Estados brasileiros devem resistir ao novo protocolo do Ministério da Saúde que recomenda prescrição médica de cloroquina desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus. Ao menos oito governos já sinalizaram que não vão aderir ao uso generalizado do medicamento - entre eles, São Paulo, Bahia, Pará e Rio Grande do Sul. Em outros sete, as administrações afirmam que a aplicação ou não ainda está sob estudo.
Alvo de alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) mas pretendida pelo presidente Jair Bolsonaro, a permissão para livre uso de cloroquina foi divulgada nesta quarta-feira, 20, pelo governo federal. Governadores e autoridades sanitárias estaduais que se opõem à medida, entretanto, argumentam principalmente que falta comprovação científica da sua eficácia contra a covid-19 e há uma série de efeitos colaterais associados à droga.
O documento para liberar a prescrição médica a todos os pacientes é assinado pelo general Eduardo Pazuello. Ele assumiu interinamente o Ministério da Saúde após a demissão dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos, que se negaram a endossar a recomendação pretendida por Bolsonaro.
Na prática, o novo protocolo autoriza que médicos da rede pública receitem cloroquina logo após os primeiros sintomas, como coriza, tosse e dor de cabeça. Para isso, o paciente deverá assinar um termo de consentimento em que diz aceitar o risco "por livre iniciativa" -- sendo alertado, inclusive, da possibilidade de "disfunção grave de órgãos" e até de "óbito". No protocolo anterior, de março, a liberação era apenas para pacientes em situações mais graves.
Considerado epicentro do coronavírus no País, São Paulo puxa a fila de Estados que devem ignorar a recomendação e manter a administração de cloroquina nos hospitais como já era feita. Segundo boletim epidemiológico mais recente, o Estado registrou 69.859 diagnósticos e 5.363 mortes por covid-19 desde o início da pandemia.
"Nós não faremos a distribuição e nem aplicação generalizada da cloroquina, porque a ciência não recomenda", disse o governador João Doria (PSDB). "A ciência não orienta este procedimento e em São Paulo nós seguimos a ciência."
No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) adotou postura semelhante. "Quem tem de tomar a decisão é o profissional de saúde", declarou. "Não há evidência suficiente para que a cloroquina tenha administração irrestrita, pelo contrário: são feito muitos alertas sobre possíveis efeitos colaterais graves."
Outro a se opor à recomendação foi o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também criticou a politização do debate envolvendo o medicamento. "Não será adotado. Os médicos junto com seus pacientes e familiares definem o protocolo de atendimento", afirmou ao Estadão. "Na Bahia receita médica não é definida por ideologia ou pelos políticos."
Em nota, o governo Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, disse que "não há certeza científica em nível internacional ou nacional". "Lamentamos que dois ministros da saúde tenham sido demitidos e tanto tempo tenha sido perdido apenas para Bolsonaro esconder a sua grave omissão quanto ao real combate ao coronavírus", afirmou. "Não é ele, nem qualquer governador, quem manda na conduta médica em cada caso concreto."
Em Pernambuco, o governo Paulo Câmara (PSB) afirmou que "recebe com preocupação as novas orientações do Ministério da Saúde". Entre os motivos, o Estado cita que não foi apresentado plano específico de abastecimento de serviços do SUS, em especial para unidades responsáveis por atender casos leves, que devem ser mais impactadas pela medida. "A estimativa é que as unidades de saúde do Estado, incluindo as das redes municipais, precisarão de mais de 1 milhão de comprimidos, só neste mês de maio - número muito superior às 186 mil cápsulas enviadas, desde março, pelo Ministério da Saúde."
Já na Paraíba, o secretário da Saúde, Geraldo Medeiros, disse que "não há nenhuma modificação" após o novo protocolo. Segundo afirma, o corpo técnico do Estado tem estudado "inúmeros trabalhos" e não há "evidências científicas comprovadas" dos benefícios da cloroquina. "É fundamental que (o uso) seja sob prescrição médica, porque o médico se responsabiliza por essa prescrição", disse.
Na região Norte, o governo Helder Barbalho (MDB) também diz que não vai alterar a administração da cloroquina nas unidades do Pará. "Qualquer medicamento deve ser prescrito pelo médico ao paciente", afirma, em nota. Por causa do avanço da covid-19, o Estado foi um dos primeiros a decretar o bloqueio completo (lockdown) em cidades.
Por nota, o secretário de Saúde do Mato Grosso do Sul, , Geraldo Resende, afirmou que o medicamento adquirido pelo governo foi destinado para trabalho científico em duas unidades hospitalares. "O uso da cloroquina é reservada à decisão do médico em relação à aplicação."
Já os governos de Minas, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre, Piauí e Rio Grande do Norte afirmaram ao Estadão que o novo protocolo está sendo avaliado por comitês científicos locais ou pelas próprias secretarias de Saúde. Segundo os comunicados, ainda não há decisão sobre aplicação da medida.
"A nossa Secretaria de Saúde está atenta à todas as recomendações e protocolos da OMS e do Ministério da Saúde. Enquanto governador, não proíbo ou receito nenhum medicamento, pois essa é uma atribuição das equipes médicas", disse o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), em nota.
O governo do Distrito Federal disse que não iria se pronunciar sobre o tema. As demais unidades federativas não responderam até o momento.
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