O estudante de medicina Daniel Freire de Medeiros, filho de um dos secretários do Ministério da Saúde, terá de pagar uma multa de R$ 15 mil por ter furado a fila da vacinação contra a covid-19. A punição foi definida pelo Ministério Público.
O caso foi revelado em maio pelo Estadão. Daniel é filho do secretário do ministério responsável por organizar a vacinação no país: Arnaldo Correia de Medeiros. Com 21 anos de idade, ele é aluno do 8º semestre do curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Daniel recebeu a primeira dose da vacina Oxford/AstraZeneca em 28 de janeiro - meses antes de seus colegas de curso e dos demais moradores de João Pessoa na mesma faixa etária.
Procurado pela reportagem, ele negou ter cometido qualquer irregularidade. O Ministério Público, porém, entendeu de outra forma. Nesta segunda-feira, Daniel assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) para evitar um processo na Justiça.
O estudante se comprometeu a pagar a multa de R$ 15 mil, que deverá ser desembolsada até o fim do mês. O valor será destinado para hospitais públicos de João Pessoa e poderá ser quitado em espécie ou mediante a compra de equipamentos, como computadores, camas e berços hospitalares. O texto do acordo inclui uma cláusula para esclarecer que o fato de tê-lo assinado não equivale a uma confissão de culpa por parte do estudante.
Segundo o termo assinado por Daniel, o pagamento tem como objetivo promover "reparações no aspecto cível, inclusive quanto ao dano moral à coletividade". O acordo foi firmado com a promotora do Ministério Público da Paraíba (MPPB) Jovana Maria Silva Tabosa e com dois procuradores do Ministério Público Federal (MPF), Janaína Andrade de Sousa e José Guilherme Ferraz da Costa. A reportagem do Estadão procurou tanto Daniel, por meio de seu advogado, quanto o secretário Arnaldo Correia de Medeiros. Ainda não houve resposta.
Arnaldo Correia de Medeiros é farmacêutico de formação e professor universitário da UFPB. Chegou ao Ministério da Saúde ainda em junho de 2020, na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello. O nome dele foi indicado pelo líder do Partido Liberal (PL) na Câmara, o deputado paraibano Wellington Roberto. À época, a indicação foi vista como uma vitória política do Centrão na disputa por espaço no Ministério da Saúde. Dentro da pasta, uma das atribuições de Medeiros é justamente acompanhar e coordenar a compra de vacinas para a covid-19.
Em maio, quando o caso veio à tona, Daniel disse à reportagem que outros estudantes de medicina de João Pessoa já estavam se vacinando na cidade em janeiro, assim como ele. No entanto, os estudantes que estavam se vacinando eram aqueles que já estavam no período de residência (internato), o que não é o caso dele. O filho do secretário também alegou que fazia um "estágio voluntário" no Hospital São Vicente de Paulo, o que o exporia a contato com o vírus.
Daniel foi vacinado no mesmo hospital onde seria estagiário. No site do Portal da Transparência da prefeitura de João Pessoa, ele aparece registrado como "médico" - em maio, Daniel disse que se tratava de um erro e que pediria a retificação, mas isto não aconteceu. Ele continua sendo identificado como médico. À época, a prefeitura disse ao Estadão que só começou a vacinar estagiários da saúde do último ano da faculdade em maio, quatro meses depois que Daniel recebeu o imunizante.
Estudante contou a colegas que já estava vacinado
Segundo pessoas que acompanharam o caso, a vacinação precoce veio a público graças ao próprio Daniel, que comentou com colegas do curso de medicina o fato de já ter sido imunizado. Em maio, a Faculdade de Medicina encaminhou à Secretaria de Saúde do município a relação dos alunos que estavam aptos a serem vacinados segundo as regras — inclusive Daniel. Dos 59 alunos da turma dele, cerca da metade já foi vacinada, todos em maio. Daniel foi o único a se vacinar em janeiro, segundo o Portal da Transparência.
Desde o início da vacinação, cerca de 79 mil profissionais de saúde já foram imunizados em João Pessoa, segundo o site da prefeitura. Quando Daniel tomou a primeira dose, eram apenas 14,7 mil - o que significa que o filho do secretário esteve entre os 18,5% primeiros a serem imunizados.
Depois da publicação da reportagem do Estadão, Daniel enviou uma série de gravações de áudio aos colegas do curso de medicina da UFPB, acusando-os de terem divulgado as informações sobre o assunto.