A expectativa do presidente da União Química, Fernando de Castro Marques, é que 10 milhões de doses da Sputnik V sejam importadas para o Brasil entre fevereiro e março. Segundo ele, em abril, o laboratório já estará apto para produzir oito milhões de doses por mês. O imunizante russo ainda não tem autorização para uso no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A União Química é a única empresa na América Latina que também produz o IFA, o insumo farmacêutico ativo. Ou seja, quando a vacina for liberada pela agência reguladora, o laboratório não dependerá da importação de nenhum componente de outro país, como acontece agora com a Fiocruz e com o Instituto Butantan, que precisam comprar o insumo de suas vacinas da China e sofreram com dificuldades para liberação dessa matéria-prima pelo país asiático.
Os responsáveis pela Sputnik V, no entanto, ainda não conseguiram entregar todas as documentações para a Anvisa. Marques contou que há reuniões diárias com a agência para orientações e, no momento, ele diz aguardar a liberação para iniciar o estudo de fase 3 de ensaios clínicos no Brasil, processo obrigatório para eventual autorização de uso emergencial do imunizante pela Anvisa.
Na terça-feira, estudo publicado na revista científica The Lancet, confirmou que a Sputnik V tem eficácia de 91,6% contra casos sintomáticos da covid-19. O imunizante é visto como um dos mais promissores por interlocutores do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para diversificar o cardápio de vacinas no País. Nos bastidores, defensores dizem que a Sputnik poderia se tornar "a vacina de Bolsonaro".
A Anvisa disse que analisou o pedido de autorização de estudo de fase 3 e respondeu ao laboratório em 4 de janeiro, indicando a necessidade de informações essenciais no pedido de estudo. Desde então, não houve mudança de status. Quando vocês devem responder a essas informações solicitadas pela agência?
Estamos tendo reuniões com a Anvisa diariamente. Às vezes mais de uma por dia. É do nosso interesse resolver todos os obstáculos de entendimento regulatório das exigências da Anvisa.
O que está faltando?
O principal é o estudo fase 3. Pedimos a aprovação do nosso estudo de fase 3. Estamos em negociação com o Hospital Albert Einstein, Grupo D'or e mais outro para contratação dos testes clínicos da fase 3 em território brasileiro.
Quando o estudo será encaminhado para a Anvisa?
Dependo da Anvisa liberar meu pedido de estudo para começarmos. Liberando a gente começa imediatamente. Pedimos também autorização para importação de 10 milhões de unidades em caráter emergencial para atender ainda no mês de fevereiro e março. Foi um entendimento nosso para acelerar o processo de vacinação.
A Anvisa fez questionamento, dizendo que o estudo publicado na Lancet foi com a vacina em forma líquida, armazenada a -18ºC. A União Química quer comercializar no Brasil a vacina em outras condições de temperatura e conservação. Os resultados da vacina líquida a -18ºC vale também para a vacina da União Química?
A vacina a -18ºC é para fins de transporte da Rússia para cá. Uma vez no Brasil, ela tem estabilidade de 90 dias em temperatura de geladeira. A vacina é uma só. É um 'copia e cola'. A Sputnik V daqui é a mesma produzida na Rússia.
A legislação brasileira dificulta a liberação das vacinas mais do que em outros países? Aqui, a Anvisa exige que os laboratórios interessados em obter autorização de uso emergencial de vacinas contra a covid-19 devam, no mínimo, ter iniciado estudos clínicos de fase 3 sobre eficácia e segurança do imunizante em solo nacional.
Os critérios da Anvisa não posso discutir, tenho de aceitar. Vamos cumprir as regras regulatórias que estão para zelar a qualidade dos produtos no Brasil. Porém, essa questão da fase 3, para uso emergencial, é o caso da Argentina. O presidente lá editou medida provisória, importou e já usou (a imunização no país vizinho com a Sputnik começou ainda em dezembro). Já está em fase 4, sendo usada massivamente. A Argentina faz parte das agências super rigorosas, também não está brincando.
A União Química tem também a capacidade de produzir o próprio insumo, o IFA. Como está sendo a produção desse insumo?
Qualquer produto, para ser produzido, precisa ser feita uma partida piloto para fins de transferência tecnológica. Só depois pode pedir o registro. Baseado na partida piloto, estamos seguindo os padrões de qualidade. Ese material depois vai para Rússia, para ser avaliado. Aí sim chamaremos a Anvisa para validar nosso processo e começar imediatamente a produção.
Qual a capacidade de produção da União Química?
Temos a capacidade de fazer oito milhões de vacina por mês a partir de abril.
Existe a possibilidade de expansão do laboratório para aumentar esse número?
Existe também. Cabe a nós, empresários, analisarmos o cenário, às vezes remanejar equipamento, agir com inteligência para tentar o quanto antes uma maior quantidade possível desse imunizante. Vai ser envasado em Guarulhos, na antiga unidade da Pfizer. A produção do insumo é feita no polo industrial JK, em Brasília.
A nova cepa do vírus interfere no processo de produção da vacina?
A gente sabe ainda muito pouco sobre a variante da covid. Ela surgiu em escala pequena e não sabemos o impacto que pode ter em quem já foi vacinado. Só futuramente vamos ficar sabendo.
Como o senhor, presidente de um laboratório de vacina, vê o Brasil na pandemia?
Minha expectativa é grande. Minha parte, como empresário, estou correndo e tentando abreviar o máximo possível o tempo para que, com toda segurança, a gente atenda ao mercado brasileiro. A demanda é muito maior do que a oferta. As grandes corporações já têm compromissos com a União Europeia, Estados Unidos e por aí afora. Nessa fila, não estamos no começo, estamos bem atrás.
Acha que o Brasil consegue imunizar toda população até o final do ano?
Tenho fé que sim. Se as coisas começarem a fluir, existe essa possibilidade. Estou me esforçando para isso e tenho certeza que os outros laboratórios também estão correndo atrás para atender o volume o quanto antes. A cada dia que se perde, são mais vítimas não só da doença, como também há impacto na economia, na escola.