EUA aprovam vacina da Pfizer: decisão pode acelerar liberação no Brasil

Estados Unidos se tornam 4º país ocidental a ter imunizante contra covid. Com decisão da FDA, Anvisa pode liberar o imunizante em 72 horas após pedido no país.

12 dez 2020 - 00h13
(atualizado às 08h36)
Instalação da Pfizer na Bélgica; estudos apontam que vacina tem eficácia de cerca de 95% para prevenir quadros de covid-19
Instalação da Pfizer na Bélgica; estudos apontam que vacina tem eficácia de cerca de 95% para prevenir quadros de covid-19
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, a FDA (na sigla em inglês), aprovou na noite desta sexta-feira (11/12) o uso emergencial da vacina da farmacêutica Pfizer contra o novo coronavírus.

Os estudos apontam que o imunizante tem eficácia de cerca de 95% para prevenir quadros de covid-19.

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Com o aval do órgão, as doses devem começar a ser aplicadas a partir da semana que vem, primeiro em idosos que vivem em casas de repouso e em profissionais da saúde que atuem na linha de frente no combate à pandemia.

Embora Reino Unido, Canadá e México tenham saído na frente na aprovação da vacina por seus órgãos reguladores, o resultado do processo na FDA era aguardado pela comunidade científica no mundo todo porque o trabalho da agência é visto como uma referência para a atuação de agências de outros países.

Aprovação em 72 horas no Brasil?

E embora essa semana o ministro da Saúde do Brasil, General Eduardo Pazuello, tenha dito que a aprovação de um imunizante levaria 60 dias para passar pelas etapas de análise da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), a expectativa dos especialistas é que o resultado da FDA facilite o processo de aprovação do imunizante também em Brasília.

Via de regra, o registro pela Anvisa de um medicamento ou imunizante leva de quatro meses a um ano para ser concluída. Mas esse prazo não valeria para tratamentos e imunizantes contra a covid-19. Isso porque o Congresso Nacional aprovou esse ano uma lei que determina que a Anvisa dê uma resposta em 72 horas a um pedido de registro emergencial de um imunizante contra a covid-19 que já tenha sido avaliado por algum dos órgãos reguladores dos Estados Unidos, da Europa, do Japão ou da China.

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A FDA, portanto, se enquadra na lei. Se a Anvisa não se posicionar, a liberação do imunizante seria automática.

Há, no entanto, uma questão sujeita à interpretação na legislação que pode trazer dificuldades. Segundo a redação da lei, a Anvisa teria que avaliar a liberação da vacina caso ela tivesse obtido um registro definitivo de outro órgão estrangeiro. No caso da vacina da Pfizer, o que a agência americana concedeu foi uma autorização de uso emergencial do imunizante, uma liberação mais rápida e menos burocrática do que o registro integral.

Vacina contra covid-19 recém-aprovada nos EUA será aplicada primeiro em idosos que vivem em casas de repouso e em profissionais da saúde que atuem na linha de frente no combate à pandemia
Foto: PA Media / BBC News Brasil

Para os médicos epidemiologistas e especialistas em saúde pública ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, a Anvisa não deveria ter dúvida sobre o que fazer.

"Essa interpretação de que somente com registro definitivo poderia haver essa liberação rápida não faz sentido. O Congresso aprovou uma lei para agilizar os processos de combate à pandemia e aí teríamos que esperar mais dois meses até que a FDA concluísse seu registro definitivo? Qual é a lógica disso?", questiona o médico e advogado Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Dourado, o expediente previsto na lei chegou a ser aplicado quando os EUA enviaram ao Brasil algumas milhões de doses de hidroxicloroquina, que o governo federal anunciou que usaria no tratamento de pacientes com covid-19.

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Naquele momento, a hidroxicloroquina contava com uma autorização de uso emergencial expedida pela FDA para tratar pacientes com o novo coronavírus, que semanas mais tarde acabou revogada pelo próprio órgão diante de evidências de que o medicamento não funcionava para esse fim e expunha os doentes a risco adicional. Com a aprovação emergencial da FDA, a hidroxicloroquina foi importada e distribuída no Brasil.

Como a FDA fez sua avaliação?

'Somos uma das poucas agências reguladoras do mundo que realmente analisam os dados brutos' de tratamentos a serem aprovados, afirmou o diretor da FDA Stephen Hahn
Foto: REUTERS/Andrew Kelly / BBC News Brasil

"Uma aprovação da FDA tende a facilitar e muito a aprovação na Anvisa. Primeiro porque é um órgão de extrema credibilidade, e embora tenham dado o nome de emergencial para o registro, é seguro que eles não tomaram nenhum atalho na avaliação dos dados. Segundo, porque na situação de pandemia em que estamos, 60 dias para aprovação é algo inadmissível de se esperar", avaliou à BBC News Brasil a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente dos Programas de Epidemiologia Aplicada do Instituto Sabin de Vacinas.

Segundo Garrett, a FDA foi a única agência até o momento a exigir que a Pfizer, assim como as outras farmacêuticas produtoras de vacina, acompanhassem os voluntários das pesquisas com os imunizantes por oito semanas após a aplicação da segunda dose.

"Eles fizeram isso porque praticamente todos os efeitos colaterais de vacinas conhecidos acontecem até a sexta semana após a administração da dose. Então, se cercaram de cuidados para garantir a segurança", diz Garrett.

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Outra particularidade da análise da FDA é o modo de análise dos dados. Em vez de analisar apenas os relatórios finais das fabricantes, os reguladores americanos checam os dados brutos dos testes e recalculam os resultados, replicando do zero os relatórios de milhares de páginas.

"Somos uma das poucas agências reguladoras do mundo que realmente analisam os dados brutos", afirmou o diretor da FDA Stephen Hahn essa semana, justificando-se sobre por que o trabalho do órgão demorava mais do que aquele dos pares britânicos e canadenses.

Foi exatamente esse o trabalho feito com a vacina da Pfizer. A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, acompanhou parte do processo de avaliação da FDA.

"O ensaio clínico da Pfizer era primoroso, e a avaliação da FDA foi rigorosíssima, olhando cada detalhe. É uma aprovação de uso emergencial porque estamos em uma emergência, mas os dados são claramente robustos", afirmou Pasternak à BBC News Brasil.

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Além disso, segundo Daniel Dourado, a FDA estabeleceu com os fabricantes um esquema de envio contínuo dos dados ao longo dos últimos meses. Assim, quando as informações da fase 3 de testes do imunizante da Pfizer chegaram ao órgão, os reguladores já tinham avaliado todo o material das fases 1 e 2.

"O Brasil só foi começar a pedir esse tipo de envio contínuo de dados na Anvisa a partir de novembro, por isso estamos atrás no processo", afirma Dourado.

Por fim, antes da aprovação pelo órgão, a vacina da Pfizer foi submetida a um comitê de especialistas independentes, que nesta quinta-feira recomendou que o imunizante fosse aprovado.

'Libere as malditas vacinas AGORA'

Trump remove a máscara para posar para fotos; republicano chegou a prometer que a vacina chegaria à população antes de os americanos irem às urnas
Foto: EPA/KEN CEDENO / BBC News Brasil

Todo esse processo que tornou a FDA uma das agências reguladoras mais respeitadas do mundo também levou tempo e fez com que os EUA fossem apenas o quarto país ocidental a ter a vacina disponível. Isso irritou o presidente Donald Trump, que há pouco mais de um mês perdeu a reeleição para o democrata Joe Biden.

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Durante a campanha, Trump chegou a prometer que a vacina chegaria à população antes de os americanos irem às urnas, em 3 de novembro. Por isso, o republicano foi acusado de tentar fazer uso político dos imunizantes.

Pelo Twitter, nesta sexta-feira, Trump escreveu, direcionando a mensagem para o líder da FDA Stephen Hahn: "Libere as malditas vacinas AGORA. Pare de fazer joguinhos e comece a salvar vidas".

Na mesma mensagem, Trump ainda disse que "enquanto meu esforço em encharcar com dinheiro a FDA nos economizou cinco anos para a aprovação de numerosas vacinas, a FDA é uma tartaruga grande, velha e lenta".

A pressão não parou por aí. Segundo informação do jornal americano The Washington Post, confirmada por outros veículos de imprensa americanos, o chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, falou com Hahn e teria transmitido a mensagem de que se a aprovação não saísse nesta sexta-feira, dia 11, a administração esperava que o chefe da FDA apresentasse sua carta de demissão.

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"É importante que se diga que a aprovação na FDA não saiu porque Trump mandou, mas porque os dados são muito claros", diz Natalia Pasternak.

Para Denise Garrett, é uma "infelicidade muito grande" ver as atitudes de Trump.

"Tanto a FDA quanto a Anvisa têm que ser isentas de qualquer interferência política, para que a população possa confiar nas suas conclusões. A ação de Trump é extremamente prejudicial à causa da vacina, e vejo paralelo no comportamento de Bolsonaro e Doria , no Brasil, que submetem o imunizante a seus interesses pessoais", disse Garrett.

A médica faz referência ao embate entre o presidente e o governador de São Paulo em torno da vacina nos últimos dias. Por um lado, o governo federal fechou contrato apenas com a fabricante Astrazeneca, cujos testes tiveram erros, o que deve atrasar em meses a conclusão das pesquisas e a liberação do imunizante.

De outro lado, o governo paulista firmou parceria com a empresa chinesa Sinovac para fabricar a Coronavac no Instituto Butantan. E embora ainda não haja resultados da fase 3 da Coronavac, Doria já prometeu que iniciará a vacinação em São Paulo em 25 de janeiro e garantiu que as doses serão distribuídas a qualquer brasileiro que vá ao Estado.

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As declarações de Doria irritaram não apenas Bolsonaro, mas os outros governadores. Nesta sexta-feira, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirmou que o Ministério da Saúde estudava medidas para confiscar as doses paulistas e redistribuí-las pelo país.

Em meio à disputa, caberá à Anvisa liberar ou não a Coronavac de Doria. Recentemente, os servidores efetivos do órgão divulgaram uma carta aberta em que diziam não agir por motivação política.

"Mas é impossível negar que a Anvisa acabou entrando no meio dessa disputa entre Doria e Bolsonaro", afirma Dourado.

O presidente vê no governador de São Paulo seu principal oponente na eleição de 2022.

A queda de braço, de acordo com Dourado, pode ser levada mais uma vez para o Supremo Tribunal Federal (STF).

"Já há uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil que pede que o Supremo libere a vacina caso a Anvisa demore para fazer a liberação. Mas o mais provável é que o órgão possa até levar um pouco mais de tempo, mas que acabe liberando", diz Dourado.

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Para Natalia Pasternak, os episódios políticos em torno das vacinas tanto nos EUA como no Brasil são motivo de alerta, especialmente em um momento em que a população precisa confiar na imunização e tomá-la.

"Com as vacinas, estamos olhando para o começo do fim da pandemia. A ciência está sendo politizada e essas agências não podem ceder à pressão em nome da confiabilidade do próprio trabalho", diz.

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