totalmente obscuro. Os bancos podem conhecer seus clientes, mas não sabem se os clientes de seus clientes terão condições de pagar."
Santacreu afirma que novas medidas poderiam ser adotadas para que a liquidez chegasse aos empresários, como uma permissão, via medida provisória, para o BC emitir mais moeda. Segundo o economista, a concessão de crédito pela autoridade monetária para bancos tendo como garantia as carteiras de crédito dessas instituições também pode ajudar para que o dinheiro chegue às empresas. A medida foi autorizada pelo Conselho Monetário Nacional na quinta-feira, 2, e garante que o banco receba recursos antecipadamente e possa, assim, emprestá-los.
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que as taxas de juros cobradas estão estáveis nas últimas semanas, com exceção dos créditos negociados com grandes empresas. "Isso ocorre porque o custo de captação aumentou substancialmente, mas, neste caso, as operações de crédito envolvem grandes empresas, que demandam volumes significativos de recursos, com impactos relevantes sobre a liquidez do setor bancário", informou em nota.
"As instituições financeiras trabalham com análise de risco de toda a economia e houve mudanças significativas nas últimas semanas. Houve uma revisão geral do risco. As medidas recentes do governo, via Banco Central e Ministério da Economia, são, sem dúvida, muito bem-vindas e buscam justamente endereçar algumas dessas questões, como liquidez. Mas, mesmo com essas importantes medidas, a circulação de dinheiro ficou mais restrita", informou a entidade.