BRASÍLIA | A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou nesta sexta-feira (10), com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para afastar a decisão que submeteu aos sindicatos as negociações individuais de trabalhadores e empresas para reduzir salário ou suspender contratos durante a crise do novo coronavírus. No entendimento do governo, a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski provoca insegurança jurídica, pode "trazer risco para as relações de emprego" e causar demissões.
O tema será analisado pelo plenário do Supremo na sessão marcada para o dia 16 de abril, quando os magistrados vão decidir se mantêm ou não a liminar concedida por Lewandowski, que frustrou as pretensões do governo ao incluir uma nova etapa burocrática para que os acordos sejam válidos.
A avaliação nas equipes econômicas e jurídicas do governo é a de que a derrubada da liminar é urgente para evitar demissões. Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem considerou a liminar de Lewandowski "extravagante".
Ao entrar com recurso ("embargos de declaração", em juridiquês) no STF, a AGU alega que a decisão de Lewandowski traz "prejudiciais efeitos" na adesão do empresariado ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
O governo desenhou a iniciativa prevendo que as empresas podem negociar diretamente com trabalhadores redução de jornada e salário ou suspensão de contratos. Nesses casos, a União pagará uma compensação que pode ser de até 100% do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido.
Os trabalhadores que podem, segundo a MP, fazer a negociação individual são aqueles com remuneração até R$ 3.135 ou com ensino superior e salário maior que R$ 12.202,12. Os sindicatos seriam avisados num prazo de até 10 dias, para poderem agir em caso de abusos, mas aplicação do acordo em si não dependeria de qualquer aval de terceiros - uma simplificação agora contornada pela decisão do ministro do STF, que prevê a necessidade de manifestação prévia dos sindicatos.
"A percepção de insegurança jurídica com a adoção do modelo de proteção de renda em questão certamente se traduzirá em opção pela hipótese demissiva, até porque a maioria das empresas já explorou as alternativas vigentes na CLT (banco de horas; férias coletivas; suspensão do contrato para cursos de aperfeiçoamento) para prorrogar as relações de trabalho", alerta a AGU.
De acordo com a AGU - que defende os interesses do governo -, a medida provisória editada pela equipe do presidente Jair Bolsonaro "não é refratária a negociações coletivas nem à participação de sindicatos".
"A diferença está na exigência de participação prévia de sindicatos em todo e qualquer caso e como condição para a produção de efeitos dos acordos individuais. Houvesse tal condição, haveria grave obstáculo contra a efetividade da proteção que se pretendeu oferecer diante de circunstâncias excepcionalíssimas em momento de calamidade pública de contornos inimagináveis com afetação direta nas relações de emprego", sustenta a AGU.
Atraso
Outro ponto destacado pelo órgão é que submeter os acordos ao aval - tácito ou expresso - dos sindicatos pode atrasar o atendimento de interesse dos próprios empregados.
"O número de adesões esperadas ao programa da MP nº 936/2020 (até 24,5 milhões de empregos, conforme estimativa da EM nº 00104/2020/ME), gerará um volume de acordos aparentemente muito superior à capacidade decisória das entidades sindicais, uma vez que a média de negociações coletivas verificadas por ano, no Brasil, orbita em torno de 45 mil", aponta a AGU.
Lewandowski já autorizou que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e centrais sindicais - CUT, UGT, CTB, Força Sindical, CSB, NCST - acompanhem na condição de "amigo da Corte" uma ação que contesta medida do governo que autoriza a redução da jornada de trabalho e salário durante a pandemia do novo coronavírus.
Ao acompanhar a ação na condição de "amigo da Corte", a CNI e as centrais poderão apresentar informações para subsidiar os votos dos ministros e fazerem manifestações durante o julgamento.